David Mota Nogueira tinha 10 anos quando atirou na sua professora dentro da sala de aula e depois se matou com um tiro na cabeça, na tarde do dia 22 de setembro, em uma escola em São Caetano do Sul, no ABC Paulista. Uma vida interrompida prematuramente por razões até então desconhecidas, em uma tragédia que chocou o país. Mas afinal, o que pode ter levado um garoto de 10 anos de idade a atirar na sua professora e depois se suicidar?

Os verdadeiros culpados
O mundo capitalista em que vivemos é um emaranhado de contradições, que vão explodindo de tempos em tempos. Violência e falta de perspectiva são alguns dos sintomas de uma sociedade que padece aos poucos. É um sistema que não respeita o ser humano, mas o embrutece. Os homens valem menos que uma máquina, o lucro vale mais que o bem estar das pessoas.

A violência tem sido banalizada há muito tempo, e as crianças convivem com essa realidade desde que vieram ao mundo. Vemos violência nas ruas, nas escolas, nos estádios de futebol, no trânsito e até mesmo dentro de casa. Ao invés de educação, emprego, cultura e lazer, a burguesia criou os seguros de automóveis, as câmeras, as catracas, os vidros blindados e os condomínios fechados. Essa é a lógica da nossa sociedade: o lucro está acima de tudo e o ser humano não vale nada.

O resultado é que o mundo está cada vez mais áspero, e a população pobre e os trabalhadores são quem mais sofrem com essa situação, principalmente os mais jovens.
A juventude brasileira, assim como os indignados da Espanha e a geração à rasca em Portugal, está sem perspectiva. O capitalismo esmagou seus sonhos e em troca apresentou um mundo de violência, de concorrência desenfreada no qual os mais ricos sempre chegam à frente e a “porta do futuro” está sempre fechada para os mais pobres.

Essa realidade gera consequencias, e às vezes são consequencias irreparáveis.
Quem não se lembra de Ahmed Hashem El-Sayed, egipcio, desempregado, que ateou fogo no próprio corpo, e comoveu seu país, sendo o estopim para uma das maiores revoluções dos últimos anos naquela região? Ele não foi o único. O desespero frente às péssimas condições de vida levou à morte outros tantos como ele.

As condições de vida no mundo capitalista, envolvendo pobreza, violência e falta de perspectiva também está afetando a juventude, e infelizmente, cada vez de forma mais precoce. Entre os jovens de 15 a 24 anos, o número de suicídio entre 1998 e 2008 no Brasil, cresceu 22,6%, passando de 1,454 para 1,783 mortes.

A educação no Brasil e o papel das escolas na vida dos jovens
Muitos jovens brasileiros sequer têm acesso à educação e, mesmo aqueles que têm, não conseguem empregos decentes e não vislumbram mais um futuro promissor.

Infelizmente as escolas públicas não são uma alternativa a essa realidade.
Não é verdade que basta “estudar para ser alguém na vida”. O capitalismo hoje, na sua fase imperialista, relega um setor ainda maior da população à miséria e à pobreza, ainda que tenha terceiro grau! Pior ainda pra quem não tem e pra quem já é pobre.

Além disso, as escolas de hoje mais parecem presídios do que um local apropriado ao estudo e à produção de conhecimento. Grades por todos os lados foi a saída que os governos encontraram para “prender os alunos às suas carteiras” e dizer que o Brasil vai bem. Já há quem defenda que as nossas crianças devem ser revistadas antes de entrarem nas escolas para “prevenir a violência”. Mas será que esta é a saída mais adequada?

Será mesmo que David, com seus 10 anos, era um “marginal perigoso” que precisava ser revistado antes de entrar na escola?

O que ninguém olha – ou finge que não vê – é que essas crianças passam por enormes dificuldades dentro e fora das escolas: convivem com a ausência dos pais que precisam ficar o dia fora trabalhando extenuantemente para garantir o sustento da família, enfrentam a falta de lazer, que em sua maioria está limitado às classes mais abastadas, isso quando muitas vezes as próprias crianças não precisam trabalhar para ajudar o pai ou a mãe.

São crianças que vivem em um mundo onde a violência está presente em seu cotidiano e que muitas vezes é a válvula de escape para quem ainda não compreende muito bem o que é esse mundo.

Nas escolas a situação não é mais animadora: salas de aulas lotadas, prédios caindo aos pedaços, falta de profissionais bem remunerados e quase nenhum investimento. Os professores ganham um salário de fome, e na maioria das vezes são obrigados dobrar ou triplicar sua carga horária para conseguirem sobreviver.

Não conseguem dedicar atenção suficiente para cada aluno e muitas vezes não identificam quando surge algum problema de comportamento ou de deficiência no aprendizado. E mesmo quando identificam, não há para onde encaminhar a criança ou o adolescente, porque a escola não conta com infra estrutura adequada nem com profissionais preparados para resolver o problema.

Num ambiente como esse, não fica difícil de imaginar que é difícil de ensinar e é difícil de aprender. A escola não atrai os estudantes e quase sempre frustra os professores. A violência se tornou corriqueira, e se evidencia na forma de brigas diárias, agressões físicas e verbais, e agora o tão famoso bullying.

Contraditoriamente, a escola de David e de Rosileide, foi reconhecida como a melhor colocada no ENEM de 2010, entre as escolas públicas de São Paulo.
Nos perguntamos: o que, de fato, significa isso?
Será que o Exame Nacional do Ensino Médio, proposto pelo governo para “preparar o aluno para o prosseguimento de estudos, a inserção no mundo do trabalho e a participação plena na sociedade” (site INEP) realmente tem avaliado os aspectos relevantes?
Será que o ENEM avalia o bem-estar dos alunos, as condições de trabalho dos docentes, a infra-estrutura das escolas e as condições para que se tenha um bom ambiente para o ensino?
Será que o ENEM avalia que investir menos de 5% do PIB na educação é o suficiente para preparar nossos jovens?

As escolas públicas brasileiras estão clamando por atenção e precisam urgentemente de investimento público para superar suas debilidades atuais. Há mais de 10 anos atrás partiu-se de um prognóstico da realidade educacional no Brasil e concluiu-se que era necessário investir no mínimo 10% do PIB na educação para que os problemas começassem a ser resolvidos. Atualmente o governo gasta menos de 5% e prevê 7% apenas para 2020, argumentando que não há dinheiro.

Enquanto isso transfere 49% do orçamento para o pagamento da dívida e corta R$ 60 bilhões das áreas sociais para isso. Com quem, afinal, o governo está preocupado? Com as crianças, os jovens e os trabalhadores ou com as empresas e os banqueiros?

Estes são os problemas estruturais da sociedade capitalista que precisam ser resolvidos. Ao invés de priorizar os lucros e a exploração, é preciso priorizar as pessoas. Grades e revistas na porta das escolas com certeza não resolverão o problema, inclusive podem agravar a situação.

David atirou na sua professora e se suicidou aos 10 anos de idade, e é a expressão da angústia que vive a maioria dos jovens brasileiros: uma juventude que não tem perspectiva nenhuma na vida, que não visualiza um futuro promissor e que cada vez mais prematuramente está sendo brutalizada, tendo sua infância arrancada pelas mãos do capitalismo.

É preciso lutar pelas conquistas imediatas, como o não pagamento da dívida e os 10% do PIB para a educação, mas também é preciso ir além disso.

O capitalismo tem-nos relegado à morte, ao descaso e ao abandono completo. É preciso construir uma nova sociedade. Uma sociedade socialista, na qual o ser humano seja valorizado, a violência deixe de existir no nosso cotidiano e as crianças e os jovens voltem a sonhar.