Daniel Ortega

O ex-guerrilheiro e candidato da Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN), Daniel Ortega, venceu as eleições presidenciais na Nicarágua no primeiro turno. Com 91,48% dos votos apurados, Ortega recebeu 38,07%, contra 29% do banqueiro Eduardo Montealegre, da Aliança Liberal Nicaragüense (ALN).

De acordo com a lei nicaragüense, para se proclamar presidente no primeiro turno, o vencedor precisa obter 40% dos votos válidos, ou 35% com uma vantagem de 5% sobre o segundo candidato mais votado. O Conselho Supremo Eleitoral decretou a vitória de Ortega, que presidiu o país entre 1985 e 1990, e o resultado foi reconhecido pelo candidato da ALN.

Polarização
A campanha eleitoral expressou a profunda polarização social existente no país. A Nicarágua é uma das nações mais pobres da América Latina, ao lado do Haiti e Honduras. A pobreza extrema atinge 5,2 milhões de nicaragüenses. Das crianças com menos de 5 anos, cerca de 35% sofrem com a desnutrição. O desemprego afeta 53% da população. A miséria e a pobreza extrema são as molas propulsoras do enorme fluxo de imigrantes nicaragüenses que seguem ilegalmente para os Estados Unidos em busca de um “futuro melhor”.

Queridinho de Washington
A direita apresentou-se dividida nas eleições, o que acabou favorecendo Ortega. Seus candidatos principais foram Eduardo Montealegre, da Aliança Liberal Nicaragüense (ALN), e José Rizo, do Partido Liberal Constitucionalista (PLC), que recebeu 26,21%.

Montealegre foi o nome preferido por Washington. Ex-banqueiro, ele trabalhou para diversos bancos norte-americanos. Com o fim do governo da Frente Sandinista, em 1990, participou dos governos de direita que o sucederam, chagando ao cargo de ministro da Fazenda. Na época, Montealegre foi responsável pela emissão de bônus que endividaram o país em mais de US$ 400 milhões. Além da Casa Branca, Montealegre também estava ligado ao atual presidente, o latifundiário Enrique Bolaños.

As correntes sandinistas também se dividiram. O Movimento de Renovação Sandinista (MRS), racha da FSLN, teve como candidato a presidência Edmundo Jarquín, um antigo funcionário do Banco Interamericano de Desenvolvimento, que recebeu 6,44%. Sua principal critica a Ortega era contra seu perfil “autoritário” e a falta de ética de seu partido, acusado de corrupção. Sobre o programa moderado da FSLN, nada foi dito.

Intervenção imperialista
Depois de ter sido derrotado por três eleições consecutivas, o ex-líder guerrilheiro Daniel Ortega despontou como o candidato favorito depois que assumiu um discurso de “candidato dos pobres” e prometeu a realização de programas sociais compensatórios como o “Fome Zero” e o “Desemprego Zero”.

O imperialismo interveio claramente durante todo processo eleitoral, tentando fazer chantagens contra a população dizendo que a eleição de Ortega seria um “desastre para a Nicarágua”. A desconfiança dos EUA em relação a Ortega reside no seu passado de lutas contra o imperialismo, durante a revolução sandinista. Ortega, hoje com 60 anos, tentou aparecer como um candidato confiável ao imperialismo, moderou seu discurso dizendo que “estava disposto a manter boas relações” com Washington, comprometeu-se a manter as políticas de livre comércio e fez alianças com setores das tradicionais oligarquias do país. Ele se aliou a setores da Igreja Católica, representados pelo Cardeal Miguel Obando e ao ex-banqueiro Jaime Morales Carazo.

Das trincheiras aos Palácios
A campanha de Ortega mostra de forma inquestionável as profundas transformações políticas ocorridas na FSLN desde sua derrocada em 1989. E serve como um exemplo da rendição de ex-guerrilheiros que abandonaram as trincheiras e passaram a defender o regime democrático-burguês.

Em 1963, Ortega se uniu a luta armada contra a ditadura de Anastasio Somoza. Membro da Frente Sandinista de Libertação Nacional, ele participou do levante que derrubou Somoza, em 1979. Com a revolução tornou-se coordenador da junta de governo do FSLN.

Naqueles anos, partidos e grupos trotsquistas em todo o mundo iniciam uma campanha de solidariedade e apoio à revolução nicaragüense. A Fração Bolchevique – que mais tarde daria origem à Liga Internacional dos Trabalhadores (LIT-QI) – participou da luta contra Somoza, apesar das diferenças políticas com o sandinismo. Através do PST colombiano, realiza uma grande campanha para construir a Brigada Simón Bolívar, formada por militantes da LIT e revolucionários independentes, da Colômbia, Panamá, Costa Rica, EUA e Argentina.

O colombiano Jose Juan Sanchez, integrante da Brigada, lembrou, em uma entrevista concedida ao Portal do PSTU em 2003, que a campanha de recrutamento para formação da brigada atraiu centenas de pessoas que desejavam lutar contra Somoza. “Muitas pessoas de diferentes origens queriam ingressar na Brigada. Eu me recordo, por exemplo, que um rapaz do interior da Colômbia que era relojoeiro vendeu todas as suas coisas e foi por sua própria iniciativa até Bogotá”, disse Sanchez que completou: “Nosso treinamento era na Costa Rica, em uma casa como essa onde dávamos uma instrução tanto política como militar. A Brigada participou da Frente Sul, onde ocorreram as maiores baixas. Me recordo, que logo nos primeiros combates quatro companheiros morreram”.

Mantendo sua total independência política, a Brigada ingressa no Exército Sandinista e cumpre um heróico papel na liberação da região sul da Nicarágua, o que lhe custa mortos e feridos.

A revolução expropriou terras e as propriedades industriais da família Somoza (cerca de 40% do país), nacionalizou bancos e seguradoras, iniciou uma campanha de alfabetização e a reforma agrária.

Em 1984, Ortega foi eleito presidente com 60% dos votos. Durante toda a década de 80 , os sandinistas foram vítimas de uma forte campanha do imperialismo liderada pelo então presidente dos EUA Ronald Reagan. Guerrilheiros anti-sandinistas, conhecidos como “os contras”, foram recrutados e financiados pelo imperialismo para derrotar a frágil revolução.
Grande parte do caos econômico e social existente hoje na Nicarágua está relacionado às ações terroristas dos “contras”, que mataram mais de 30 mil pessoas e sabotaram a economia do país.

Contudo, a direção sandinista, apesar de lutar heroicamente contra Somoza, se recusou a avançar em medidas que apontassem ao socialismo. Recusa-se, por exemplo, a expropriar o conjunto da burguesia, deixando intacta uma importante base social para a atuação e o fortalecimento dos “contras”. Na época a direção sandinista lançou a política de “reconstrução nacional”, junto com burguesia. Perguntado sobre os riscos da incorporação de representante da burguesia no governo, um representante sandinista respondeu que “não se corria nenhum risco”.

Dessa forma impediu que o povo nicaragüense seguisse adiante as terras e as fábricas dos exploradores. Para se avançar em direção ao socialismo era preciso a expropriação sem indenizações das empresas e latifúndios, o desconhecimento da dívida externa, a distribuição de terras e adoção de uma ordem revolucionária baseada nos conselhos operários e camponeses.

Os sandinistas também se recusaram a adotar medidas que permitissem a criação de sindicatos livres e a liberdade de expressão de organizações operárias e camponesas.
Na época, a Brigada Simon Bolívar exigiu que os sandinistas rompessem com a burguesia e tomasse o poder juntamente com os sindicatos operários. A Brigada impulsionou a criação de sindicatos e conseguiu organizar mais de 70 em pouquíssimo tempo. Isso provoca a reação da direção sandinista, que expulsa a Brigada da Nicarágua e entrega seus integrantes para a polícia panamenha.

Derrota final
O Boicote econômico imposto pelos EUA, a ação dos “contras” e a recusa da direção sandinista em expropriar o conjunto da burguesia, levou a derrota da revolução nicaragüense que tinha despertado tantas paixões na esquerda latino-americana. Aproveitando-se do desgaste da FSLN, o imperialismo articulou e financiou a candidatura de Violeta Chamorro, eleita presidente em 1990.

A FSLN se transformou então em um partido político de esquerda, legalizado e as conquistas da revolução foram gradativamente sendo perdidas. Vários dirigentes sandinistas foram posteriormente acusado de corrupção e de se apropriarem do patrimônio público expropriado pela revolução. Ortega mora hoje numa mansão confiscada de um parente de Somoza.

Onde vai a Nicarágua?
A vitória de Ortega se insere no marco da situação revolucionária latino-americana que produziu uma onda de governo de Frente Popular – de coalizão entre partidos de esquerda e burgueses.

A exemplo de outras Frentes Populares, Ortega combina um discurso de “combate às desigualdades”, prometendo implementar políticas sociais compensatórias, como o Bolsa Família de Lula. Mas no campo econômico não há nenhum horizonte de rupturas com neoliberalismo. É nisso que consiste seu programa de “corte social”.

Os trabalhadores da Nicarágua, com sua larga experiência revolucionária, não devem depositar nenhuma confiança no governo Ortega, que já os traiu no passado. A lição da revolução sandinista mostra que apenas a luta direta e independente da burguesia pode fortalecer a construção de uma sociedade justa e igualitária. Uma sociedade socialista.

MULTÍMIDIA

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