A proposta do governo Lula de realizar um acordo de livre comércio entre o Mercosul e os EUA, o 4 + 1, não tem nenhuma contradição com a AlcaNa semana que precedeu a visita do representante comercial norte-americano, Robert Zoellick, houve uma reunião ministerial para “afinar” o discurso do governo Lula com relação à Alca.

Na aparência, os ministros ligados à área econômica estavam avançando o sinal ao se declararem a favor de acelerar as negociações da Alca. E isto questionava a tática do Ministério das Relações Exteriores (MRE) de não entregar propostas nas áreas de serviços e liberação financeira, em represália à posição norte-americana de discutir os “interesses do Brasil” somente no âmbito da OMC.

Depois da reunião, a proposta “oficial” do governo, centrada em construir um acordo comercial do Mercosul com os EUA, conhecida como 4+1, foi saudada como uma vitória do Ministério das Relações Exteriores, ou dos integrantes do governo Lula contrários à Alca.

Diante deste quadro, muitos advogam que a melhor tática da luta contra a Alca já não seria a luta pela ruptura das negociações e sim apoiar o governo para realizar uma “negociação soberana”. Em outro nível, a Articulação Sindical, no Congresso da CUT rejeitou até mesmo a proposta de exigir do governo a realização do Plebiscito Oficial.

“4+1” e Alca: qual a contradição?

O Brasil negocia de forma simultânea a Alca e a nova rodada da Organização Mundial do Comércio (OMC), que discute ampliar a liberação dos serviços e a abertura dos mercados dos países industrializados aos produtos agrícolas dos países periféricos. E, se não bastasse, está discutindo também um acordo de livre comércio com a União Européia.

Os EUA transferiram vários temas de “interesse do Brasil” na Alca para a negociação da OMC, como o acesso dos produtos agrícolas brasileiros ao mercado americano e as barreiras não tarifárias(1).

Esta política dos EUA está baseada no fato de que existem duas negociações simultâneas. E, caso ele ceda às reivindicações dos latifundiários exportadores brasileiros na Alca, ficaria obrigado a ceder também dentro da OMC. Pois existe uma cláusula no acordo da OMC, que define que tudo o que seja negociado nos acordos regionais– além do que existe no âmbito dela – deve ser ampliado a todos os países da OMC.

O problema é que as negociações da OMC estão encalacradas pela negativa da União Européia de abrir seu mercado agrícola. O pano de fundo da paralisação na negociação da OMC é a crise econômica mundial e a recessão que já toma conta da Alemanha.

Este impasse na OMC levou a uma crise nas negociações da Alca, pois todo o tema agrícola agora fica dependente do avanço ou não das negociações na OMC para deslanchar na Alca.(2)

A proposta de um acordo “bilateral” entre o Mercosul e os EUA, que é apresentada por integrantes do PT como uma alternativa à Alca, na verdade é o oposto. Ele desbloquearia a crise atual, abrindo o caminho para a implantação da Alca.

Se existisse qualquer contradição entre os acordos bilaterais e a Alca, os EUA não teriam assinado nestes dias um acordo de Livre Comércio com o Chile. Mas quem não deixa dúvidas sobre o conteúdo da proposta do governo é o próprio Celso Amorim, Ministro das Relações Exteriores: “Eu tenho dito que o ‘4+1’ não substitui a Alca. Isto é um problema de foco. O que nós dissemos foi que exploraríamos o máximo as possibilidades de aprofundar o ‘4+1’” (3)

Na mesma entrevista, o representante norte-americano também não descartava a possibilidade do 4 + 1. Apenas preferia apostar pelo desbloqueio das negociações da OMC, antes de iniciar uma discussão bilateral com o Brasil. Então, não estamos diante de uma proposta contra a Alca, e sim, ante uma forma de acelerar um dos aspectos da negociação da Alca que é a parte relativa ao “livre comércio”.

Exportar é o que importa?

Todos sabemos que a Alca é muito mais do que um acordo de “livre comércio”. Os temas em negociação envolvem a perda total de soberania de todos os países da América Latina.

Mas, desde quando a redução da Alca a um acordo de livre comércio entre o Mercosul e os EUA traria benefícios aos trabalhadores brasileiros? A essência do problema permanece. A abertura total de nossas fronteiras às empresas norte-americanas traria: desemprego, fechamento de fábricas e recolonização.

Então, o debate dentro do governo não é de conteúdo, mas de ritmo. Todos estão a favor de manter e aprofundar nossa submissão ao imperialismo. Talvez a tabela abaixo explique porque o vice-presidente Alencar, proprietário da empresa Coteminas, e o ministro da Sadia, Furlan, tenham mais pressa: o lucro de suas empresas depende das exportações. Mas, enquanto eles exportam, nossos salários seguem caindo e o desemprego aumentando.

Se o governo estivesse defendendo o interesse dos trabalhadores não teria outra alternativa, a não ser romper já as negociações.

Por isso, devemos seguir e ampliar o trabalho com o abaixo-assinado que exige do governo um Plebiscito Oficial.

NOTAS
1 São formas de impedir o acesso ao mercado que não utiliza as tarifas, como “Lei anti-dumping”, barreiras fitosanitárias, imposição de cotas, etc.

2 O próprio ministro explica a relação entre as negociações:
“Na realidade as três negociações podem ser vistas como um processo único em três tabuleiros, na medida em que estão sendo remetidos à Rodada de Doha vários temas (…) A indisposição norte-americana em debater os subsídios agrícolas e as regras anti-dumping na ALCA constitui o exemplo mais notório. Esta circunstância faz com que seus cronogramas sejam interdependentes e requeiram uma harmonização.”
Palestra proferida no xv Forum Nacional. (mre.gov.br)

3 Transcrição da conferência de imprensa conjunta entre C. Amorin e R. Zoellick , 28/05 (www.ustr.gov)

Post author João Ricardo Soares,
da redação
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