PSTU-RN

Estamos entrando na pior fase da pandemia. Leitos lotados, UPA de Parnamirim fechando as portas, população nas calçadas sem atendimento, mais de uma centena de pessoas esperando vagas em leitos. Essa é a realidade. O Rio Grande do Norte possui o segundo pior índice de adesão ao isolamento social do Nordeste, com 38% de adesão, quando o recomendado pela OMS é 70%. Em 30 de maio, 37 pessoas morreram em 24h, maior número de óbitos em um dia desde o início da pandemia. O sistema de saúde de Natal entrou em colapso no dia 3 de junho e o número de mortos e infectados não para de crescer. O Comitê Científico aponta a necessidade de lockdown em Natal e Mossoró. O governo do estado insiste em dizer que a culpa do caos instalado é da população que não está mantendo o isolamento social.

Foi neste cenário que a governadora Fátima (PT) publicou um novo decreto sob o slogan de “Pacto pela Vida”, no qual pretende usar a força policial para aplicar medidas rígidas de isolamento social para a população. O decreto absorve a proposta de reabertura econômica apresentada pelos empresários da Federação das Indústrias do Rio Grande do Norte (FIERN), Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado do Rio Grande do Norte (FECOMÉRCIO), Federação da Agricultura, Pecuária e Pesca do Rio Grande do Norte (FAERN) e pela Federação das Empresas de Transporte de Passageiros do Nordeste (FETRONOR).

Decreto do lockdown fake

O lockdown fake foi instituído no decreto nº 29.742 de 4 de junho. O novo decreto pretende intensificar o isolamento social, mas mantém o funcionamento, com medidas restritivas, de todas as atividades econômicas listadas nos decretos publicados em 1 e 23 de abril. Com exceção do funcionamento de armarinhos e serviços de higiene pessoal, incluindo barbearias, cabeleireiros e manicures. As atividades são:

I – Assistência à saúde, incluídos os serviços médicos e hospitalares e atividades de podologia;

II – Distribuição e comercialização de medicamentos;

III – Distribuição e comercialização de alimentos;

IV – Distribuição e tratamento de água;

V – Atividades de defesa e construção civil;

V – Serviços funerários;

VI – Segurança privada;

VII – Atividades jornalísticas;

VIII – Captação e tratamento de lixo e esgoto;

IX – Geração, transmissão e distribuição de energia elétrica, gás e combustíveis;

X – Assistência social e atendimento à população em estado de vulnerabilidade;

XI – Produção, distribuição, comercialização e entrega, realizadas presencialmente ou por meio do comércio eletrônico, de produtos de saúde, higiene, alimentos, bebidas não alcoólicas, tecidos, aviamentos, materiais de construção ou reforma e de suprimentos agrícolas, incluindo mercados, supermercados, hipermercados, quitandas, açougues, peixarias, padarias, distribuidores, lojas de conveniência e armarinhos, vedado qualquer consumo interno dos itens alimentícios e a disposição de mesas e cadeiras em espaços de convivência;

XII – Prevenção, controle e erradicação de pragas dos vegetais e animais;

XIII – Estabelecimentos de saúde animal;

XIV – Atividades necessárias a viabilizar a entrega de cargas e o transporte em geral, incluindo oficinas, borracharias e lojas de autopeças;

XV – Demais atividades exercidas por pessoa jurídica de direito privado cujo estabelecimento utilize, exclusivamente, sistema natural de circulação de ar.

XVI – Atividades de representação judicial e extrajudicial, assessoria e consultoria jurídicas exercidas pelas advocacias públicas e privadas;

XVII – Oficinas de máquinas e equipamentos agrícolas;

XVIII – Hotéis, flats, pousadas e acomodações similares;

XIX – Serviços de locação de máquinas, equipamentos e bens tangíveis;

XX – Atividades de agências de emprego e trabalho temporário;

XXI – Serviços de reparo de computadores e bens pessoais domésticos;

XXII – Serviços de lavanderia;

XXIII – Atividades financeiras, de seguros e de contabilidade;

XXIV – Serviços de venda e locação de imóveis, de automóveis e motocicletas;

XXV – Atividades Industriais.

O novo decreto também estabelece maior controle do trânsito com formação de blitz nas entradas das cidades e fechamento da orla marítima. Como as cidades são de jurisdição das prefeituras municipais, Fátima realizou várias reuniões com os prefeitos para convencê-los a implantar essas medidas. O prefeito de Natal, Álvaro Dias (PSDB), já declarou que não irá se empenhar na aplicação dessas medidas. Em entrevista ao jornal Tribuna do Norte, o prefeito disse: “O Governo do Estado elaborou um decreto para o Estado todo. Então o Governo tomou essa decisão, o Governo procure colocar em prática o seu decreto. Nós vamos colocar em prática as medidas que já estamos implantando e que são muito mais amplas para prevenir e tratar o Coronavírus. Espero que o Governo do Estado possa proceder da mesma forma.”

Na mesma entrevista, Álvaro Dias rechaçou as recomendações do Comitê Cientifico do Consórcio Nordeste para aplicação de LOCKDOWN em Natal. Disse o prefeito: “Eu não concordo, não acho que tenha necessidade de um lockdown. Concordo que se mantenha o isolamento social. Mas o lockdown eu não concordo.”

Prefeito de Natal, Álvaro Dias (PSDB)

O Comitê Cientifico do Consórcio Nordeste publica boletins periódicos sobre políticas de combate ao coronavírus, nos quais por duas edições consecutivas (maio e junho) a recomendação do comitê é de que seja aplicado lockdown na região metropolitana de Natal e em Mossoró. Também vale ressaltar que o posicionamento do secretário de saúde da Prefeitura de Natal é contrário ao que defende o prefeito e a governadora Fátima. George Antunes, em entrevista à Inter TV Cabugi, discordou da flexibilização do comércio em Natal e afirmou: “Ou a gente fecha a metade dessas portas que estão abertas, que eu acho um absurdo o que está acontecendo, ou nós vamos ter um caos. Se vocês estão achando que a situação está crítica, é porque vocês não tem noção exata do que virá. A se manter nessa condição, nós vamos ter pessoas morrendo nas calçadas, sem ter direito nem a entrar em uma unidade de pronto-atendimento ou hospital”.

George Antunes ainda emendou: “Esqueçam decreto de governadora e de prefeitos. Esqueçam pelo amor de Jesus Cristo e fiquem em casa. Isso é o maior absurdo que a gente pode ver nos dias de hoje, se falar em flexibilização. O povo deve ficar em casa. Os poderes, os governantes, têm que ter a coragem de dizer o que são serviços essenciais nas suas cidades, o que é serviço essencial dentro desse estado, e não abrir comércio da forma como está sendo aberto, chamar o povo para a rua, distribuir máscara para causar sensação de falsa segurança”.

É evidente que o novo decreto não chega nem perto do que são as medidas de lockdown. Com a flexibilização do comércio e com o funcionamento de várias atividades econômicas, não é possível manter o isolamento total. Os trabalhadores continuarão se aglomerando nas paradas de ônibus, nos transportes públicos para ir e voltar do trabalho e continuará havendo circulação no comércio.

Medidas de repressão aos pobres

Os trabalhadores do mercado informal, comerciantes autônomos e desempregados são os mais prejudicados. Essas pessoas estão tendo que ir às ruas batalhar pela sua sobrevivência e de seus familiares. A maioria não foi contemplada com o auxílio emergencial do Governo Federal, e mesmo os que foram beneficiados não estão conseguindo sobreviver com R$ 600,00.

O novo decreto estadual não garante nenhuma política social que dê condições de higiene, alimentação e prevenção para a população mais pobre. Em contrapartida, o decreto estabelece o uso da força policial para reprimir a circulação destes trabalhadores em vias públicas, podendo sofrer apreensão e multas que variam de R$ 50,00 a R$ 25.000,00 para o trabalhador que descumprir o decreto.

“Art. 8º Fica estabelecido o dever geral de permanência domiciliar, consistente na vedação à circulação de pessoas em espaços e vias públicas, ou em espaços e vias privadas equiparadas a vias públicas…”

“Art. 20. A aplicação das multas dar-se-á sem prejuízo da adoção de medidas administrativas como a apreensão, interdição e o emprego de força policial, bem como da responsabilização civil e penal, pela caracterização de crime contra a saúde pública, tipificado no art. 268 do Código Penal.”

Estamos assistindo a uma onda de protestos nos EUA e em algumas cidades do Brasil. Para evitar que essas movimentações aconteçam no RN, a governadora tornou os protestos ilegais no estado. As entidades que se atreverem a organizar atos de trabalhadores sofrerão multas que variam de R$ 1.000,00 a R$ 50.000,00.

“Art. 11. Estão suspensas as atividades coletivas de qualquer natureza, públicas ou privadas, incluindo eventos de massa, shows, atividades desportivas, feiras, exposições, reuniões de pessoas ou de pessoas em seus veículos, como carreatas, passeatas e congêneres.” (DECRETO Nº 29.634)”

Os empresários são os únicos beneficiados

O novo decreto, apelidado de “pacto pela vida”, pretende escancarar ainda mais o funcionamento das atividades econômicas a partir do dia 17 de junho, desde que as ocupações dos leitos de UTI – que hoje estão lotados – não ultrapasse 70% de ocupação. Talvez esse seja o verdadeiro sentido do Decreto da governadora Fátima: um Pacto pela Vida Econômica em detrimento da vida da população.

Desde o início da pandemia as políticas adotadas pelo governo do estado têm beneficiado os empresários através da flexibilização do funcionamento das atividades econômicas e da negação na aplicação do lockdown. Essa mesma política é seguida pelos prefeitos Álvaro Dias (Natal), Rosalba Ciarlini (Mossoró), Maurício Marques (Parnamirim), Paulo Emídio (São Gonçalo do Amarante) e demais governos municipais. Os empresários estão mantendo seus lucros em meio à pandemia, enquanto morrem em média 4 potiguares por dia, vítimas do coronavírus.

O Poder Judiciário é conivente com esse genocídio, pois faz vista grossa para a política assassina dos governos e empresários. Por duas vezes o Judiciário cumpriu o papel de carrasco ao vetar a ação de lockdown exigida pelo SINDSAÚDE/RN e pela Associação de Juristas Potiguares pela Democracia e Cidadania (AJPDC).

O lockdown que defendemos

Lockdown é o bloqueio total de uma região. Muito diferente dos decretos de Fátima, essa medida só permite o funcionamento de atividades verdadeiramente essenciais, como hospitais, farmácias, supermercados, serviço de segurança, transporte de passageiros, atividades jornalísticas e fornecimento de água, luz e gás. Não é permitida a circulação de pessoas em vias públicas, com exceção dos trabalhadores das atividades essenciais ou as pessoas que necessitem do atendimento ou serviços das atividades essenciais. O acesso às fronteiras passa por rígido controle de fiscalização e nas cidades é estipulado horário de toque de recolher.

Defendemos a aplicação do lockdown em toda a região metropolitana de Natal e em Mossoró, por um período de 15 dias, sempre que a capacidade máxima de atendimento do SUS chegar a 65%. Todavia, o bloqueio total tem que ser aplicado em paralelo a uma política de distribuição de renda de até 2 salários mínimos para todos os trabalhadores autônomos, do mercado informal e desempregados. Para as microempresas, deve-se conceder crédito a juros zero. Também é necessário realizar testagem em massa para isolar os infectados separadamente dos não contaminados.

O estado do RN tem condições financeiras de aplicar essas medidas, basta taxar a dívida dos empresários com o estado (dívida ativa), que hoje é de cerca de R$ 8 bilhões. Confiscar as sobras de caixas dos poderes legislativo e judiciário, em torno de R$ 100 milhões e R$ 253 milhões, respectivamente. Além disso, é preciso reduzir os salários de todos os políticos do Estado. Este é um plano emergencial que deve ser adotado imediatamente, caso o governo e as prefeituras tenham realmente interesse em salvar a vida das pessoas. Do contrário, se continuar como está, teremos cadáveres nas calçadas e a governadora Fátima, o prefeito Álvaro Dias e demais gestores serão cúmplices da política genocida de Bolsonaro.