Brutal assassinato de moradora da periferia do Rio expõe o caráter da política de segurança pública de Cabral

Cláudia da Silva Ferreira, 38 anos, moradora do Morro da Congonha em Madureira, acordava todos os dias às 4h30 da manhã para ir trabalhar como auxiliar de serviços gerais no Hospital Marcílio Dias. Com o baixo salário que recebia, sustentava quatro filhos e quatro sobrinhos junto com seu marido, que trabalhava como vigia no famoso Mercadão de Madureira. No dia 16 de março, um domingo, Cláudia saiu de casa com R$ 6 para comprar pão e foi alvejada a tiros pela PM. Colocada na traseira da viatura pelos policiais, a auxiliar de serviços gerais foi arrastada por 250 metros após cair do porta-malas produzindo uma imagem correu o mundo, chocou os trabalhadores e expôs mais uma vez a política racistae assassina de segurança pública no Rio de Janeiro.

A rotina da PM subindo as favelas atirando a esmo, matando trabalhadores e jovens negros e forjando “autos de resistência” é conhecida pelos moradores das comunidades. A própria Cláudia sabia muito bem os perigos de ser negro e pobre no Rio. Weverton, seu filho de 16 anos, disse que sua mãe temia que ele pudesse acabar sendo “confundido” com um traficante e alvejado. O irmão de Cláudia, Júlio César Silva Ferreira, em entrevista ao Globo, deixa claro que o procedimento que vitimou sua irmã não é novidade: “Aconteceu com ela e amanhã será com outro trabalhador. (…) Não queremos que fique impune. Senão ela será só mais um Amarildo”.

Se depender do governo do Rio de Janeiro, mais Cláudias e Amarildos serão vitimados pela ação da PM. A morte de Cláudia acontece justamente no momento em que o governador Sérgio Cabral (PMDB) e o Secretário de Segurança Pública, José Mariano Beltrame, iniciam nova ofensiva em sua política de repressão das favelas através das UPP’s. Nas últimas semanas, se utilizando de uma série de ataques por parte do tráfico que resultaram na morte de 16 PM’s neste ano, o governo e a grande mídia não mediram esforços para revitalizar a imagem das Unidades de Polícia Pacificadora. Como parte deste esforço, a Vila Kennedy foi ocupada militarmente e o Complexo do Alemão invadido pelo Bope.

O projeto das UPP’s entrou em franco descrédito depois das inúmeras arbitrariedades e violências cometidas nas comunidades, das quais a morte do ajudante de pedreiro Amarildo virou símbolo. Manifestações contra as UPP’s e a ação da PM tomaram as favelas do Rio no ano passado e seguem em 2014. Neste ano houve protestos e confrontos de moradores com policiais no Complexo do Alemão, na Praça Seca, Morro São João, Morro da Gambá, Cidade de Deus, Favela do Metrô dentre outros.

A criminosa ação da PM que resultou no assassinato de Cláudia da Silva Ferreira coloca mais uma vez na ordem do dia a luta contra a política de segurança pública do governo Sérgio Cabral. Uma política voltada para a ocupação militar das favelas como forma de reprimir uma população negra e pobre vista como criminosa pelo Estado. A repressão cotidiana da polícia na periferia do Rio foi vista também nas manifestações que tomaram a cidade desde junho passado. As prisões arbitrárias, as agressões gratuitas, a limitação do direito de ir e vir, a infiltração dos movimentos sociais, tudo o que foi característico da ação da PM durante as manifestações é transformado em cotidiano numa versão bastante piorada paraos moradores das favelas cariocas com as UPP’s. A luta contra as UPPs e pelo fim da PM ganhou força em 2013, e deve continuar em pauta. É preciso discutir de que segurança pública precisamos.

Por uma política de segurança pública que atenda os trabalhadores
Não é possível resolver o problema da segurança com a manutenção das atuais Polícias Civil e Militar. Estas são polícias pensadas para manter a ordem de coisas vigente, defender os ricos e poderosos e, por isso, tem como principal função manter os trabalhadores e o povo pobre sob constante repressão. Desta função surge também uma polícia corrupta, sempre disposta a vender seus serviços a quem pague mais ou a cobrar propina dos trabalhadores que se acostumou a reprimir. A estrutura militarizada que tem a PM e que transborda no dia-a-dia também para outras estruturas policiais impede que os policiais que discordam desta realidade possam se manifestar e se organizar para ajudar criar as condições para que esta realidade mude.

É preciso dissolver as atuais polícias e criar uma única Polícia Civil Unificada e totalmente desmilitarizada. Esta polícia deve ter como principal característica o controle de suas ações pelas entidades dos movimentos sociais e associações de moradores, para que ela não mais sirva aos interesses dos ricos e poderosos e passe a defender os interesses dos trabalhadores e da população negra e pobre das periferias. A população deveria ter o direito a eleger os chefes de polícia com mandatos revogáveis a qualquer momento. Os policiais devem ter direito à sindicalização e a eleger seus superiores.

Os agrupamentos de elite (como BOPE e CORE) voltados para invadir as favelas devem ser extintos, bem como a Tropa de Choque, cujo único objetivo é reprimir as mobilizações dos trabalhadores. As UPP’s devem ser extintas e o patrulhamento das favelas deve ser feito em diálogo com as associações de moradores.

A luta por uma nova política de segurança pública, no entanto, começa pela batalha para punir os assassinos de Claúdia, Amarildo e todos os outros trabalhadores e negros assassinados pelo governo Sérgio Cabral. As grandes manifestações que tomaram o Rio de Janeiro em 2013, e que continuam em 2014, não esqueceram dos crimes do governador do estado. É preciso continuar nas ruas, exigindo a prisão dos assassinos de Cláudia e Amarildo e fortalecendo a luta pela derrubada do maior responsável pelo massacre da população negra nas favelas do Rio, o governador Sérgio Cabral.

Atualização: Enquanto publicávamos esse artigo, a Justiça acabava de conceder liberdade aos policiais envolvido no caso de Cláudia