O final de agosto de 1917 foi marcado pela mais grave ação para derrotar a Revolução Russa: a tentativa de um golpe liderado pelo general Kornilov, comandante-chefe do Exército russo

Primeira Guerra Mundial penalizava brutalmente a Rússia. Era cada vez mais nítido para a população que milhares de vidas eram perdidas num conflito sem sentido. Enquanto os soldados apodreciam em trincheiras lamacentas e imundas, os trabalhadores pobres das cidades sofriam com a fome e com a alta dos preços dos alimentos e dos alugueis.

A ofensiva militar russa na região da Galícia, próxima à Ucrânia e à Polônia, foi violentamente derrotada com um grande número de baixas. O governo entrou em crise, e seu chefe, o príncipe Lyvov, renunciou. Em seu lugar, assumiu Alexander Kerensky como primeiro-ministro. O menchevique Tsereteli foi nomeado ministro do Interior.

Kerensky era um político popular, membro do partido Socialista Revolucionário (SR). No começo da revolução, tinha se tornado, inclusive, vice-presidente do Soviete de Petrogrado. Portanto, era visto como alguém mais à esquerda do governo. Porém, ao seu modo, também tramava planos de conter a revolução como veremos mais adiante.

Naquele momento, o general Kornilov, indicado pelo Partido Cadete para o alto comando militar, foi nomeado para a chefia suprema das tropas. Kornilov exigiu que a pena de morte fosse estendida da frente de combate para as tropas da retaguarda, e que as estradas de ferro fossem submetidas ao estado de sítio. Kerensky acatou as exigências.

Liquidar o duplo poder
A burguesia russa avaliava que havia chegado a hora de liquidar a revolução para cumprir os compromissos que o país tinha assumido com seus aliados imperialistas, França e Inglaterra. A derrota da revolução e a superação do duplo poder entre sovietes e Governo Provisório minavam a economia e o esforço de guerra da Rússia. Por isso, exigia um golpe de Estado que estabelecesse uma ditadura militar.

O enfraquecimento dos bolcheviques após a derrota das Jornadas de Julho, alvos de uma enorme campanha de calúnia e mentiras, também oferecia o momento oportuno. A desculpa para o golpe seria a necessidade de derrotar uma suposta conspiração dos bolcheviques com a Alemanha, inimigos dos russos na guerra.

Kerensky acreditava que ele mesmo deveria se colocar à frente do golpe, uma vez que tinha o apoio dos conciliadores nos sovietes. Mas Kornilov era o favorito da burguesia e dos cadetes. Isso porque era visto como o único que poderia liquidar completamente os bolcheviques e os sovietes.

O golpe em marcha
Em 21 de agosto, os alemães tomaram a cidade de Riga dos russos, capital da Letônia, que fica próxima a Petrogrado, capital da Rússia. Dias de tensão se abateram sobre a capital russa. O fronte da guerra estava às portas, e Petrogrado poderia ser invadida pelas tropas inimigas.

A derrota em Riga foi atribuída a agitadores bolcheviques, e Kornilov ordenou que alguns soldados fossem enforcados como forma de mostrar à nação que a rebeldia deles e a revolução eram as causas da derrota. No dia 27 de agosto, aquele que pretendia ser ditador declarou: “Eu, general Kornilov, declaro que o Governo Provisório, sob pressão da maioria bolchevique dos sovietes, está agindo em total acordo com o estado-maior alemão”.

A resposta de Kerensky foi a remoção do general de seu posto. Mas o governo já tinha deixado de existir. Parte dos ministros já havia renunciado a seus cargos, especialmente os cadetes, que aguardavam, então, o desenrolar dos acontecimentos e torciam para que o golpe se consumasse e varresse os sovietes e os bolcheviques da história.

É tempo de enforcar os agentes e espiões alemães, Lenin antes de todos, e dispersar os sovietes de deputados operários e camponeses. Dispersá-los de tal modo que nunca se reunirão novamente”, disse Kornilov. Kerensky mergulhou na indecisão. Tentou negociar com os golpistas, mas não conseguiu. A partir daí, o governo se paralisou por completo.

Bolcheviques com armas nas mãos

“Operário, saiba usar um fuzil!”
De hora em hora, chegavam mensagens ameaçadoras criando uma atmosfera de pânico. Em 27 de agosto, diante da notícia de que Petrogrado seria ocupada pelas tropas do general, o Soviete de Petrogrado reuniu-se com os sindicatos e os sovietes e decidiu formar um Comitê Militar Revolucionário para defender a capital. O Comitê Militar Revolucionário conduziria a resistência. Enquanto isso, o Comitê Executivo do Soviete, controlado pelos mencheviques e SRs, também se perdia na paralisia.

A vitalidade dos sovietes comprovou-se novamente. Apesar da paralisia de sua direção, as organizações de base dos bairros operários de Petrogrado puseram em marcha a resistência militar. Sob direção dos bolcheviques, os operários buscavam se armar para enfrentar o inimigo. Grupos de autodefesa de operários foram formados nos bairros e nas fábricas. No filme Outubro (1927), do cineasta Sergei Eisenstein, há uma cena muito fiel a esses acontecimentos. Tal como na História, grupos de operários atenderam aos chamados dos bolcheviques e faziam filas para pegar o seu fuzil. “Operário, saiba usar um fuzil!”, era o slogan de agitação do partido. Rapidamente, soldados vieram em socorro para fazer a instrução militar. Aqueles que não recebiam armas procuravam cavar trincheiras para a defesa. Finalmente, os bolcheviques que estavam presos, como Trotsky, foram libertados pelas massas para comandar a resistência.

A derrota de Kornilov
Ao mesmo tempo em que os operários se armavam, ferroviários, operários e agitadores bolcheviques se dirigiam para a linha de frente. Antes de lutar, tentavam convencer os soldados de Kornilov a não entrarem em Petrogrado. Enquanto isso, ações de sabotagem eram realizadas nos trilhos, o que contribuiu para a dispersão das tropas de Kornilov e sua total falta de comunicação com o comando geral.

Muitos soldados sequer imaginavam o que estavam realmente fazendo ao marchar para a capital. Kornilov era reconhecido apenas pelos altos oficiais. Não tinha qualquer apoio dos soldados e dos camponeses. Desse modo, tudo pareceu conspirar contra o general. Até as tropas com que ele mais contava fugiam da luta. Em 30 de agosto, o golpe foi derrotado sem que um tiro sequer fosse disparado.

Os comandantes militares de todas as frentes de batalha acabaram abandonando o general e declarando apoio ao Governo Provisório. Sob pressão dos sovietes, Kerensky foi obrigado a prender o general.

Kerensky estava no poder durante a tentativa de golpe de Kornilov

Frente ao golpe: a política dos bolcheviques
A derrota das Jornadas de Julho foi seguida por uma forte campanha de mentiras e calúnias contra os bolcheviques, o que jogou parte da população contra o partido. “Ninguém se atrevia a imprimir nossos jornais e panfletos. Fomos obrigados a instalar uma imprensa clandestina. O bairro Vyborg tornou-se um refúgio para todos”, escreveu Martin Latsis, um dos dirigentes do partido em Petrogrado. Em meio à repressão ao bolchevismo, nenhuma das organizações da esquerda reformista tomou a palavra para defendê-lo das calúnias. Os conciliadores foram cúmplices das mentiras lançadas sobre os bolcheviques.

Quando eclodiu a tentativa de golpe de Kornilov, no entanto, os SRs e os mencheviques não tiveram alternativa senão pedir ajuda aos bolcheviques. O partido de Lenin não estava em busca de vingança. Pelo contrário, colocou-se no campo militar do governo dos conciliadores contra Kornilov, pois a vitória militar desse significaria a liquidação da revolução. Entretanto, jamais concederam apoio político aos reformistas.

Lenin, de seu esconderijo na clandestinidade, redigiu uma carta ao Comitê Central bolchevique:

“Mesmo agora, não devemos sustentar o governo de Kerensky. Seria faltar aos princípios. Mas então alguém perguntaria: não tem de se combater Kornilov? Certamente sim. Mas entre combater Kornilov e sustentar Kerensky há uma diferença, um limite, que certos bolcheviques transpõem, caindo no ‘conciliacionismo’, deixando-se arrastar na torrente de acontecimentos.

Em que consiste a mudança de nossa tática depois da sublevação de Kornilov? Em que mudamos a forma de nossa luta contra Kerensky? Sem debilitar nossa hostilidade contra ele, sem retirar uma só palavra dita contra ele, sem renunciar ao objetivo de derrubar Kerensky, dizemos: temos de levar em consideração o momento; não vamos derrubar Kerensky nesse momento; agora, encaramos de outra maneira a tarefa de lutar contra ele ou, mais precisamente, fazendo com que o povo [que lutava contra Kornilov] veja as debilidades e as vacilações de Kerensky.

Lenin continua:

Assim, a mudança consiste em que coloquemos em primeiro plano a intensificação da agitação a favor do que poderíamos chamar de ‘exigências parciais’ a Kerensky: que prenda Miliukov [ex-ministro que esteve com Kornilov], que arme os operários de Petrogrado, que chame as tropas de Kronstadt, que dissolva a Duma do Estado, que legalize a entrega das terras dos latifundiários aos camponeses, que implante o controle operário sobre o trigo e as fábricas. E essas exigências não devemos apresentar somente a Kerensky, mas aos operários, soldados e camponeses ganhos na marcha da luta contra Kornilov”.

Essa fórmula permitiu que as massas operárias superassem suas ilusões no governo, que saiu profundamente desgastado ao não oferecer resistência efetiva ao golpe. Também pavimentou o caminho para que os bolcheviques ganhassem um imenso prestígio perante as massas. Um dos resultados é que o partido bolchevique, em pouco mais de 60 dias, tornou-se um partido de massas, com 340 mil membros. Um partido que conquistou a hegemonia do proletariado russo para que essa classe social dirigisse outras classes subalternas na tomada do poder.