Em 1936, um grande dirigente da Revolução Russa, Leon Trotsky, vendo a degeneração do Estado Soviético e prevendo a possível restauração do capitalismo – o que acabou acontecendo – fez um balanço da revolução que tem plena vigência na atualidade.
Para provar suas afirmações, Trotsky dava uma série de dados que provavam o crescimento econômico da URSS. Entre outras coisas, ele dizia que “nos últimos três anos, a produção de ferro dobrou. (…) Em 1925, a URSS ocupava o 11º lugar na produção de energia; em 1935, ela está atrás somente de Alemanha e dos EUA. (…) Na produção de tratores, ocupa o primeiro lugar no mundo. O mesmo acontece com a produção de açúcar”.

A expropriação da burguesia, a nacionalização da economia e a planificação econômica centralizada conseguiram o que nenhum país capitalista atrasado pode obter em toda sua história. A URSS teve um desenvolvimento espetacular em todos os terrenos. O desenvolvimento sem precedentes de sua economia possibilitou eliminar a fome, o desemprego, o analfabetismo, a falta de moradia e deu à população o acesso massivo à ciência e à cultura a tal ponto que a URSS se colocou na vanguarda da corrida espacial. A URSS foi o primeiro país do mundo a lançar uma nave no espaço.
Em outros países atrasados, como na China e em Cuba, a expropriação da burguesia também levou a resultados espetaculares no terreno econômico que acabaram se expressando em outras áreas. A pequena e atrasada Cuba foi a vanguarda da América Latina no que se refere à Medicina, aos esportes e à luta contra o analfabetismo.
A Revolução Russa, assim como as revoluções que a sucederam, mostrou que, quando a burguesia foi expropriada pela classe operária e pelo povo, isso fez a economia se desenvolver, fato que demonstra que a burguesia não cumpre nenhuma função social, é uma parasita que vive da sociedade e que, justamente por isso, ameaça a existência humana.

Trotsky, analisando a revolução, disse que “com os senhores da economia burguesa não há mais o que discutir: o socialismo demonstrou seu direito à vitória não nas páginas de O capital, mas na arena econômica que corresponde a um sexto da superfície terrestre; não na linguagem da dialética, mas na linguagem do ferro, do cimento e da eletricidade”.

Este balanço, feito em 1936, é o balanço que devemos fazer ao comemorarmos 90 anos da Revolução Russa. O socialismo mostrou seu direito à vitória.

A restauração não muda nosso balanço
Este balanço de Trotsky é muito questionado. São muitos os que dizem que “é necessário ser realista”: a restauração do capitalismo teria demonstrado a superioridade deste sobre o socialismo. Este tipo de raciocínio é equivocado e não serve sequer para analisar uma partida de futebol – nem sempre ganha o melhor – e muito menos para a História e a Sociologia.

Nos anos 1930, o fascismo se espalhou como um rastro de pólvora pela Alemanha, Itália, Espanha e muitos outros países. Este fato não expressava a superioridade destes regimes, mas a decadência do capitalismo. Da mesma forma, a restauração do capitalismo nos ex-estados operários não mostra a superioridade do capitalismo, senão sua profunda crise, o que fica evidente nos países em que foi restaurado.
A restauração do capitalismo, tal como previu Trotsky, está provocando uma “baixa catastrófica na economia e na cultura” de tal magnitude que já começa a preocupar a própria burguesia. Uma comissão de cientistas da Unesco já estuda as conseqüências sobre o planeta da provável desaparição da Rússia nos próximos 150 anos, pois, desde que foi restaurado o capitalismo, os índices de natalidade nesse país são negativos devido aos altos índices de mortalidade provocados por todo tipo de enfermidades, de fácil controle em outros países.

É verdade que é necessário sermos realistas, mas isso não pode nos levar a identificar os campos de extermínio nazistas com o progresso, da mesma forma que não podemos falar de superioridade do capitalismo quando ele mostra, nos ex-estados operários, sua face mais destrutiva.

A contra-revolução stalinista
Se é verdade, porém, que na Rússia a expropriação da burguesia trouxe um desenvolvimento espetacular da economia e da cultura, é necessário que perguntemos: por que, então, voltou o capitalismo?

Na década de 1930, a velha direção bolchevique – que conduziu a revolução de 1917, expropriou o capitalismo e derrotou a contra-revolução na Guerra Civil – foi arrancada do poder de forma brutal, mediante calúnias, prisões, deportações e assassinatos. A nova direção do partido e da URSS, com Stálin à frente, representava um novo setor social: os milhares de funcionários do partido e do estado que, tendo assumido seus cargos para servir ao proletariado revolucionário, num processo semelhante ao que acontece nos sindicatos, se separaram de suas bases para passar a defender seus próprios interesses, ou seja, os antigos dirigentes se transformaram em funcionários, e esses funcionários, em burocratas.
Há vários fatores que explicam por que eles se distanciaram das bases operárias e populares e por que esses novos burocratas acabaram derrubando os verdadeiros revolucionários do poder.

A ação das massas revolucionárias sofreu um profundo refluxo. A I Guerra Mundial e a Guerra Civil que a burguesia organizou para tentar recuperar o poder, com seqüelas de destruição, fome e mortes, causaram um profundo desgaste e cansaço nas massas. A classe operária, que foi a vanguarda da tomada do poder, também foi a vanguarda da Guerra Civil e a maioria pereceu nos campos de batalha. A derrota da revolução européia, em especial da alemã, aprofundou o estado de ânimo negativo da população russa. Esta situação fez com que fosse se abrindo um fosso entre funcionários do Estado e as massas.

O mundo se surpreendia com os avanços da URSS dirigida por Stálin nos anos 1930. No livro A Revolução Traída, Trotsky destaca esses avanços e diz que foram produto da Revolução de Outubro, mas, junto com isso, diz que, se a classe operária não expulsasse a burocracia dirigida por Stálin e recuperasse o poder, a restauração do capitalismo seria inevitável. Desta forma, em meio ao crescimento da economia, Trotsky foi capaz de antecipar o que aconteceria 50 anos depois.

A teoria da restauração
Trotsky, igual a toda a direção bolchevique, considerava que a Revolução de Outubro, com toda sua importância, não era mais que uma alavanca para a revolução mundial, sem a qual não se poderia chegar ao socialismo em nenhuma parte do planeta. Stálin, ao contrário, depois da morte de Lênin, inventou a teoria do “socialismo num só país” pela qual o socialismo poderia existir na Rússia sem a revolução mundial. Essa teoria, tempos depois, o levou a construir uma outra: a coexistência pacífica da URSS com o imperialismo.

Os marxistas consideravam que o socialismo só triunfaria quando o capitalismo, por suas contradições, não pudesse mais se desenvolver. Nesse sentido, a vitória da revolução socialista significaria, desde seu primeiro dia, um avanço em relação ao capitalismo no terreno da economia e da cultura. Coerente com esse raciocínio, Marx esperava que a revolução socialista triunfasse primeiro na França, depois na Alemanha e, só após, na Inglaterra.

No entanto, a revolução triunfou na Rússia, um país extremamente atrasado. Como dizíamos, a expropriação da burguesia na Rússia possibilitou o crescimento da economia e da cultura, mas esse crescimento partiu de níveis muito baixos.
Depois de quase vinte anos da revolução, em 1936, a URSS dispunha de 5km de ferrovias para cada 10 mil habitantes, enquanto, na França, havia 15,2 e nos Estados Unidos, 33,1. No mesmo ano, a URSS produziu 0,6 automóveis para cada mil habitantes, enquanto os EUA produziram 23.

Trotsky destaca, especialmente, o consumo de papel por ser um dos índices culturais mais importantes. Na URSS, em 1935, foram fabricados menos de 4kg por habitante, enquanto nos EUA foram fabricados 34kg por habitante e na Alemanha, 47kg.
A partir destes dados, Trotsky caracteriza que o regime soviético atravessava “uma fase preparatória na qual importava, assimilava e se servia das conquistas técnicas e culturais do Ocidente (…) esta fase deverá durar todo um período histórico”. Desta forma, a URSS, como parte contraditória da economia mundial, estava dependendo da economia controlada pelo capital imperialista.

A URSS só tinha um caminho para superar a contradição provocada pelo seu atraso: expandir a revolução em nível internacional, especialmente, aos países mais avançados. Entretanto, a política de Stálin de “socialismo num só país” e de “coexistência pacífica” tornou esta tarefa impossível.

A teoria do “socialismo num só país”, que nasceu como uma utopia reacionária, acabou se transformando na estratégia contra-revolucionária que levou Stálin a trair todas as revoluções que ameaçassem seus sócios imperialistas. Isso ficou muito evidente ao fim da II Guerra Mundial quando, a pedido de Winston Churchill, primeiro ministro inglês, Stálin dissolveu a III Internacional, ou seja, destruiu o instrumento da revolução mundial. Por outro lado, impediu que os operários da Europa Central, sobretudo da desenvolvida França, tomassem o poder.
Assim, o cerco restauracionista ia se fechando sobre a Rússia e sobre os outros estados operários. O imperialismo seguia pressionando de todos os modos para a restauração do capitalismo. A burocracia governante mantinha estes estados cada vez mais isolados do proletariado mundial. Esta mesma burocracia, com enormes privilégios materiais e com um nível de vida parecido com o da burguesia, precisava da restauração para perpetuar seus privilégios.

A restauração
No fim da década de 1950, estava explícito que a idéia de “socialismo num só país” não passava de uma utopia reacionária. O conjunto das economias do Leste europeu, sem condições de competir com as grandes potências imperialistas, estava perdendo seu dinamismo. Elas ainda cresciam, mas num ritmo cada vez menor. No início dos anos 1960, a situação se agravou, já que no conjunto dos países as economias começaram a declinar.

Frente a esta nova realidade, a burocracia se viu diante de dois caminhos: abandonar a política de coexistência com o capitalismo, retomando o caminho da revolução mundial, ou apelar ao imperialismo em busca de ajuda.

Como se sabe, a burocracia optou pelo segundo caminho. Intensificou as relações com o Ocidente em busca de tecnologias mais avançadas. Entre os anos de 1963 e 68, essa relação ficou tão próxima que esse período ficou conhecido como a “era de ouro do comércio Leste-Oeste”. Entretanto, o comércio desigual controlado pelo imperialismo trouxe um resultado desastroso para as economias do Leste e, novamente, a burocracia apelou ao capitalismo, agora em busca de empréstimo, conseguidos facilmente, deixando estes estados presos a uma enorme dívida externa. A URSS, entre 1970 e 87, multiplicou por 42 sua dívida.

A burocracia russa, assim como o restante das burocracias, descarregava o peso da crise sobre a população com resultados trágicos. Na Rússia, a expectativa de vida, que era de 70 anos em 1972, caiu para 60 no início da década de 1980.
O fim desta história é conhecido. Frente à agudização da crise econômica e ao temor de uma convulsão social, a burocracia russa, encabeçada por Gorvachov, em 1986, começou o desmonte do que havia restado do Estado operário e lançou-se, definitivamente, nos braços do imperialismo. O capitalismo foi restaurado e, com ele, uma destruição de tal proporção que, hoje em dia, a existência da Rússia como país está questionada.

Voltando ao balanço inicial
A restauração do capitalismo é a prova do fracasso do socialismo? É impossível fazer essa afirmação. A Revolução Russa só conseguiu tomar as primeiras medidas para marchar rumo ao socialismo, mas elas foram tão profundas que o capitalismo em nível mundial demorou quase 70 anos para destruí-las, sendo que todos estes anos contou com os mais poderosos exércitos do mundo, que invadiram a URSS com esse propósito em duas oportunidades, e contou com a burocracia colaboracionista destes estados, assassina de revolucionários, que encabeçou a restauração do capitalismo.

Não. Não há fracasso do socialismo. O que há é o fracasso da burocracia e de sua teoria de “socialismo num só país”. O que também há é uma evidência: se o capitalismo continuar governando o mundo, o caminho para a barbárie será inevitável. Basta ver o que ocorre nos ex-estados operários, onde venceu a restauração.
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