Redação

“Fica à Cabanagem a glória de ter sido a primeira insurreição popular que passou de simples agitação a uma tomada efetiva de poder´” (Caio Prado Júnior, Evolução Política do Brasil)

Anos antes das clássicas revoluções do século XIX e XX, como a Comuna de Paris e a Revolução Russa, ocorreu no Pará, entre os anos de 1834 e 1840, uma das maiores revoluções sociais da história do Brasil: A Cabanagem.

Este feito marca um processo de séculos de luta contra a dominação colonial no Brasil, causa da miséria e humilhação vividas pelos nativos da Amazônia, da opressão às comunidades pobres e negras, combinadas com a repressão sem igual do império luso brasileiro.

Vista pela historiografia oficial como uma revolta a mais, a Revolução Cabana representa, sem sombra de dúvidas, um dos episódios mais extraordinários da luta de um povo contra a sua exploração e opressão.

No período da abdicação de D. Pedro I e da maioridade de D. Pedro II, esta “onda revolucionária das massas” que se estendeu do nordeste paraense até a cabeceira do Rio Solimões no Amazonas desmente o senso comum de que o povo brasileiro é um povo conformado e pacífico.

Ângelo Madson em “A Revolução Cabana: a saga de um povo”, afirma que o processo de luta contra o domínio português é antigo e duradouro. “A Amazônia possui longo passado de agitações políticas e sedições populares e uma boa maneira de entendermos as causas remotas da Cabanagem é o acompanhamento das lutas populares contra o projeto colonialista e absolutista: Três anos após a fundação de Belém, os Tupinambás atacaram o Forte do Castelo no afã de arrasar o foco da ação colonizadora. No ano de 1723, o lendário Cacique Ajuricaba convenceu comunidades indígenas no Rio Negro a se unirem numa confederação sob o lema Essa terra tem dono´. Em decorrência da Revolução Constitucionalista do Porto (Portugal, 1820) alastrou-se pelo Brasil grande movimentação política, Belém tornou-se a primeira capital a aderir ao movimento. Em 22 de maio de 1822, circulou a primeira edição do jornal O Paraense´. Durante todo o processo de formação do Brasil como Estado Nação, esteve a região, à mercê de juntas governativas lusófilas, isolando a província do restante do país e ligada, como nem uma outra, à Metrópole portuguesa.”

A insatisfação popular se dava em função da truculenta dominação portuguesa na região. Na adesão do Pará em 1823 ao governo imperial, a resistência aumenta. No dia 15 de outubro do mesmo ano, um levante militar ganha a adesão do povo pobre, casas de portugueses foram invadidas e estabelecimentos comerciais saqueados. O governo reprimiu os revoltosos mandando prender 256 paraenses que foram jogados como lixo no porão do navio Brique Diligente (Brigue Palhaço), onde sofreram de sede, calor e falta de ar. O grito desesperado de ajuda que ecoava pelas ruas da cidade nas proximidades da embarcação levou o governo a ordenar o despejo de cal virgem nos prisioneiros, bastando três horas para que todos morressem. Este episódio ficou conhecido como massacre do Brigue Palhaço.

A partir de 1824, a insatisfação passa a se tornar organização, surgindo assim lideranças como Batista Campos, os irmãos Antônio e Francisco Vinagre, Eduardo Angelim (presidente da província com 21 anos de idade em 1835). Os cabanos tomaram o Palácio do Governo em janeiro de 1835, conseguiram o controle completo de Belém em apenas seis horas, prenderam e mataram parte dos representantes da coroa portuguesa e governaram a cidade de Belém por mais de um an. A partir de junho de 1836 os cabanos são derrotados na capital pelas tropas do governo e se retiram em armas para o interior. Em maio de 1936, a Revolução Cabana se tornou uma luta de resistência até 1840.

Os cabanos (ribeirinhos, tapuios e índios destribalizados) possuíam uma eficiência organizativa impressionante, resistiram bravamente até o final. Ainda no governo, ganharam apoio dos nativos da região, setores da classe média e do baixo clero.

Para retomar o controle, o extermínio imperial ultrapassou o limite dos insurgentes e alcançou a população camponesa da região em conflito, causando a extinção de lugares, povoações e vilas habitadas por tapuios e mestiços. O processo revolucionário finda-se em março de 1840 com um saldo 30.000 mortos, cerca de um quinto da população da paraense, que era de 150.000 habitantes na época.

Utilizada como slogan de prefeituras como a do PT, a cabanagem representa muito mais que marketing ou símbolo político, mítico e ufanista do antigo governo do “povo”. Significa uma memória de bravura que neste seu aniversário de 184 anos, nos deixa o legado da luta dos explorados e oprimidos, do sonho de uma sociedade sem dominação do homem sobre o homem.

A derrota dos cabanos e de inúmeros processos revolucionários nos séculos XIX e XX deixa-nos como lição um problema crucial para toda revolução: a sua direção. A fragilidade dos dirigentes cabanos situava-se justamente na idéia de constituição de um governo de unidade e conciliação com representantes do poder do Império, uma armadilha permanente dos grandes acontecimentos revolucionários da história.

O tempo, porém, não apagou a chama da luta de classes em nível nacional e internacional. A necessidade de uma direção preparada e testada politicamente, a independência de classe, a centralização das ações, a disciplina férrea e a abnegação militante são fundamentais para o triunfo de uma revolução social e, sobretudo política.

Os limites históricos e políticos dos cabanos serão superados pelas lições deixadas nos anais da história: os trabalhadores organizados com um programa e uma política são capazes de governar e de derrotar a classe dominante. Viva a Cabanagem! Viva a luta dos trabalhadores!