Primeira sessão do julgamento de Saddam Hussein: questionamentos sobre a legalidade do processo

Da rede Al-Jazeera, publicado em www.rebelion.org. Com tradução ao castelhano de Ciro Gonasti.

Dois anos depois de sua detenção, começou finalmente o julgamento contra o deposto presidente Saddam Hussein diante do Tribunal Especial iraquiano estabelecido pelo ex-governador norte-americano Paul Bremen, em meio a expectativas sem precedentes.

Como era de se esperar, o primeiro dia do processo e do tribunal esteve dominado pelas dúvidas tanto a respeito de sua legalidade como inclusive de seus aspectos mais técnicos: som, imagem, o número de testemunhas, o equilíbrio entre a acusação e a defesa e outros detalhes que os juristas internacionais examinam com interesse.

Especialistas em Direito opinaram que há um problema relacionado com a ocasião do processo e a formalidade sobre a qual se funda. Dr. Abdallah Al-Ashal, expert em Direito Internacional, disse que existe uma irregularidade no fato de ter sido convocado em seguida ao referendo sobre a Constituição e na atmosfera de divisão étnico-religiosa que este provocou na sociedade iraquiana. Em declarações à Al-Jazeera, acrescentou que o que iniciou hoje [20 de outubro de 2005] é o processo de um regime a outro, e que são os inimigos de Saddam Hussein que o estão julgando, estando impossibilitados – por isso – de realizar um julgamento justo.

Al-Ashal fixou as três condições para um julgamento justo. A primeira é que os juízes sejam “naturais“, ou seja, que sejam estrangeiros e não-iraquianos; para que fossem iraquianos, o julgamento só poderia ser levado a cabo após o fim da ocupação do Iraque e deveria estar isento de toda tendenciosidade étnica. A segunda condição, segundo o jurista, é que o acusado seja julgado em virtude de uma lei ordinária e não por uma especialmente desenhada para Saddam Hussein.

O jurista internacional indicou também a necessidade de que existam garantias de defesa, materializadas na capacidade de Sadam para ser representado por advogados de sua escolha no marco de um tribunal regulado por procedimentos ordinários. Insistiu em que o acusado é a parte vulnerável de acordo com o critério do direito internacional, o qual deve intervir sempre a favor da parte vulnerável até que se confirme a condenação segundo critérios jurídicos e não-políticos.

Comentando o comportamento da acusação pública no tribunal especial, a qual passou do caso de Dujail a outros casos não incluídos no processo, como o de Inqal ou Halabja, o advogado da Jordânia, Osam Ghazaui, considera isto como uma deliberada confusão ilógica e ilegal. O advogado declarou à al-Jazeera que os casos examinados ultrapassam o campo de trabalho da promotoria, que não tem direito de tratá-los enquanto não se satisfaçam os correspondentes procedimentos de investigação e se submetam formal e oficialmente à competência do tribunal.

Na seqüência, o advogado referiu-se ao anonimato dos juízes, à exceção do presidente, o que o levou a descrever o tribunal como “um tribunal de fantasmas“. Considera ainda que a interrupção do som e a seleção de alguns fragmentos do áudio deixa bem claro que o processo é uma montagem, e não uma emissão ao vivo.

Em relação aos motivos da escolha do caso Dujail para iniciar o processo, Ghazaui disse que Dujail é um caso de caráter local que não envolve elementos exteriores e que evita causar moléstia ou conflitos desnecessários ao ocupante, assim como agrava a premeditada divisão étnico-religiosa à qual se quer levar o Iraque.

Ainda assim opinou que, por trás da escolha de um curdo como presidente do tribunal, existem circunstâncias estranhas, particularmente pelo fato de que vários parentes de Razkari Amín, curdo de Suleimaniya, foram assassinados durante a etapa anterior, o que – na opinião de Ghazaui – converte-o num inimigo pessoal de Sasdam Hussein e o incapacita para julgá-lo.

O assessor da família de Sadam, o jurista Abd-al-Haq Al-‘Ani mencionou a não-existência de advogados para a defesa de Sadam e os outros acusados e disse que causa particular estranheza a não habilitação do advogado Khalil Al-Dulaimi, letrado do acusado, para oferecer suas alegações diante do tribunal, o que considera um atropelo à Justiça.

Em sua opinião, o julgamento não se fundamenta nem na lei iraquiana nem no direito internacional.

O assessor da família referiu-se de uma maneira particular à proibição a Al-Dulaimi por parte do tribunal para apresentar a solicitação de um adiamento do julgamento. Esclareceu que os juízes do tribunal foram “treinados“ durante um ano inteiro na Inglaterra e se pergunta como Al-Dulaimi podia preparar a defesa em somente seis semanas. E citou o exemplo do cheique Omar Abd-al-Rahman, preso nos Estados Unidos, a cuja equipe de defesa se concederam dois anos e medio para preparar a defesa de seu cliente.

Al-‘Ani assegurou que este prazo de seis semanas não é em absoluto suficiente para preparar a defesa de Sadsam Hussein e descreveu a decisão do juiz como uma medida puramente “formal“, de acordo com a decisão norte-americana e britânica de condenar Saddam o quanto antes.