Renúncia: mudar algo para tudo permaneça como está?

Na última segunda-feira, 11, o papa Bento XVI anunciou que vai renunciar ao pontificado no próximo dia 28 de fevereiro. Seria muito simplista acreditar nas suas justificativas: Joseph Ratzinger, ou Bento XVI, alega estar velho e cansado para continuar à frente da Igreja. Parece mais, na verdade, uma retirada tática, ou melhor, uma forma de lidar com a crise pela qual o catolicismo está passando e de tentar evitar um possível aprofundamento causado pela abertura de uma disputa de poder descontrolada após a morte do papa.

Joseph Ratzinger foi escolhido para sucessor de Karol Wojtyla, o João Paulo II. Ele já trabalhava há 24 anos ao lado de João Paulo II, como responsável pela Congregação Doutrina da Fé, o novo nome da Santa Inquisição. Bento XVI, em sua juventude, foi membro da juventude hitlerista. Ele ficou conhecido por seu ultraconservadorismo. Ratzinger, entre outras barbaridades, combateu os homossexuais, o sexo sem fins reprodutivos, os movimentos feministas, os métodos contraceptivos, o divórcio.

Igreja em crise
Pode parecer forçado fazer algumas analogias históricas, mas não se pode desconsiderar que a última renúncia, de Gregório XII, aconteceu em 1415 em meio a uma das maiores crises da Igreja, durante a chamada Grande Cisma, quando existiam, na prática, três papas. Por trás de tudo isto, estava o colapso final do feudalismo e, principalmente, do teocentrismo com todos os seus significados. Ser obrigado a renunciar agora parece uma tentativa de se localizar diante de uma crise de proporções distintas, mas profundas. Em suma, talvez o papa não tivesse mais condições físicas de se colocar à frente do Vaticano para lidar com coisas bem concretas: os escândalos de pedofilia, as denúncias de corrupção etc.

Contudo, independentemente da linha dura de Bento XVI, a Igreja tem perdido espaço não só institucional, com o crescimento dos evangélicos e pentecostais, mas também em termos ideológicos. Por mais contraditório que seja com o aumento da opressão no mundo, os movimentos têm arrancado algumas conquistas que acabam resgatando o caráter secular e laico na legislação sobre o aborto, a união civil LGBT etc. Neste sentido, a figura de Bento XVI está grudada demais às suas declarações ultraconservadoras sobre o assunto. Seu afastamento não significa uma mudança de postura, mas pode ser uma maneira de envernizar a cara retrógrada da Igreja e diminuir a podridão que vem cada vez mais à tona.

De qualquer forma, mais do que tirar o time de campo, Bento XVI conseguiu garantir que continuará comandando a transição nos bastidores. Independentemente de qualquer possível adaptação às novas necessidades ou de qualquer que seja a nacionalidade do novo pontífice, as linhas gerais do Vaticano continuarão as mesmas.

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