Renan Calheiros virou sinônimo de político safado e ladrão. Mesmo assim, com acordos às escondidas, chantagens e muita picaretagem, os senadores, reunidos numa escandalosa sessão realizada no último dia 12, decidiram por 40 votos contra 35 livrar a cara do corrupto Renan Calheiros (PMDB-AL). Por todo o país, milhares de trabalhadores reagiram com profunda indignação. Afinal, os pobres são presos, espancados pela polícia e passam anos na cadeia. Os ladrões ricos seguem sendo senadores, deputados e juízes. Continuam sua vida, recebem seus altos salários, sem nenhum problema.

Durante quatro meses, Renan resistia a denúncias de receber dinheiro de empreiteiras, favorecer empresas, enriquecer ilicitamente, falsificação de documentos entre outras sujeiras. Após uma fajuta investigação, o relatório do Conselho de Ética, que propunha sua cassação por quebra de decoro parlamentar, acusava o senador de ter contas pessoais pagas pelo lobista Cláudio Gontijo, da empreiteira Mendes Júnior, que repassava à jornalista Mônica Veloso, com quem o senador tem uma filha, cerca de R$ 12 mil.

À frente de toda operação para salvar o presidente do Senado, estava o PT, encabeçando a base do governo. Também os setores da oposição de direita, próximos a Renan, se movimentaram para garantir a impunidade ao senador.

Às vésperas da sessão, os aliados realizaram um intenso corpo a corpo e lançaram mão dos velhos mecanismos para angariar apoio para Renan: troca de favores políticos e cargos, liberação de verbas do Estado, etc. Corrupção descarada, praticada à luz do dia. Tudo com o apoio do Planalto. Desde o início da crise, o governo se mobilizou para livrar Renan. Lula mal conseguiu disfarçar seu apoio ao corrupto senador. Questionado por repórteres, o presidente disse que “todo ser humano, todo brasileiro, 190 milhões de brasileiros, inclusive você, terá o meu apoio porque todos são inocentes até prova em contrário”.

Renan e sua tropa de choque diziam ao governo que, caso o senador fosse cassado, a coligação de partidos que compõe a base aliada de Lula no Senado (da qual o PMDB tem importância central) estaria ameaçada. Isso explica porque a líder do governo, senadora Ideli Salvati (PT-SC), e o senador Aloizio Mercadante trabalharam intensamente pra livrar a cara de Renan. Ao final, Mercadante procurou diminuir seu desgaste dizendo que se absteve. O voto, na prática, ajudou Renan.

Também foi escandalosa a posição adotada pelo PCdoB e seu senador, Inácio Arruda (CE). Apesar de fazer mistérios sobre como votaria, Arruda nem precisou revelar seu voto, pois o próprio site do seu partido não cansou de fazer uma intensa campanha pró-Renan. “Depois de três meses de investigações nas quais a vida pública e privada do senador foi revirada e vasculhada não se encontrou uma única prova que confirmasse tal acusação”, afirma na maior cara-de-pau o artigo do PCdoB, publicado no último dia 12.

Como bons mafiosos
A sessão do Senado que votou o relatório do Conselho de Ética foi um show de escândalos. Sacando uma medida prevista pelo regimento interno da Casa, a mesa do Senado impôs uma sessão secreta. Afinal, coisa feia se faz escondido…

O som do microfone chegou a ser desligado para que ninguém ouvisse os discursos e as ameaças trocadas entre os parlamentares. A cena lembrou velhos filmes sobre máfias. Sem que ninguém pudesse ouvi-los, os senadores negociaram livremente cada voto, como um verdadeiro antro de gângsteres. Para coroar o ridículo espetáculo, o vice-presidente do Senado, o petista Tião Viana, chegou a proibir o uso de celulares e computadores portáteis no plenário, ameaçando de cassação os senadores que revelassem informações sobre a sessão (!). Foi a desmoralização do próprio absurdo.

Mesmo assim, várias informações vazaram e logo se descobriu o motivo que salvou Renan. Cassando Renan, os senadores poderiam abrir um precedente que levaria à degola de inúmeros outros parlamentares. Afinal, todos estão com o rabo preso em vários trambiques, como sonegação de impostos, caixa dois e, principalmente, com o financiamento de empreiteiras e de bancos. Mesmo a campanha presidencial de Lula foi financiada por grandes empreiteiras.

Entre as maiores doadoras estão as construtoras Camargo Corrêa, OAS e Andrade Gutierrez. A campanha para a reeleição de Lula levou R$ 6,7 milhões dessas três. Metade das empreiteiras que aparecem na lista das vinte entidades melhor contempladas com recursos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) está entre as maiores doadoras das eleições gerais do ano passado. Sabendo disso, o presidente do Senado e sua tropa de choque ameaçavam abrir os “portões do inferno”, revelando os crimes e a corrupção escondida debaixo do colarinho de cada parlamentar para disseminar o medo.

Em certo momento, Renan se dirigiu a alguns senadores (alguns considerados modelos de ética do Senado) e disse: “Veja bem, senador Jefferson Perez. Eu poderia ter contratado a Mônica [Veloso] como funcionária do meu gabinete. Mas não o fiz”. Perez nada disse. Renan continuou: “A Mônica Veloso tem uma produtora. Eu poderia ter contratado a produtora dela para fazer um filmete e pendurar a conta na Secretaria de Comunicação do Senado. Eu não fiz isso”, silêncio total.

O senador Francisco Dornelles (PP-RJ) foi ainda mais explícito na ameaça. “Crime tributário não é causa para quebra de decoro. Amanhã, isso pode ser usado contra os senhores, porque muitos aqui têm muitos problemas fiscais”, discursou na tribuna do Senado. Todos entenderam o recado.
Post author Jeferson Choma e Diego Cruz, da redação
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