O Brasil registrou, nesse primeiro semestre, o pior déficit em conta corrente da história. A medição das transações em conta corrente, ou seja, de todas as transações envolvendo bens e serviços com o exterior, é medida pelo Banco Central desde 1947. Nos primeiro seis meses de 2008, mais de US$ 17,4 bilhões saíram do país a mais do que entrou.

Só em junho, o déficit chegou a quase US$ 2,6 bilhões. O acumulado dos últimos doze meses chega a US$ 18 bilhões. O déficit foi impulsionado principalmente pelo aumento da remessa de lucros ao exterior, que cresce cada vez mais. Se o resultado ruim já era esperado, no entanto, causou espanto a velocidade do aumento do rombo. As remessas chegaram a quase US$ 19 bilhões no semestre. Crescimento de 94% em relação ao mesmo período do ano passado.

Um bom prejuízo?
Representantes do governo afirmaram que, desta vez, o déficit nas contas correntes expressariam o bom momento da economia, ao contrário das crises anteriores provocadas pela dívida externa. “Desta vez o déficit não vem de juros, vem de lucros”, justificou o chefe do Departamento Econômico do Banco Central, Altamir Lopes. Em discurso durante a inauguração de uma usina de biodiesel na Bahia, Lula afirmou que o país não sentiu a crise nos EUA.

As remessas de lucros, no entanto, representam uma verdadeira transferência de recursos para o exterior. Num momento em que a crise econômica e financeira faz os EUA mergulharem numa recessão, os países periféricos se transformam numa bóia salva-vida para os lucros dos grandes bancos e multinacionais.

Segundo reconhece o diretor do Banco Central, os setores automobilístico, financeiro e metalúrgico são os que mais remetem lucros ao exterior. Sozinhos, representam quase 50% das remessas. O lucro que têm no Brasil cobre parte dos prejuízos provocados pela crise. A General Motors, por exemplo, enquanto aumentou suas vendas no país em 32% no primeiro semestre, amargou uma queda de 16,5% nos EUA.

Isso explica a pressão cada vez maior pela retirada e flexibilização dos direitos trabalhistas, mesmo em uma conjuntura de relativa estabilidade e crescimento econômico. A GM, mesmo tendo lucros recordes no país, travou este ano uma dura batalha na planta de São José dos Campos (SP) para impor o banco de horas na cidade. Depois de meses de mobilização, os operários conseguiram derrotar a empresa.

A necessidade de incrementar seu faturamento, no entanto, não cessou. A montadora, como todas as outras, buscará no aumento da exploração aos trabalhadores esses lucros.

Economia recorde
Quase ao mesmo tempo em que o Banco Central divulgava o déficit recorde no semestre, o governo anunciava também o superávit primário recorde. Nunca o governo economizou tanto para pagar os juros da dívida pública. O superávit chegou incríveis R$ 86 bilhões, o equivalente a 6,19% do PIB, ou seja, o valor de tudo o que o país produz em um ano. A meta era de 3,8% do PIB.

Mesmo assim, o valor ficou abaixo dos juros, que custaram, só no semestre, R$ 88 bilhões. Quase R$ 2 bilhões a mais do total do valor economizado pelo governo. Isso mostra que, mesmo impondo duros cortes no orçamento, os juros da dívida superam o arrocho. Em abril, mostrando que este ano deve ser mesmo o ano dos recordes para Lula, o governo anunciou um corte que chega, no total, a R$ 30 bi do Orçamento. Só a Saúde perderia R$ 2 bi.

A crise econômica internacional, assim como impulsiona as remessas de lucros, pressiona o governo a arrochar ainda mais o orçamento e sua política econômica. Junto com a inflação dos alimentos, esses fatos mostram que a crise deixou de ser uma temerosa ameaça e já é realidade no Brasil.