A Organização Internacional do Trabalho (OIT), órgão da ONU, divulgou seu Relatório Mundial sobre Salários 2008/20009 em 26 de novembro. No texto, as perspectivas são sombrias para a evolução do salário real no ano que vem, em função da crise econômica que se espalha por todos os continentes. O relatório alerta que as tensões sobre os salários provavelmente levarão a uma intensificação dos conflitos nos locais de trabalho.

Juan Somavia, diretor geral da OIT, afirmou que “para os 1,5 bilhão de assalariados em todo o mundo, as dificuldades encontram-se à frente. O crescimento econômico baixo ou negativo, combinado com uma alta volatilidade dos preços dos alimentos e da energia, corroerá os salários reais de muitos trabalhadores, particularmente das famílias mais pobres e de baixo salário. A classe média também será seriamente afetada”.

Em sua principal previsão, baseada em estimativas do FMI sobre a economia mundial, a OIT afirma que o salário real terá, no melhor dos casos, um crescimento de 1,1% em 2009, comparado a 1,7% em 2008, mas os salários devem sofrer uma queda real do poder aquisitivo nos países industrializados de 0,5% nesse período, comparado com um crescimento de 0,8% em 2008. Isso acontece porque a crise econômica atingiu tais países mais fortemente. Estes países já se declararam em recessão, como os Estados Unidos, a Alemanha, França, Itália e Japão.

Aumenta a desigualdade social
O relatório da OIT comprova o que Marx afirmava quando escreveu O Capital, em 1867: a miséria relativa dos trabalhadores aumenta sem cessar, isto é, a diferença entre a riqueza da burguesia e a riqueza dos trabalhadores, representada pela soma de seus salários, é cada vez maior, mesmo que os salários aumentem.

Segundo a OIT, durante toda a década passada, de forte crescimento econômico, os salários não conseguiram manter o mesmo ritmo. Entre 1995 e 2007, cada ponto porcentual de crescimento econômico anual do PIB per capita (isto é, o crescimento anual da riqueza de um país dividido pelo número de habitantes) levou a um crescimento médio de apenas 0,75% nos salários. Conforme diz o relatório, isto parece ser uma prova cabal de que o crescimento dos salários reais se atrasou em relação ao crescimento da produtividade. Mais uma vez, a burguesia se curva a Marx.

Este atraso aumentou no período de maior crescimento econômico, após a crise de 2001, pois passou de 0,8%, entre 1995 e 2000, para 0,72% desde 2001. Conseqüentemente, em cerca de 70% dos países observou-se sistematicamente uma tendência decrescente na proporção do PIB distribuído aos salários em comparação com os lucros das empresas e outras formas de receita.

Porém parece que outra lei, deduzida dos escritos de Marx, está sendo confirmada: a da miséria absoluta, isto é, a riqueza dos trabalhadores diminui de forma absoluta, enquanto a dos burgueses aumenta sem cessar. O relatório da OIT afirma que, nas fases de recessão econômica do capitalismo, os salários caem mais rapidamente que o PIB per capita. Normalmente, cada 1% de decréscimo do PIB per capita deu lugar a uma queda de 1,55% dos salários. Isto é, a recuperação das crises se dá à custa do aumento da miséria absoluta dos trabalhadores de todo o mundo.

Os países onde o capitalismo foi restaurado são exceção?
De 2001 a 2007, enquanto a economia mundial cresceu numa taxa anual média de 4%, o crescimento salarial foi bem menor, aumentando menos de 1,9% por ano em metade dos países. Mas estes valores médios escondem diferenças regionais importantes. O crescimento do salário real foi cerca de 0,9% anual nos países desenvolvidos, 0,3% nos países da América Latina e do Caribe e 1,7% na Ásia. Mas no Japão, Estados Unidos e Espanha o salário real praticamente não aumentou. Tanto sob o governo do neoliberal Bush quanto do social-democrata Zapatero, da Espanha, o salário real não aumentou, o que mostra que as diferenças ideológicas não significam nada entre os dirigentes imperialistas.

Estes números mostram, em primeiro lugar, que o grande acréscimo de riqueza proporcionado pelo crescimento dos principais países imperialistas entre 2001 e 2007 não propiciou um único centavo aos trabalhadores. Seus salários reais ficaram na mesma. A burguesia imperialista preferiu empregar seu dinheiro na especulação financeira das bolsas de valores. Quase o mesmo ocorreu na América Latina.

Por outro lado, o relatório afirma que o salário real cresceu 10% ou mais na China, Rússia e em outros países onde o capitalismo foi restaurado, e “que estão se recuperando das graves reduções salariais que tiveram lugar nas primeiras fases da transição econômica nos primeiros anos da década de noventa”. Aparentemente, isto provaria a superioridade do capitalismo sobre o socialismo, já que, após uma primeira fase da transição, os salários aumentaram bem mais que os índices de crescimento mundial.

No entanto, os dados estatísticos levantados escondem a real situação dos trabalhadores daqueles países. Em primeiro lugar, os salários nos ex-Estados operários, antes da restauração, eram baixos, porque o Estado provia os trabalhadores de toda a estrutura social necessária para suas vidas, como educação, moradia, assistência médica, trabalho, lazer etc. Em segundo lugar, a restauração significou a expropriação de toda a riqueza dos Estados, onde a burocracia dirigente apossava-se dos bens coletivos e tornava-se proprietária ou os vendia para a burguesia estrangeira. Não houve apenas graves reduções salariais nesta fase, como o relatório afirma, mas um empobrecimento sem precedentes de toda a população.

Portanto, a recuperação salarial apontada partiu de níveis baixíssimos e os salários ainda são muito baixos em relação aos países capitalistas ocidentais. Por exemplo, o salário pago aos trabalhadores da região do Rio Pérola, na China, considerada a fábrica do mundo, é da ordem de US$ 150, menos que o salário mínimo brasileiro. Com o agravante que os trabalhadores perderam todas as conquistas obtidas, pois tudo foi privatizado. Isto é, apesar do aumento do salário real nestes países, a exploração aumentou em relação à época anterior à restauração capitalista.

A desigualdade salarial aumenta
O relatório também mostra que desde 1985 a diferença entre os salários mais altos e mais baixos aumentou em mais de dois terços dos países pesquisados. Entre os países desenvolvidos, a Alemanha, a Polônia e os Estados Unidos mostram a maior desigualdade. Em outras regiões, a desigualdade também cresceu muito, principalmente na Argentina, na China e na Tailândia.

Países que tiveram sucesso na redução da desigualdade salarial incluem a França e a Espanha, bem como o Brasil e a Indonésia, embora nestes dois últimos países a desigualdade permaneça num nível muito alto.

A diferença salarial entre os gêneros é ainda alta e sua redução se faz de forma muito lenta. Apesar de que cerca de 80% dos países nos quais os dados são disponíveis tenham apresentado uma melhoria na relação entre os salários médios das mulheres e dos homens, esta é muito pequena e em alguns casos desprezível. Na maioria dos países, o salário das mulheres representa, em média, entre 70 e 90% do salário dos homens, mas não é incomum encontrar situações muito piores em outras partes do mundo, principalmente na Ásia, afirma o relatório.

A velha receita da OIT: a colaboração de classes
O relatório da OIT, como convém a uma instituição da ONU, “exorta os governos a dar mostras de um forte compromisso com a proteção do poder aquisitivo de suas populações e, portanto, a estimular o consumo interno”. É a mesma política do Banco Mundial e dos dirigentes do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo, ligados à CUT, que exortaram os metalúrgicos a gastarem no shopping.

Por fim, afirma que “os interlocutores sociais deveriam ser estimulados a buscar maneiras de evitar uma redução posterior da parcela do PIB destinada aos salários, em relação à parte designada aos lucros”. Isto é, governo, patrões e trabalhadores deveriam sentar-se à mesa e negociar formas de evitar uma piora dos salários. Enquanto os bancos centrais imperialistas destinam trilhões de dólares aos banqueiros para salvá-los da falência, a OIT prega a colaboração de classes na tentativa de anestesiar os trabalhadores. Mas apenas a luta da classe trabalhadora, em defesa de seus empregos e salários, pode evitar que esta nova crise seja descarregada sobre suas costas, como mostra o próprio relatório da OIT em relação às recessões anteriores.