Boa Vista AC 04 05 2018 Refugiados venezuelanos abrigados provisoriamente em Boa Vista.Marcelo Camargo/Agencia Brasil

Isto aqui era um vulcão que não aguentava mais e entrou em erupção”. Essa foi a declaração do padre Jesus à BBC sobre os protestos de brasileiros realizados no último sábado, 18, no município de Pacaraima (RR), fronteira com a Venezuela. Na ocasião, um grupo de moradores da cidade invadiu um acampamento de imigrantes venezuelano, que tiveram seus pertences queimados. Muitos deles foram expulsos do município.

O padre Jesus é um dos poucos no município que procura auxiliar os milhares de imigrantes que chegam do país vizinho. “São 3 mil a 4 mil pessoas (migrantes) morando nas ruas de uma cidade de 10 mil habitantes, sem banheiro, sem emprego. Estamos há dois anos alertando as autoridades e procurando aliviar o drama do povo venezuelano“, diz o sacerdote.

No dia 14 de julho, uma caravana organizada pela CSP-Conlutas visitou Pacaraima, e relatou o eminente clima de tensão que havia na cidade como se pode ver aqui.

O conflito de sábado teve início após uma manifestação convocada contra um assalto sofrido por um comerciante da cidade, supostamente realizado por venezuelanos.

Segundo divulgado pela imprensa, as forças de segurança locais e o Exército assistiram praticamente todo o episódio sem realizar qualquer intervenção. Apenas quando já estariam próximo à fronteira, fizeram um cordão de isolamento para evitar que os refugiados fossem linchados.

O ataque de Pacaraima foi uma selvageria contra os imigrantes venezuelanos que vivem em situação de extrema precariedade. O ato de brutalidade foi deliberadamente organizado por políticos locais e latifundiários genocidas. Mas a xenofobia também é produto da ação dos governos estadual e da total inoperância do governo federal.

Invasores de terras indígenas
Pacaraima foi emancipada em 1995. O município, fronteiriço com a Venezuela, conta com aproximadamente 10 mil habitantes. Fica dentro de uma reserva indígena de São Marcos, vizinha da famosa terra indígena Raposa Serra do Sol. Portanto, o município é produto de uma invasão.

Segundo a jornalista Malu Aires, a energia elétrica da cidade vem da Venezuela. “O único posto de abastecimento de combustíveis, vem da Venezuela. Os moradores da cidade de Pacaraima dependem da Venezuela para aquecer o comércio do município e para consumo de energia. Sem gasolina, o comércio e o trânsito de Pacaraima param. Sem compradores venezuelanos, o comércio de Pacaraima para”.

A jornalista continua sua explicação dizendo que a política local é totalmente comandada por latifundiários, invasores de terras indígenas e que tentaram realizar um lobby pela extinção da reserva indígena. São esses mesmo políticos que estimulam a xenofobia atrás de votos.

O vigilante Wandenberg Ribeiro Costa, orgulhoso organizador do ato fascista de Pacaraima, consta da folha de pagamentos da Prefeitura”, explica Malu Aires que continua: “As lideranças que provocaram este ataque violento contra os venezuelanos, já comandaram um ataque à sede da Funai, já formaram bandos de pistoleiros para ataque contra os índios e fazem enorme lobby no Congresso Nacional para a extinção da reserva indígena de São Marcos, com a intenção de remarcar o Município, invadindo mais terras indígenas e desmatar a região, para ampliação do cultivo de arroz”.

Em outubro de 2017, o próprio prefeito de Pacaraima, Juliano Torquato, atropelou duas crianças imigrantes, de sete e 11 anos, que andavam de bicicleta à noite.

Governos, mídia, empresários: todos tem sua responsabilidade
A Rede Globo local já “alertou” a população de que a imigração era um risco para o emprego dos brasileiros. Para a grande imprensa de Roraima o venezuelano mata, rouba, traz risco de epidemia de sarampo, aumenta a violência, o tráfico de drogas, e todo tipo de desgraça.

Esse tipo de “notícias” tem como objetivo disseminar o ódio e o preconceito, e também reflete as disputas entres o governo de Roraima, prefeituras e governo federal que disputam entre si o controle do dinheiro destinado à ajuda humanitária aos venezuelanos. Um dinheiro que tem sido usado de forma nada transparente, diga-se de passagem, e não é utilizado para efetivamente resolver a crise migratória. Ao mesmo tempo, promovem a xenofobia para dividir a classe trabalhadora, se desresponsabilizar da crise social e faturar votos na próxima eleição.

Foi isso que levou o governo de Roraima, também responsável pela crescente xenofobia, a pedir recentemente ao STF (Supremo Tribunal Federal) que a imigração na fronteira seja suspensa e que os refugiados do país vizinho sejam enviados a outros estados do país.

O governo Temer, por sua vez, apresenta uma resposta militarizada com o envio de tropas para Roraima. O governo federal destinou R$ 196 milhões para a questão de migração no Estado. Desse montante, R$ 150 milhões são destinados ao exército, ou seja, cerca de 80% em deslocamento e gestão das Forças Armadas, quando poderia ser o inverso – mais investimento em políticas públicas e não em militarização. E a burguesia local tenta faturar o seu quinhão no envio dessa grana.

Claro que é preciso conscientizar a classe trabalhadora e pobre que a saída da crise não é atacar os mais vulneráveis. Aqueles que fomentam a xenofobia apenas querem usar os trabalhadores como massa de manobras dos seus projetos políticos e pessoais. A crise que assola a economia venezuelana é produto do sistema capitalista e de responsabilidade do governo daquele país. No final das contas somos todos vítimas e por isso devemos unir todos os de baixo, brasileiros e venezuelanos para lutar por emprego e direitos.  A crise humanitária não é venezuelana, mas de todos os trabalhadores e pobres que são sugados e depois descartados pelo capital.