Na última década, os trabalhadores brasileiros aprenderam que o significado da palavra “reforma” passou a ser retirada de direitos. Ao longo deste primeiro ano do governo Lula, infelizmente, tal significado se manteve, como comprovamos com a “reforma da Previdência”. Agora, apresentam as próximas “reformas”: a sindical e a trabalhista

No campo sindical, os setores mais combativos da classe trabalhadora brasileira produziram, entre fins dos anos 70 e a década de 80 uma crítica aos limites da estrutura sindical corporativista brasileira, criada nos anos 30-40 com o objetivo de controlar os conflitos entre o capital e o trabalho. Avançaram também na discussão de um modelo de sindicalismo autônomo e alicerçado nas bases da classe, que esteve por trás da fundação da Central Única dos Trabalhadores.

Mas, assistimos também, após 1988, a um progressivo abandono daquela discussão por parte dos setores majoritários na CUT, que passaram a defender um outro modelo sindical, pautado pela social-democracia européia, em que as centrais sindicais negociam em nome da classe que dizem representar. Propostas como a do sindicato orgânico (depois chamado sindicato nacional) se pautaram por essa idéia.
No que diz respeito à legislação trabalhista, após a incorporação de algumas conquistas na Constituição de 1988, a década de 90 foi marcada pela retirada de direitos, escamoteada por termos como “flexibilização” ou diminuição do “custo Brasil”.

O resultado é que a classe trabalhadora brasileira, uma das forças de trabalho mais baratas do mundo, foi cada vez mais empurrada, no processo de reestruturação produtiva, para a precarização completa (os mais de 60% dos que hoje trabalham sem carteira assinada) ou para situações em que a lei – como no caso da legislação sobre contratação temporária, banco de horas, participação nos lucros e resultados e outras – ratifica a precarização das relações de trabalho, que em muitos casos tem se dado também por acordos entre sindicatos e empresas, sob a ameaça das demissões.

Foi nesse contexto que o governo FHC apresentou a proposta de “flexibilização da CLT”, em que se pretendia que o acordado nas negociações coletivas prevalecesse sobre a lei, permitindo na prática a supressão de direitos como os de férias, 13o, licenças maternidade e paternidade etc.

O que podemos esperar da discussão sobre reforma sindical e trabalhista proposta pelo governo? Para responder a essa indagação, há que se observar, primeiro, em que espaço está se dando a discussão até aqui.

O espaço, instituído e arbitrado pelo Ministério do Trabalho, é o Fórum Nacional do Trabalho, dito “tripartite”, por reunir 21 representantes do empresariado, 21 representantes das centrais sindicais e 21 representantes do governo, todos por este indicados.

É claro que devemos questionar de início a idéia de tripartite, como se o governo fosse uma parte neutra no debate e não representasse interesses de classe, ou como se a representação sindical, fatiada entre centrais (algumas das quais apoiadoras da proposta de reforma da CLT do governo FHC), garantisse a voz da classe trabalhadora na discussão. Mas a coisa piora quando constatamos que as discussões no Fórum se fazem a partir de questões apresentadas pelo governo e respondidas pelas bancadas, com o objetivo de estabelecer o “consenso” nas respostas, como se fosse possível haver acordo de fundo nas questões relativas à organização do trabalho sob o regime da exploração capitalista.

Aonde pode chegar tal Fórum? A julgar por uma pesquisa publicada pelo jornal O Globo com a maioria dos seus integrantes, há maioria folgada, por exemplo, para um arranjo jurídico em que o negociado prevaleça sobre o legislado, nos termos da reforma da CLT proposta por FHC.

Do jeito que as coisas caminham no debate, com a antecipação da discussão da reforma sindical e uma indefinição da discussão da reforma trabalhista, podemos prever um cenário de aprovação de uma reforma sindical em que as centrais sejam legalmente reconhecidas como competentes para assinar acordos coletivos pelos trabalhadores das suas bases sindicais (organizadas talvez em sindicatos por empresa), e em que tais acordos, negociados pelo alto, “flexibilizem” na prática os direitos trabalhistas, ainda que uma reforma mais completa da CLT demore a ser aprovada.

Centrais cada vez mais distantes das bases, a CUT inclusive, poderiam assim assumir o papel de referendar a precarização dos direitos trabalhistas, em nome do “mal menor” como tem acontecido há tempos em alguns sindicatos, como o dos metalúrgicos do ABC, em que a direção aceita fechar acordos com as montadoras que rebaixam vencimentos e ampliam os bancos de horas, alegando diminuir, com isso, o número de demissões, que a cada ano se amplia.

Resta saber se as bases hoje filiadas à CUT, diante do agravamento de um quadro já insuportável de desemprego, queda salarial e perda de direitos, reforçado pelas políticas do governo Lula, aceitarão passivamente a colaboração ativa da direção da central na discussão das reformas sindical e trabalhista.

Para deter a nova reforma, será preciso uma mobilização superior em quantidade e qualidade à importantíssima greve do funcionalismo que procurava resistir à reforma da Previdência. Um desafio que temos que estar à altura de responder.

* Marcelo Badaró é professor de História na Universidade Federal Fluminense (UFF–RJ)

Post author Marcelo Badaró Mattos*, especial para o Opinião Socialista
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