Após o MEC realizar um grande evento em parceria com o Banco Mundial e com uma ONG francesa, o núcleo dirigente do governo define a sua política para o ensino superior do país. Também aqui a agenda do Banco Mundial é dominante, colocando um fim à crença de que é possível compatibilizar a política econômica neoliberal e com uma política social capaz de resgatar a dignidade das condições de vida do povo brasileiro. A sinalização de que a reforma não poderá ser feita por acadêmicos, conforme as palavras de Lula da Silva, aparentemente confirma as ameaças de José Dirceu: o pau vai comer!.
O novo ministro, Tarso Genro, seguramente está mais capacitado para operar, em favor do núcleo dirigente, as contradições entre a proclamada defesa da universidade pública e a política macroeconômica que privilegia o capital financeiro. O curso da reforma está, portanto, nas mãos dos lutadores sociais e do movimento em defesa da escola pública.
Novamente, autonomia para desregulamentar a universidade como organização social
As propostas do Grupo de Trabalho Interministerial-GTI (15/12/03) para enfrentar a crise atual das universidades federais estão inscritas em um escopo estratégico mais amplo, objetivando criar uma plataforma para a grande reforma universitária que o governo Lula pretende apresentar ao Congresso após amplo debate ainda no primeiro semestre de 2004. O GT foi coordenado pelo núcleo do governo, em especial, a Casa Civil e a Secretaria Geral da Presidência.
O documento aborda temas como ampliação da oferta de ensino, metas de contratação docente, bolsas para jovens doutores e aposentados, autonomia, fundações e financiamento. Outros problemas são esquecidos, como a urgente assistência estudantil. É preciso, portanto, separar o que são atrativos e o que são as orientações políticas mais profundas, para não se perder no mundo das aparências.
Autonomia e financiamento
Considerando as grandes orientações do Banco Mundial, co-patrocinador do Seminário Internacional do Ensino Superior do MEC, e as medidas concretamente encaminhadas pelos governos neoliberais da América Latina, é possível formular a hipótese de que o eixo estruturador da proposta é a autonomia universitária conjugada com o financiamento, a exemplo da PEC-370/96 encaminhada por Fernando Henrique e Paulo Renato de Souza. São os mesmos pressupostos: é preciso liberalizar a universidade em função de uma nunca definida revolução tecnológica e, quanto mais próxima ao mercado, mais moderna seria a universidade.
O documento crê que estaria outorgando autonomia às instituições federais de ensino superior, como se a autonomia não fosse um preceito auto-aplicável da Constituição. Em contrapartida, a universidade deverá incorporar representações da sociedade em seus órgãos colegiados (p.17). Pierre Bourdieu, criticando o Relatório Attali, nos diria: quando falam em representações da sociedade estão querendo dizer na verdade do mercado!
A importância da autonomia é instrumental e pragmática: a crise decorre também das amarras legais que impedem cada universidade de captar e administrar recursos (p.15). Por isso, a institucionalização definitiva das fundações privadas faz parte do eixo das propostas. Estas cumpririam o papel das Organizações Sociais: Com esses dois instrumentos autonomia e fundações de apoio as universidades federais certamente disporiam de condições não só para aumentar a captação de recursos . Com essa proposição, o governo Lula estaria viabilizando as organizações sociais de Bresser Pereira e Fernando Henrique. As fundações de apoio privadas, robustecidas e melhor amparadas legalmente, estabeleceriam contratos de gestão eufemisticamente denominados de Pacto da Educação para o Desenvolvimento Inclusivo.
Este pacto objetiva massificar a oferta de vagas. Aos que aderirem, o MEC se propõe a ampliar os fluxos de recursos, pagando um determinado per capita (semelhante ao Fundef). As metas específicas serão objeto de edital público aberto à concorrência entre as instituições públicas e privadas do Sistema Nacional de Avaliação (p.19)!
A avaliação segue como eixo da política educacional. Após tecer elogios a Gratificação de Estímulo a Docência (GED), considera a avaliação de desempenho produtivista um dos fatores que evitou o desmoronamento das universidades, propugna que a forma de relação da universidade com o governo e o Estado se daria no momento de sua avaliação. O futuro da universidade passa a depender da avaliação definida por uma Comissão Nacional de Avaliação constituída por sete membros, todos escolhidos pelo governo (MP 147). Na autonomia didático-científica, o GTI propõe que o referido sistema de avaliação dará reconhecimento às universidades comprometidas em realizar pesquisas voltadas para a solução dos problemas brasileiros e para o desenvolvimento do sistema produtivo nacional e regional, conforme o modelo coreano defendido pelo ministro José Dirceu. O documento indica, ainda, que o sistema de avaliação promoverá a classificação das instituições e cursos (p.16).
A autonomia administrativa é tida como capaz de assegurar a administração de seus serviços, a contratação e a exoneração de pessoal e decidir o seu plano de carreira, indicando que as considerações do ex-ministro da Educação, de que a carreira única é um obstáculo a autonomia, foram incorporadas pelo núcleo dirigente do governo.
Expansão da oferta: educação à distância como estratégia
Um dos mais evidentes atrativos do documento é a afirmação de que as universidades públicas deverão alcançar 40% do total das matrículas do ensino superior em 2007, conforme meta do Plano Nacional de Educação. Examinando mais de perto, verifica-se, contudo, que essa diretriz não está em contradição com o conteúdo privatista operacionalizado pela autonomia. A expansão dar-se-ia pela tríplice combinação de aumento da carga didática dos docentes, aumento do número de estudantes por classe e, principalmente, pela educação a distância (EAD). Propõe criar o Centro Darcy Ribeiro de EAD para superar os conhecidos limites da educação presencial (p.20). A meta para 2007 é de 500 mil estudantes a distância! A duplicação da oferta dar-se-ia por meio de ensino massificado e minimalista, pressupondo graus diferenciados de cidadania e descaracterizando a docência e, portanto, o cerne do fazer universitário.
Para combater essa perniciosa reforma neoliberal das universidades é imperativo promover amplo debate sobre os projetos em confronto. É indispensável a afirmação por parte das universidades, sindicatos e entidades democráticas de um projeto de universidade pública, gratuita, universal e autônoma, capaz de contribuir para o rompimento da submissão cultural. Isso significa, como nos ensinou mestre Florestan Fernandes, combater a causa da submissão cultural: o próprio capitalismo dependente. Empunhando essas consignas, será possível organizar as lutas vindouras e ampliar, qualitativamente, o ensino público superior.
* Roberto Leher é professor da UFRJ, pesquisador do CLACSO no Laboratório de Políticas Públicas da UERJ
Post author Roberto Leher*,
Especial para o Opinião Socialista
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