Redação

Os problemas e contradições no campo no Brasil já não se limitam mais ao latifúndio e à grande população sem terra

O censo agrário de 2010 mostra que a concentração fundiária no Brasil continua e se aprofunda. Os dados apontam que as pequenas propriedades (com menos de dez hectares) ocupam apenas 2,7% da área ocupada por estabelecimentos rurais. Já as grandes (com mais de mil hectares) ocupam 43%.

O que torna os números assustadores é que as pequenas propriedades representam 47% do total de estabelecimentos rurais, enquanto os latifúndios correspondem a apenas 0,91%.

Além da hiperconcentração de terras, existe também a improdutividade. Cerca de 40% da área das grandes propriedades agropecuárias não é aproveitada para o cultivo, criação de animais ou qualquer outra atividade econômica. Ou seja, elas são improdutivas e para fins especulativos.

O DESENVOLVIMENTO CAPITALISTA NO CAMPO
Este quadro se insere agora em um profundo desenvolvimento do capitalismo no campo. Hoje, das 500 maiores empresas no ranking de vendas, 144 (quase um terço) têm negócios que dependem da atividade agropecuária, segundo a revista Exame.

São empresas de segmentos variados como alimentos, bebidas, fumo, fertilizantes, defensivos, máquinas, madeira, celulose, borracha, têxteis e comércio varejista. Essas companhias são a ponta mais visível de um setor que, em 2009, gerou produção de R$ 534 bilhões (33% do PIB brasileiro), proporcionou 37% dos empregos no país, respondeu por 42% das exportações brasileiras e pela totalidade do superávit comercial.

Essas empresas e o agronegócio em geral, em sua ampla maioria, são controlados pelas multinacionais, seja no processo de produção, de transformação ou de distribuição.
Esse controle começa com a produção de sementes transgênicas, concentrada nas mãos de Syngenta, Monsanto, Dupont, Dow, Bayer e BASF. Passa pela produção de máquinas e equipamentos, pelo controle das terras e, em alguns casos, das águas, indo até a distribuição. Com isso, ao já complexo problema da terra e da reforma agrária foram adicionados vários outros, a saber, o da independência nacional e o da revolução socialista.

TRANSGêNICOS E BIOCOMBUSTíVEIS
Sob a desculpa de combater a poluição e gerar uma fonte alternativa de energia, foi iniciada uma ampla propaganda de defesa dos biocombustíveis. Tal propaganda, na verdade, busca justificar por um lado a liberação de bilhões de reais a usineiros falidos e, por outro, ajudar o imperialismo em sua crise energética de matriz fóssil.
A maior demonstração da farsa dos biocombustíveis é que todas as empresas produtoras de transgênicos têm investimentos em cultivos concebidos para a produção de bicombustíveis, como o etanol e o biodiesel. Possuem, além disso, acordos de colaboração com transnacionais como Cargill, Archer, Daniel Midland e Bunge, que dominam o comércio mundial de cereais.

Essa associação de interesses fez com que o Brasil fosse o segundo maior produtor de transgênicos, atrás apenas dos EUA.

Os outros países responsáveis pela maior parte da produção são, pela ordem, Argentina, Índia, Canadá e China, com Paraguai e África do Sul um pouco atrás.
O BNDES é o financiador de projetos de investimento na expansão do etanol brasileiro.

Segundo o banco, são disponibilizados R$ 30 bilhões em financiamentos ao setor, com projetos voltados à produção de açúcar e álcool e à geração de energia.
É necessário acrescentar que, ao iniciar o financiamento dos biocombustíveis, Lula deu vida nova a um dos setores oligárquicos mais atrasados do país, os latifundiários canavieiros.

Por um programa revolucionário para o campo
Todos esses problemas nos obrigam a levantar um programa revolucionário para o campo.
Esse programa já não pode mais se limitar à defesa de uma reforma agrária radical, sob controle dos trabalhadores. Ele deve partir da necessidade de uma partilha radical de todos os latifúndios improdutivos e da expropriação sem indenização dos latifundiários.

Além disso, é necessário nacionalizar todas as terras e entregá-las aos camponeses pobres, em usufruto.

As grandes empresas capitalistas do campo e os conglomerados do agronegócio devem ser nacionalizados sob controle dos trabalhadores.
Sem essas medidas nunca haverá uma verdadeira transformação do campo. Uma reforma agrária que apenas partilhe as terras e não nacionalize as mesmas levará ao retorno da mesma estrutura agrária em poucos anos.

Por outro lado, sem uma mudança radical na política de créditos e, portanto, na estrutura financeira do país, será impossível dar ao pequeno produtor as condições para que ele produza.

Da mesma forma, sem nacionalizar o agronegócio, desde a grande produção até as grandes cadeias comerciais, será impossível levar o produto do pequeno produtor às cidades.

Tudo isso só demonstra que a reforma agrária está cada vez mais ligada a uma revolução agrária, que será socialista ou não.

Como todas as tarefas, a revolução agrária, como parte da revolução socialista, exige, desde já, a construção de uma direção.

Na atual etapa essa tarefa exige defender os melhores ativistas do campo, assassinados a um ritmo de 25 por ano, e despejados aos milhares. Passa por organizar os assalariados rurais de forma independente. Passa também por uma profunda polêmica com o MST.

O MST é a principal referência das lutas no campo no Brasil e, nos anos 90, foi a direção mais combativa do movimento de massas. O movimento ganhou corações e mentes do ativismo brasileiro através de centenas de ocupações todos os anos, com lemas como “ocupar, resistir, produzir” ou “só sai reforma agrária com a aliança camponesa e operária”.

Infelizmente, com o governo Lula, a participação de militantes do MST em órgãos como o Incra, e seu apoio ao presidente (mesmo que algumas vezes “crítico”), o MST mudou.
Ao MST sobram dois caminhos: romper com Lula, voltar à ação direta e atualizar seu programa; ou ser cada vez mais governista e adaptado ao governo, se distanciando cada vez mais da luta dos trabalhadores e pobres do campo. A história dará sua palavra final, nós achamos, em curto prazo.