No dia 21 de março, a bancada do Partido Democrata conseguiu aprovar a Reforma do Sistema de Saúde nos Estados Unidos por 219 a 212 votos. A mídia comemorou a votação histórica como destaque para a inclusão de 32 milhões de americanos sem acesso a serviços de saúde, que deverá custar US$ 938 bilhões em dez anos, falando dos abusos por parte das seguradoras de saúde.

Até mesmo a poderosa AFL-CIO [central sindical dos EUA] apoiou a sua aprovação, ainda que a reforma não garanta uma saúde gratuita ou pública (conhecida em Inglês como Single-Payer Healthcare) – uma das principais metas da central sindical.

O Partido Republicano se opôs à reforma alegando seu caráter supostamente socialista. Na verdade, os republicanos opunham-se ao aumento do déficit de saúde para as famílias pobres, além de buscar aproveitar das medidas impopulares da reforma para ganhar a eleição deste ano, após a derrota histórica sofrida na última eleição presidencial.

Os três objetivos da reforma de Obama
Os três objetivos de Obama com a Reforma são:

1) Apoiar as empresas para fazer frente aos crescentes custos da medicina privada em meio à recessão econômica. As empresas precisam de mão-de-obra em condições de trabalho, ou seja, com saúde. O seguro saúde será um dos principais temas para a renovação dos acordos coletivos já que os patrões querem fazer recair nos trabalhadores os custos dos planos de saúde. O governo afirma que com a Reforma terá mais competição entre as diferentes seguradoras, e a inclusão de milhões de novos assegurados que desacelerará o aumento dos custos da saúde.

A cada Estado organizará um mercado de planos de saúde para que os planos sejam contratados a custos mais baixos. Em troca, as pequenas empresas com até 25 empregados com salário médio de até US$ 50 mil/ano terão incentivos fiscais.

2) Salvar as seguradoras de saúde. Elas vão ganhar 32 milhões de novos clientes. As famílias pobres serão subsidiadas por recursos federais. Sem nenhum sistema público para competir, as seguradoras são as principais beneficiadas desta Reforma. Alguns dos abusos praticados pelas seguradoras, como negar assistência às doenças pré-existentes, ou excluir a segurados que ficam doentes estão proibidos pela Reforma. Mas na prática como não há um padrão de cobertura a ser oferecido (que será estabelecido por cada estado), nem teto de mensalidade. Os abusos vão seguir por outros meios como, por exemplo, o simples aumento da mensalidade, que provocará a exclusão dos não desejados.

3) Frear o déficit crescente do Medicare (serviço de saúde de qualidade para idosos maiores de 65 anos e pessoas com deficiência). O Medicare, uma conquista do povo americano nos anos 1960, sofrerá um corte de despesas, o que produzirá uma queda na qualidade de seu atendimento.

O financiamento desta Reforma para a inclusão de 32 milhões de novos assegurados [1], virá de subsídios federais; da taxação das empresas com mais de 50 servidores públicos que não vieram de planos de saúde; de impostos sobre os mais ricos (salários superiores a US$ 250 mil por ano); e da taxação sobre os planos de saúde de empresas cuja anualidade exceda US$ 27, 5 mil para a cobertura familiar.

Quem perde com a Reforma?
Para aprovar o projeto de Reforma, Obama e os líderes democratas fizeram concessões históricas a setores fundamentalistas conservadores.

Os doze milhões de imigrantes sem documentos estão excluídos da Reforma. Apesar de contribuírem decisivamente à economia americana, os imigrantes sem papéis [em condições de ilegalidade] são tratados como o bode expiatório da crise. Esta Reforma é a mais importante legislação antiimigrante votada pelo Congresso em muitos anos.

Também na Reforma está contido o maior ataque ao direito ao aborto desde sua legalização em 1973. As famílias beneficiadas por subsídios públicos (as mais pobres) não poderão ter acesso ao serviço de aborto pelo plano de saúde. Ademais, os estados podem excluir planos de saúde que ofereçam o serviço de aborto dos mercados estatais, deixando, na prática, indisponível todo um estado.

Além disto, são penalizados os usuários do Medicare que sofrerão uma diminuição na qualidade da atenção e/ou aumento das mensalidades.

Também são duramente atacados os setores mais organizados da classe trabalhadora que conquistaram de seus planos de saúde mais vantajosos (cuja anualidade excede US$ 27,5 mil para a cobertura familiar). Estes planos de saúde sofrerão uma taxação especial. A AFL-CIO pressionou a Obama e os congressistas contra esta medida que afeta diretamente a sua base, mas no final se contentou em reduzir um pouco as alíquotas da taxa, bem como com o adiamento de sua aplicação para 2018, quando os sindicalistas esperam voltar às negociações.

De forma mais geral perdem os trabalhadores em seu conjunto. São eles os que diretamente terão que arcar com os custos da saúde, que estão entre os mais altos do mundo, frente ao lucro fantástico das seguradoras de saúde. Enquanto no caso de quem não tenham nenhum plano de saúde, pagarão multas.

O modelo defendido pelos trabalhadores, pelos sindicatos e pelos setores progressistas, o chamado Single Payer, foi descartado por Obama e pelos democratas. Este é o modelo aplicado no chamado TRICARE (serviço público de saúde de qualidade para atender os 9,6 milhões de militares, veteranos de guerra e seus familiares). Outros países como o Reino Unido ou Canadá têm um serviço público de saúde de qualidade superior, com custo muito menor para os trabalhadores e para o Estado. Obama também não estendeu o Medicare para todos, o que representaria um lucro. Apesar de todo o discurso demagógico para iludir a população mais pobre, sua opção foi em prol de uma medicina privada cuja prioridade são os lucros e não a saúde.

NOTA:
1.
O custo da Reforma implica subsidiar parte dos 32 milhões. Os que são pobres, mas não muito pobres. Os muito pobres são atendidos pelo MedicAid). Há uma parte que não será subsidiada, pois não entram no critério de pobres por regra geral são pessoas entre 18 a 30 anos que tem algum salário razoalvel. Há também subsídios para parte das pequenas empresas (as que pagam salários baixos). Também há um subsídio para as empresas (geralmente as grandes) que se fazem uso dos planos de saúde dos trabalhadores que se aposentam antes dos 65 anos, quando entram ao Medicare. Isto é, o custo da inclusão dos 32 milhões de pessoas e do subsídio às pequenas empresas será pago: a) integralmente pelo próprio assegurado, pois tem renda; b) parcialmente pelos mais assegurados (provavelmente não terá ninguém integralmente subsidiado); c) multas dos que não se inscrevam em nenhum plano. E há o efeito de economia em escala pela inclusão dos 32 milhões a mais de assegurados, pois otimiza o sistema de saúde e gera baixa dos custos. Portanto, o montante de recursos que entrará no sistema de saúde fruto da Reforma virá dos novos assegurados (todos pagarão algo), e do estado (os 938 mil milhões de dólares) que arrecadará parte disso dos ricos, dos planos de saúde mais privilegiados e dos não aderentes que pagarão multas. Vendeu-se a ideia de que os 32 milhões de americanos ganharam um benefício gratuito. Mas não é assim. Eles serão obrigados a aderir e a pagar parcial ou integralmente um plano de saúde bem caro.

*Publicado originalmente no jornal A Voz do Trabalhador, dos EUA