A comunidade latina dos Estados Unidos voltou à cena e organizou uma forte mobilização para comemorar o 1º de Maio. Embora não seja feriado e o Dia do Trabalho ocorra em setembro no país, milhares de latino-americanos marcharam em mais de 70 cidades, em protesto contra as perseguições aos imigrantes sem papéis e, em particular, contra a lei antiimigração aprovada pelo estado do Arizona em 23 de abril.

Esta lei acendeu, como um rastilho de pólvora, as manifestações pelo país. Promulgada pela governadora do Arizona, Jan Brewer, do Partido Republicano, ela converte em delito a imigração considerada ilegal no estado (que faz fronteira com o México) e dá direito à polícia de deter qualquer pessoa que apresente uma suspeita razoável de que esteja ilegalmente no país. Até então, só era permitido perguntar a um habitante sobre sua situação de imigração se fosse suspeito de cometer um crime.

Além de criminalizar os sem-papéis, alimentando o sentimento xenófobo de setores da população, tal lei é racista, pois permite suspeitar de uma pessoa por sua aparência ou cor da pele. No Arizona, onde 30% da população é de origem latina a lei pode causar uma situação de perseguição policial permanente e de inversão dos direitos constitucionais dos cidadãos: qualquer pessoa com aparência suspeita será considerada culpada até prova em contrário.

Por isso, a reação da comunidade latina foi contundente. Estima-se em mais de um milhão de pessoas o número de participantes nos diversos atos. O principal ocorreu em Los Angeles – que já havia vivido importantes manifestações dos trabalhadores da educação pública em 4 de março -, onde as câmeras de TV registraram ruas repletas de manifestantes, exibindo cartazes em que se lia “Somos todos o Arizona”, “Educação sim, deportação não” ou “Os primeiros imigrantes não tinham papéis”, referindo-se à colonização inglesa do país.

Em Phoenix, capital do Arizona, cinco mil pessoas reuniram-se em frente à Assembleia Estadual, o local de aprovação da lei. Em Washington, capital do país, o mesmo número aglomerou-se em frente à Casa Branca. No México, Guatemala e em outros países centro-americanos também houve protestos contra a lei xenófoba.

A armadilha democrata
De olho em seu eleitorado latino e, ao mesmo tempo, nos interesses da burguesia norte-americana, o Partido Democrata, do presidente Barack Obama, quer se aproveitar deste momento de críticas às iniciativas xenófobas – que ameaçam se estender a outros estados do sul, como o Texas – para aprovar uma lei nacional de imigração.

Uma lei desse tipo tem sido tentada por vários governos anteriores, inclusive o de Bush, mas nunca conseguiu respaldo da burguesia, que não queria perder a mão-de-obra barata que vinha do sul, ilegal ou não, nos anos de boom da economia e, principalmente, do setor imobiliário.

Com a explosão da bolha imobiliária, que praticamente paralisou as obras da construção civil, os trabalhadores latinos passaram a ser descartáveis, criando condições para a aprovação de leis que regulamentem a imigração. No movimento sindical pelego dos Estados Unidos também há forte pressão para esta regulamentação, pois reduziria a ameaça de desemprego dos norte-americanos sindicalizados e, assim, a necessidade de lutar contra os patrões e o governo. O líder sindical Jaime Contreras, salvadorenho que imigrou sem papéis em 1998, por exemplo, exigiu no ato em Washington que a reforma da imigração seja aprovada este ano.

A reforma da imigração
Alguns dias antes, senadores democratas haviam apresentado um rascunho de proposta que promete legalizar a situação de mais de 10 milhões de imigrantes sem papéis. Mas seu principal aspecto é a série de barreiras, algumas delas nunca propostas antes, para a entrada e permanência de novos imigrantes.

Além do reforço policial e dos muros na fronteira com o México, seria emitido um cartão do Seguro Social (a única cédula de identidade nos Estados Unidos) com um chip contendo dados biométricos, que todos os trabalhadores norte-americanos, inclusive os nativos, seriam obrigados a apresentar na hora de procurar emprego. Caberia às empresas controlar a situação dos estrangeiros e comunicar qualquer irregularidade às autoridades. Nestes casos, a deportação seria imediata.

A proposta trata, portanto, de um amplo controle da força de trabalho, muito mais que dos próprios imigrantes. Tanto é assim que ela cria facilidades para trabalhadores especializados conseguirem vistos de residência permanentes, como os estudantes estrangeiros em faculdades norte-americanas.

Em troca, os imigrantes sem papéis poderiam legalizar sua situação após o pagamento de multas e taxas retroativamente, mas ficariam com um status provisório por oito anos, ao longo dos quais sua deportação poderia ocorrer por qualquer motivo.

Os latino-americanos são, hoje, a principal minoria étnica do país, ultrapassando os negros. São cerca de 50 milhões, número que deverá dobrar nos próximos 20 anos. A proposta procura atrair setores já enraizados na sociedade, e que também temem pela vinda de mais imigrantes num momento de crise econômica, defendendo facilidades para a entrada dos cônjuges, filhos e parentes mais próximos, inclusive para casais homossexuais. É o canto de sereia, que será utilizado pela burocracia sindical para mostrar as vantagens da reforma, enquanto sua principal virtude é o aumento da repressão.

Obama busca um governo de unidade imperialista
Da mesma forma que se deu com a aprovação da reforma do sistema de saúde nos EUA, quando democratas e republicanos chegaram a um acordo no Congresso para aprovar uma lei da qual foram retirados todos os aspectos mais progressistas, a proposta dos democratas pode seguir o mesmo caminho.

Embora haja uma resistência inicial por parte dos republicanos, por considerarem-na uma mera manobra política, a pressão exercida por Obama, pedindo que os dois partidos tenham a coragem política de seguir adiante, mesmo num ano eleitoral – ocorrerão eleições legislativas em novembro deste ano – pode levar as duas frações burguesas a um acordo.

E, para isso, mais uma vez os democratas sucumbem às suas próprias posições, defendendo medidas antiimigração mais duras que as do próprio ex-presidente Bush. As duas frações políticas do imperialismo norte-americano unem-se para enfrentar a crise econômica mundial atacando, como sempre, direitos e conquistas dos trabalhadores.

Unidade dos trabalhadores contra a reforma da imigração
Os dirigentes sindicais norte-americanos, em sua maioria base de apoio do Partido Democrata, levam a luta dos imigrantes a um beco sem saída. Defendem a aprovação imediata de uma lei de imigração e induzem os trabalhadores, e a comunidade latina em particular, a acreditar que a proposta dos democratas lhes é favorável.

Para que a classe operária norte-americana consiga superar esta situação, é necessário derrotar as políticas abertamente xenófobas da direita com a luta direta, como neste Primeiro de Maio, mas também desmascarar aquelas mais disfarçadas saídas do Senado com a benção de Obama.

A construção de sindicatos independentes e desatrelados do Partido Democrata, para que os trabalhadores possam decidir por seu próprio destino é uma tarefa urgente dos nativos e estrangeiros, que só poderão enfrentar a exploração capitalista, da qual a xenofobia é mais um aspecto, mostrando que a classe operária não tem pátria.