Definido o referendo como uma armadilha do governo, a maioria dos bolivianos se absteve ou anulou o seu votoLa Paz amanheceu tensa neste domingo, 18 de julho. Aqui, mais perto do céu do que nós brasileiros, mas com os pés fincados no chão, os bolivianos enfrentaram o referendo convocado pelo governo Carlos Mesa. Enfrentaram é a palavra certa, porque ao contrário do que se está dizendo na mídia, o dia não foi nada tranqüilo. O governo mobilizou um imenso operativo policial e militar para garantir a votação e habilitou uma linha de telefone gratuita para receber denúncias de tentativas de boicote.

Muita gente foi votar porque o voto era obrigatório e quem não vota tem problemas legais depois. O governo fez questão de deixar isso bem claro. Mesmo assim, não se sentia um grande ânimo nas filas, uma ânsia para votar. Foram inúmeras as urnas queimadas em El Alto, bairro que desde a noite anterior estava em pé de guerra, com bloqueios de caminhos e pneus queimados. Muitos votantes faziam questão de exibir seu voto anulado, antes de colocá-lo na urna.

O que mais se comentava na cidade era que essa era uma consulta “tramposa”, como dizem por aqui. “Tramposa” porque é uma “trampa”, uma armadilha do governo para escapulir da imposição feita em outubro quando, sublevada, a população já havia dado a sua opinião, reivindicando a nacionalização do gás.

Outra palavra muito usada por aqui nestes dias foi democracia. Se a primeira vinha da boca do povo, a segunda vinha do governo e de seus porta-vozes, incluindo todos os partidos políticos legalizados. Mas, ao que tudo indica, a grande jogada de Mesa para escapar da exigência de nacionalização do gás não vai dar certo. A população também acha que a participação direta na luta é o melhor caminho. E sabe que tanto faz dizer “sim” ou “não” no referendo, pois o governo vai continuar entregando o gás boliviano às transnacionais.

A fraude nas apurações foi descarada

O referendo terminou às 17h e às 19h já eram fortes os indícios confirmando todas as previsões: a fraude foi descarada.

Os resultados preliminares saíram a partir das 19h, quando ainda não havia transcorrido tempo suficiente para a contagem dos votos. Ainda assim, houve 41% de abstenção, quando na Bolívia a abstenção tradicionalmente fica entre 16% e 30%. Os votos nulos e brancos chegaram a 24%. Se somarmos 24% mais 41%, vemos que somente 35% das pessoas supostamente se pronunciaram pelo “sim” ou pelo “não”. Em Santa Cruz, a abstenção passou de 50%. Isso comprova que a manobra de Mesa para legitimar-se politicamente tem pouco alcance e a luta pela nacionalização do gás continua. Como disse Jaime Solares, presidente da Central Obrera Boliviana (COB): “A guerra contra esse governo agora vai se radicalizar”.

Para ser conseqüente e conseguir esse objetivo, a direção da COB deve convocar um Congresso de Base para traçar um plano de luta. Na atual etapa revolucionária que vive, a Bolívia deve estar inserida na estratégia de tomada do poder pelos operários e camponeses, aglutinados hoje em torno da Central. A essa tarefa, o MST boliviano, o único partido que, de forma conseqüente, chamou o boicote ao referendo, coloca todo seu empenho.

Post author Cecília Toledo, de La Paz
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