Presidente do Equador, Rafael Correa

Processos contra jornalistas fazem parte da escalada autoritária do governo equatorianoA decisão judicial que impõe multa de 40 milhões de dólares e prisão de três anos a um jornalista e três diretores do jornal El Universo, de Guayaquil, representa mais um passo na escalada autoritária do presidente equatoriano Rafael Correa.

A pena é resultado de um processo movido por Correa contra o jornal por “injúria”, devido a um artigo escrito pelo então editor de opinião, Emílio Palácio Urrutia. A decisão, porém, atinge também o presidente do jornal, Carlos Nicolás Pérez Lapentti e os diretores Carlos Eduardo Pérez Barriga e seu irmão César Enrique Pérez Barriga. A surpreendente sentença foi proferida por um juiz substituto, que já havia sido afastado do caso, e em um tempo recorde de apenas 33 horas para um processo cujos autos somavam mais de 5 mil páginas.

Ataque à liberdade de imprensa
Publicado em 6 de fevereiro e sob o título de ´No a las mentiras´ o artigo de Palácio contesta a versão oficial para os acontecimentos de 30 de setembro passado, cunhado pela imprensa equatoriana de “30-S”. Na guerra de versões, Correa se diz vítima de uma tentativa de ‘golpe de Estado´. Parte da imprensa e dos movimentos sociais do país, não ligados ao governo, contesta essa versão e afirmam que o que houve foi um protesto por salário insuflado por uma provocação do governo.

O jornalista Palacio compartilha dessa última versão. Quando o presidente, quatro meses após o ‘30-S´ começou a defender o indulto aos envolvidos no motim, o articulista publicou uma raivosa coluna denunciando o que entendia ser uma manobra do governo. O processo por injúria decorre do fato de Emílio Palácio chamar Correa de “ditador”, e responsabilizá-lo por mandar suas tropas abrirem fogo contra “um hospital cheio de civis e gente inocente”. Os confrontos daquele dia deixaram um saldo de 10 mortos e centenas de feridos.

Diante das denúncias de ataque à liberdade de imprensa, o presidente afirma estar somente defendendo a sua honra como “cidadão”. No processo que apresentou à Justiça, no entanto, Correa deixa claro que o cerne da questão não é a suposta injúria de “ditador”, mas o significado do 30-S. “O único que tentam é tergiversar a história, fazendo apologia dos delitos cometidos nesse dia, acusando-me vilmente e de forma dolosa que fui eu quem inventou tudo de maneira sangrenta e sádica esse ‘ show´ e mentindo a história querendo acusar-me que fui eu quem cometeu os delitos de lesa-humanidade e que fui eu quem ordenou um massacre. Essas mentiras e esse horrendo intento de manipulação à opinião pública, jamais poderão ser perdoadas e aceitadas” , diz a peça de acusação.

No processo movido pelo presidente, ele pede indenização de 80 milhões de dólares e prisão de três anos ao articulista e á direção do El Universo. O juiz aceitou o pedido de prisão e reduziu à metade a indenização, mas já o suficiente para fechar o periódico. Os réus podem recorrer ainda a três instâncias. Mas pode-se dizer que parte do objetivo de Correa já foi alcançado: intimidar a imprensa e as vozes dissonantes de seu governo.

E o presidente equatoriano não dá mostras de que vai parar. Recentemente moveu um processo contra outro jornalista, desta vez do jornal Hoy, da capital Quito. A revista de oposição “Vanguardia” já havia sofrido uma intervenção sob o argumento de sonegação. Uma nova lei tramita no congresso e deve aumentar ainda mais o controle sobre os meios de comunicação.

Escalada autoritária
A grande imprensa no Equador, assim com no resto do mundo, representa os interesses da grande burguesia, ou de pelo menos parte dela. No país de Correa, ela assume posições típicas de uma direita declaradamente reacionária. Sua polarização com governo, por outro lado, não transforma Correa num presidente “de esquerda”, como muitas vezes faz parecer no resto do mundo. Os anos Lula mostraram como um governo pode, ao mesmo tempo, manter o status quo e se indispor com parte da grande imprensa. No Brasil, claramente tucana.

O problema é que no país andino isso não se resume a uma mera briga. A ofensiva de Correa se inscreve numa escalada autoritária cujas maiores vítimas são os ativistas dos movimentos sociais que se colocam contra o seu governo. Mais de 300 pessoas, entre elas dirigentes indígenas e sindicais, enfrentam processos judiciais sob a acusação de “terrorismo”. Um dirigente estudantil, Marcelo Rivera, ex-presidente da FEUE (Federación de Estudiantes Universitarios del Ecuador), está preso por “agressão terrorista”.

O dirigente petroleiro Diego Cano, que chegou a ser convocado pelas autoridades devido aos protestos de servidores públicos no dia anterior ao 30-S, relatou em novembro último ao Portal do PSTU o processo de criminalização dos movimentos sociais e o controle do governo sobre a Justiça. “O presidente vai à TV e diz que Marcelo Rivera deveria ser preso, aí no outro dia um juiz pede a prisão dele, aqui a Justiça faz o que manda Correa” disse. “Aqui um país dito ‘democrático´, há sim presos de consciência, presos políticos”.

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