O engenheiro Nabor Oliveira Júnior e os dois filhos
Foto arquivo pessoal
Erika Andreassy, da Secretaria de Mulheres do PSTU

O que o assassinato de uma família seguido do suicídio de um engenheiro tem a nos dizer sobre a sociedade em que vivemos?

Na manhã deste dia 29, enquanto as atenções se voltavam a Brasília para o discurso de Dilma no processo de impeachment no Senado, no Rio um crime aterrador era descoberto. Uma família inteira era encontrada morta num condomínio de classe média na Barra da Tijuca, Zona Oeste da cidade.

Os detalhes da tragédia chocam ainda mais. Ao que tudo indica, o engenheiro de software, Nabor Coutinho de Oliveira Júnior, de 43 anos, assassinou a mulher, Lais Khouri, de 48, e os dois filhos pequenos, de 10 e 6 anos, suicidando-se em seguida. As notícias dão conta que Nabor primeiro matou a esposa a facadas na cama. Em seguida, tirou a vida dos filhos a marteladas e os jogou na varanda do 18º andar do prédio, atirando-se em seguida.

Na carta encontrada no apartamento, Nabor queixava-se de sua situação financeira e profissional e mostrava-se angustiado perante o futuro da família. “Está claro para mim que está insustentável e não vou conseguir levar adiante. Não vamos ter mais renda e não vou ter como sustentar a família“, dizia a carta, que ainda trazia frases como: “Sinto um desgaste profundo por ter falhado com tanta força, por deixar todos na mão. Mas melhor acabar com tudo logo e evitar o sofrimento de todos“.

O engenheiro mostrava-se ainda inseguro em relação ao atual emprego. “E, nos últimos dias, passei a ser menos envolvido ou copiado nos e-mails dos projetos que estão rolando. Pode ser cisma minha, mas parece que é um sinal de que não me querem mais lá“, afirmou na carta.

Nabor trabalhou por 18 anos na TIM, tendo se demitido em julho para trabalhar em uma nova empresa, chamada Datami, e tentar abrir um próprio negócio, que não teria prosperado. Segundo relatos de amigos e moradores do prédio, tratava-se de um homem normal, reservado, que levava os filhos para brincar e sem qualquer sinal que pudesse mostrar algum tipo de distúrbio. O porteiro revelou, contudo, que nos últimos dias o engenheiro andava mais sério, provavelmente por conta de sua situação financeira.

Sintoma de uma sociedade doente
Mesmo numa sociedade onde a barbárie avança a passos largos, o crime causa perplexidade. Não demorou muito para que “especialistas” fossem à imprensa prejulgar o engenheiro, “Ele deve ter passado a vida se achando poderoso, e a vaidade, a prepotência e a mente doentia e frágil o fizeram agir como um ditador. É uma pessoa que acha que tem a verdade e a razão a seu lado, que escolhe pelos outros, presumindo que sabe o que é melhor para a família”, chegou a afirmar um psicanalista ao jornal Estado de S. Paulo, mesmo sem ter, onde se sabe, conhecido o homem.

A carta deixada pelo engenheiro ainda está passando por perícia e ainda não se tem definidos os detalhes e reais motivos dessa tragédia. No entanto, em se confirmando o que já foi revelado, podem-se tecer alguns comentários sobre o caso.

É evidente que é impossível dissociar o crime do machismo que perpassa nossa sociedade. Tanto no assassinato bárbaro da mulher, injustificável sob qualquer perspectiva, independente dos motivos alegados na carta do engenheiro, quanto no papel de “chefe de família” frustrado em sua pretensa responsabilidade de provedor. Machismo que se concretiza em crimes diários e cada vez mais bárbaros e perturbadores como este caso.

Há, no entanto, outro aspecto negligenciado pelos “especialistas” de plantão, já que é mais fácil apontar um culpado de forma individual e não um problema social. A pressão permanente e cada vez mais insuportável por produtividade, sucesso profissional e a tudo o que é associado à estabilidade, parecem ser, se não os detonadores dessa tragédia, elementos fundamentais para se entendê-la.

Pressão essa exercida todos os dias, da escola, faculdade, passando pelos meios de comunicação, igreja, e todas as instituições que incutem o que seria uma ideia de uma vida aceitável sob o capitalismo. Padrão que fica cada vez mais difícil de se enquadrar num ambiente de recessão econômica, gerando uma frustração por vezes insuportável. Algo que atinge não apenas os mais de 11 milhões de desempregados nesse país, a esmagadora maioria de pobres, mas também um amplo setor de classe média que se vê de repente desprovida, por exemplo, de um plano de saúde.

Situação que torna a rotina no ambiente de trabalho num suplício diário, uma pressão permanente e um pavor cada vez mais desgastante de perder o emprego, ou de simplesmente ser “posto de lado”. Uma dura realidade que mina qualquer perspectiva de futuro.

Estudo publicado pelo British Medical Journal em 2009 revela que a crise mundial desatada em 2008 aumentou em 5 mil o número de suicídios em 27 países da Europa e 18 das Américas, sobretudo entre os mais jovens. Segundo a Organização Mundial de Saúde, a OMS, há mais mortes atualmente por suicídio do que por guerra ou homicídio. E o Brasil figura entre os 10 países com o maior número de suicidas.

Como não ver, nesse ato extremo de aparente loucura, sintomas de uma loucura coletiva ainda maior causada pelo capitalismo e uma crise econômica e social que exacerba as contradições que vivemos diariamente? Um sistema que cria uma sociedade doente e uma crise em que os elementos de barbárie se impõem cada vez mais?

Mas para a imprensa, apresentadores sensacionalistas e certos especialistas, é mais fácil apontar o dedo para o que seria uma anomalia, do que se enxergar como parte do problema.