Algumas propostas para o próximo Congresso da CUT

Segundo dados divulgados recentemente pela imprensa, este é um país onde “o negro entra mais cendo no mercado de trabalho, tem um carga horária maior e recebe R$ 344 em média, contra R$ 734 do branco“ (O Globo, 7/11/99). E mais: os negros formam 69,2% do setor mais pauperizado da população (os 20% mais pobres) e, em contrapartida, representam apenas 16,3% entre os 10% mais ricos, sendo que são tão poucos os negros que chegam a ser donos dos meios de produção que, estatisticamente, não há registro. Isso tudo quando somos algo em torno a 60% da população. Estes números nos fazem lembrar, mais uma vez, de uma frase pronunciada por pelo líder negro norte-americano Malcolm X nos últimos anos de sua vida: “não há capitalismo sem racismo“. Mesmo ciente de que o racismo não foi uma criação do sistema capitalista, Malcolm X, corretamente, identificou que a ideologia racista cumpre um papel fundamental dentro da lógica do sistema vigente. É peça fundamental para a criação de uma gigantesca massa de trabalhadores subempregados, desempregados ou empregados com salários aviltantes.

1. Nos oprimem como raça, nos exploram como classe…
Se essa era a realidade da década de 60, hoje, na Era do Globalização, só podemos afirmar que a situação é ainda pior. Um fato que foi mais uma vez constatado em uma recente pesquisa realizada pelo Instituto Sindical Interamericano pela Igualdade Racial (Inspir), responsável pela publicação de uma das mais abrangentes pesquisas sobre o tema, o “Mapa da população negra no mercado de trabalho no Brasil“, publicado em outubro de 1999, que apresenta dados levantados em seis das principais regiões metropolitanas do Brasil (Belo Horizonte, Distrito Federal, Porto Alegre, Recife, Salvador e São Paulo).

Dentre os vários dados levantados, e disponibilizados para todos sindicados da Central, vale citar um que indica de forma categórica não só a situação de superexploração em que vive a população negra, como também evidenciam a combinação de raça e classe no país:

Índice do rendimento médio mensal segundo
Raça e Sexo – Brasil – Regiões Metropolitanas – 1998


Fonte: Dieese/SEADE e entidades regionais, PED – Pesquisa de Emprego e Desemprego
Elaboração: Dieese
(*) Rendimento médio mensal do homem não-negro = 100
Obs.: Raça negra: pretos e pardos; raça não negra: brancos e amarelos

Crianças e jovens negros(as) começam a trabalhar mais cedo comparativamente aos brancos; 2) A jornada de trabalho dos negros(as) é duas horas superior a dos brancos; 3) Negros(as) trabalham mais e recebem menos; 4) O desemprego é maior entre negros(as) -, em média, o índice de desemprego entre os negros é 40% maior do entre os brancos.

Por fim, mas longe de menos importante, é fundamental ressaltar que a somatória das discriminações resultantes do racismo e do machismo atinge em cheio a mulher negra, tornando sua situação particularmente dramática. O contigente de mulheres negras em atividades domésticas é sempre muito alto em todas as capitais pesquisadas. Em Belo Horizonte, por exemplo, o percentual de negras emprego doméstico (31%) é mais do que o dobro do percentual de brancas (14,2%). No Distrito Federal, cerca de 45% das negras encontram-se ocupadas em atividades consideradas vulneráveis. Em Salvador, 36,2% das mulheres brancas concluíram o ensino universitário, contra apenas 10,9% de negras que conseguiram alcançar este nível de ensino. (p. 18).

Muitas são as conclusões que podemos abstrair destes números, contudo, uma constatação particularmente importante é que é exatamente em Salvador, onde concentra-se o maior contigente de “afrodescendentes“ (81,8%), que o salário de negros e negras atinge o patamar mais baixo. Um dado que se torna ainda mais grave, quando também se constata que é também em Salvador, a “capital negra“ brasileira, que encontra-se a maior desproporção entre negros e não-negros quando comparados em relação à presença em postos de direção e planejamento. Na capital baiana apenas 5,9% de negros ocupam tais funções, contra uma presença de 21,4% de não-negros nestes postos de trabalho; enquanto em S. Paulo, por exemplo, esta relação é de 8,7% (negros) e 18,0%. (Mapa/Inspir: 122).

Não por coincidência, também é em Salvador que verifica-se que também o desemprego atinge dos dois segmentos raciais de forma completamente desproporcional: na capital baiana, a taxa de desemprego entre os negros é 45% maior que entre os não-negros, um índice bastante superior ao encontrado nas demais regiões metropolitanas.

3. Nossas diferenças com a direção majoritária e sua política racial.
Diante destes dados, e milhares outros que poderíamos citar, só é possível chegar a uma conclusão: o racismo é também um questão de classe e isto tem sido assim há séculos. As conseqüências desta nefasta combinação todos conhecem: marginalização em todos aspectos da vida social (da escola à mídia; da local de trabalho à moradia); transformação de nossas crianças em vítimas em potencial da violência e da prostituição; segregação e humilhações sem-fim.

Contudo, mesmo diante desta realidade, há quem defenda que existe alguma possibilidade de a mesma burguesia que se encontra à frente das políticas práticas que incentivam o racismo, tome alguma iniciativa para reduzir seus efeitos ou até mesmo eliminá-lo. Só é assim que podemos entender a crescente tendência entre setores do movimento negro, inclusive dentro da CUT, em procurar “parcerias“ com entidades governamentais e patronais na “busca de soluções para o problema“.

Para estes setores, como demonstra, inclusive as conclusões apresentadas no documento do Instituto Interamericano, negros e negras podem ser “incluídos“ neste sistema através de mudanças na legislação trabalhista e na constituição. Podemos, como dizem os companheiros e companheiras adeptos desta ilusão, nos tornarmos “cidadãos“. Isso é, no mínimo, alimentar uma ilusão que nada tem a ver com a realidade. Não é verdade que somos simplesmente “excluídos“ pelo sistema capitalista. Pelo contrário. Na lógica da burguesia, negros e negras estão “incluídos“ nesta sociedade de uma forma bastante específica: como permanentes marginalizados, desempregados crônicas, exército de mão-de-obra barata.

Dentro da CUT, a crença nesta falácia tomou forma através da participação da Central, na figura de seu presidente, no Grupo de Trabalho para a Eliminação e da Discriminação no Emprego e na Ocupação (GTEDEO), formado pelo governo FHC e composto por ministérios e sindicatos patronais. Coerente com sua escolha pela “negociação permanente“, as “parcerias com setores patronais“ e o “diálogo sem fronteiras de classes“, a maioria da CUT insiste em defender que o GTEDEO é um caminho para se lutar contra o racismo; que, juntamente com o mesmo FHC que aplica os planos do FMI e acirra as conseqüências do racismo, será possível combater a discriminação, o preconceito e a marginalização.

E isto não é tudo. A maioria da direção insiste nesta política quando os próprios negros e negras da CUT são contra ela. O II Encontro do Coletivo Nacional de Negros Contra o Racismo (CNCDR) votou, por ampla maioria, a saída imediata da CUT do GTEDEO. A maioria, na Plenária Nacional, de forma absurda e inaceitável, desacatou esta resolução e reafirmou a continuidade dessa vergonha parceria com FHC que nada mais significa do que a legitimação do discurso do governo em relação à questão racial. Como também desrespeitou a resolução que reinvidicava a formação de uma Secretaria de Negros e Negros na direção e a não utilização dos recursos do FAT.

A mesma lógica que leva a CUT a sentar com o governo e os patrões para discutir como acabar com o racismo que tanto lhes beneficia, faz com que a maioria tenha como “eixo“ de sua atuação a defesa da aplicação no Brasil da Conveção 111 da OIT, alimentando a ilusão de que este é o caminho para eliminar o racismo no mercado de trabalho. Não temos nada contra medidas legais para combater o racismo, mas, se não bastasse o fato de que o Brasil é signatária da tal convenção há mais de 40 anos (desde 1958) e não fez absolutamente nada para reverter a situação, é bom lembrar que há 12 anos nossa Constituição determina que racismo é crime inafiançável, mas, até hoje, na prática, não levou sequer um racista à cadeia.

Para nós, no entanto, um programa e uma discussão específicos para negros e negras, coloca-se no marco de um programa socialista. E mesmo a especificidade no tratamento da questão racial deve levar em consideração que, dado o seu caráter intrinsecamente ligado à estrutura de classe da sociedade capitalista, como também a utilização que o capitalismo faz das diferenças raciais para super-explorar e oprimir enormes setores. Por isso, defendemos que o racismo e todas as formas de preconceito e discriminação – racial, de gênero, por orientação sexual, etc. – só poderão ser totalmente eliminados nos marcos da construção de uma nova sociedade, a sociedade socialista.

Isto, contudo, não significa que a questão racial seja secundária em relação às demais tarefas colocadas para os trabalhadores brasileiros no processo de construção da revolução, pelo contrário, a luta contra o racismo e a opressão, pela conquista da liberdade e da igualdade do povo negro em relação aos demais setores étnicos da população é parte essencial desde processo e deve ser objeto de planejamento que compatibilize com as demais tarefas imediatas colocadas diante de nós.

Do ponto de vista organizativo, por fim, cabe destacar que a Comissão Nacional Contra a Discriminação Racial (CNCDR) da CUT, criada em novembro de 1992, pode e deve ser um importante instrumento na luta dos negros e negras – que se encontram dentro ou fora do mercado de trabalho – não só contra a opressão e discriminação racial, mas também contra a exploração capitalista.

Por essas e outras, reafirmamos que a luta contra o racismo só pode se dar através da organização negros e negras em aliança com a classe operária, a juventude e todos os demais setores explorados e oprimidos da sociedade. Que lutar contra o racismo é lutar também contra o sistema que dele se beneficia. Que nossa luta não é pela tão alardeada “cidadania negra“, defendida pela maioria, mas sim pela real libertação de negros e negras, no marco da luta de classes. Que esta é uma batalha que só pode ser travada com Raça e Classe. Por isso propomos:

1. Que a direção respeite a resolução do CNCDR e retire-se imediatamente do GTEDEO.

2. Que também em respeito às resoluções do CNCDR, seja formada uma Secretaria Nacional de Negros e Negras da CUT.

3. Além de formar sua própria Secretaria, a direção da Central deve orientar e instrumentalizar a ação dos sindicatos no que se refere à questão racial. Neste sentido, a CUT também deve orientar as chapas que concorrerem às direções sindicais, no campo cutista, a apresentar propostas (políticas e organizativas) sobre o tema.

4. Que a CUT adote como seu programa de combate à discriminação racial, as resoluções aprovadas nos encontros do CNCDR. Ressaltamos a importância deste ponto lembrando que, apesar de termos certeza de que a luta contra o racismo só poderá ser totalmente vitoriosa em um embate sem tréguas contra o capitalismo, ela deve ser travada desde já e cotidianamente ou que a questão racial deva ser secundarizada. Pelo contrário. A luta contra a opressão racial, pela conquista da liberdade do povo negro, é parte essencial de nossa luta cotidiana contra o capitalismo. Neste sentido, é fundamental que a Central Única dos Trabalhadores e o conjunto de seus membros (sindicatos e militantes) realizem atividades constantes e sistemáticas visando a luta contra o racismo

5. Que a CUT, através do CNCDR, promova um profundo debate sobre o que foi a III Conferência Mundial contra o Racismo, realizada em Durban, na África do Sul.

6. Que a CUT desde já inicie a organização de uma jornada de luta e de uma Marcha à Brasília no próximo 21 de Março – Dia Internacional de Luta pelo fim da Discriminação Racial (em memória das vítimas de Sharpeville, África do Sul, em 1960.

7. Que a CUT incorpore em seu calendário de luta o 20 de novembr0, Dia Nacional da Consciência Negra, incorporando uma homenagem a João Cândido, o marinheiro negro líder da Revolta da Chibata, símbolo da unidade entre raça e classe na luta contra o racismo.

8. Que a CUT estreite seus vínculos com o movimento negro organizado, a juventude e os demais setores oprimidos e marginalizados da sociedade podem levar a cabo a luta contra o racismo.

9. Que a Central intensifique a denúncia de toda e qualquer instituição, organização, entidade ou indivíduo que pratique a discriminação racial. Particularmente no que se refere ao mercado de trabalho, a CUT deve denunciar todo aquele que obstrua a entrada de negros e negras no mercado, dificulte sua ascensão e promoção profissional e estabeleça critérios de remuneração diferenciada ou se omita diante de manifestações racistas dentro das fábricas e empresas. Para tal, a CUT (sempre que necessário) deve mobilizar sua estrutura militante, jurídica e material.

10. Que a Central incorpore a defesa da vida e da liberdade imediata do jornalista negro (e ex-dirigente dos Panteras Negras) Múmia Abu Jamal como uma de suas tarefas sistemáticas.