Dayse Oliveira e Wilson H. Silva
Marta Zerbazzi

A mesa “Negros e negras, as reformas neoliberais do governo Lula e a necessidade de um debate de raça e classe”, realizada na manhã do dia 29, no Fórum Social Mundial, reuniu cerca de 170 pessoas e serviu como palco para um intenso debate sobre o racismo, a ausência de políticas concretas, por parte do governo Lula, em combater a opressão racial e a necessidade de construir mecanismos que permitam a negros e negras combaterem a opressão racial em combinação com a luta contra a exploração capitalista.

O debate foi promovido pelo jornal Opinião Socialista e pela Secretaria de Negros e Negras do PSTU (SNN) e foi conduzido por dois de seus membros: Dayse Oliveira e Wilson H. da Silva.

Afirmando que o racismo é uma questão de poder, Wilson discutiu sua dimensão ideológica, expressa desde as piadas até a vinculação da negritude a tudo que há de negativo na sociedade, e sócio-econômica, apresentando dados que demonstram que negros e negras são a maioria dos desempregados, dos precarizados e dos que se encontram entre aqueles que recebem os piores salários.

Segundo Wilson, “todos os dados indicam que o racismo é algo extremamente lucrativo para a elite, branca, dominante; a situação de negros e negras neste país é uma triste confirmação daquilo que Malcolm X disse há cerca de 40 anos: não há capitalismo sem racismo. Mesmo não tendo inventado a discriminação racial, o racismo tornou-o parte fundamental em seus mecanismos de superexploração de enormes setores da população. Mecanismos que Lula e seus aliados não pensam e não vão mudar de forma alguma”.

Referindo-se ao tema, Dayse lembrou que, apesar da criação da Secretaria Especial para Políticas de Promoção Racial (Seppir) e de todo falatório sobre as medidas que o governo pretende tomar para combater o racismo no país, “já está mais do que evidente que este governo não quer e não pode combater o racismo de fato. Não quer porque está com o rabo preso em seus aliados ultraconservadores; não pode porque, tendo como prioridade a submissão ao FMI e ao capital, Lula jamais investirá um centavo em projetos que, realmente, combatam a discriminação”.

Ainda segundo Dayse, é sob esta ótica que devemos analisar projetos como o de cotas apresentado no interior da reforma universitária ou o de colocação de negros e negros em universidades privadas: “ambos projetos, além de serem utilizados como tentativa de ganhar o apoio da população negra para a reforma Universitária, não são medidas reais contra o racismo. Defendemos, sim, cotas, mas integralmente proporcionais à população negra em cada região; por outro lado é um absurdo que Lula institucionalize a ‘regra’ de que negros e carentes devem estudar nas piores escolas. E mais: este governo também jamais destinará um centavo sequer para garantir a permanência daqueles que vierem a entrar na universidade”.

`FotoDentre as várias contribuições dadas pelos participantes do debate, foram destacados temas como a reciclagem permanente da ideologia escravista, a crescente manifestação de neofascistas, a necessidade de buscar alianças com outros setores vitimados pelo racismo, como os povos indígenas, e com os movimentos, popular, sindical e estudantil.

Em sua fala final, Wilson destacou que os encontros da Coordenação de Luta dos Movimentos Populares (CLMP) e da Coordenação de Lutas dos Estudantes (Conlute) haviam aprovados resoluções no sentido de buscar levar o debate racial para o interior das entidades que as compõe. Uma postura que também deve ser aprovada no encontro da Coordenação Nacional de Lutas (Conlutas), que ocorrerá amanhã, dia 30.

FSM: uma triste história em relação a negros e negras

Desde sua primeira edição, a organização do Fórum tem produzido situações, no mínimo, discriminatórias em relação aos temas relacionados à opressão, particularmente no que se refere a negros e negras. Na primeira edição, as atividades relacionadas à questão racial foram colocadas a quilômetros de distância do prédio da PUC, onde ocorriam todos os principais debates.

Revoltados com este situação (uma reprodução perversa da lógica da casa grande e da senzala, ou ainda da marginalização permanente da população negra), os participantes rumaram em passeata e, literalmente, invadiram o local “nobre” do Fórum.

Agora, todas as atividades relacionadas com a opressão (machista, homofóbica e racista) foram agrupadas em um único local, no Cais do Porto. A idéia até mereceria elogios se não fosse um porém: as divisórias de compensados e os tetos vazados praticamente inviabilizaram alguns debates e a situação, muitas vezes, ficou insustentável.

Foi o caso da mesa promovida pelo Opinião Socialista e pela SNN. Numa estranha coincidência, a única atividade de negros e negras marcada por uma oposição aberta ao governo, foi colocada num local “cercado” por duas outras salas aparelhadas por poderosas caixas de som, tornando praticamente impossível o debate no interior da sala, já muito pouco se podia ouvir.

Apesar de reclamar inúmeras vezes, exigindo a presença de algum responsável pela situação (que só surgiu depois de uma ameaça de sair do local em passeata), os membros da SNN constataram, inclusive que as mesas promovidas pelas barulhentas salas não tinham sequer a metade do número de pessoas que estavam participando do debate racial.

Diante da situação, Wilson foi obrigado a abandonar o debate por alguns minutos para tentar uma solução. Temendo que a passeata realmente saísse, os “organizadores” prometeram abaixar um pouco o volume do som das salas, o que só ocorreu uma hora depois do debate ter sido iniciado.

Se isso não bastasse, ao meio-dia, afirmando que o prazo do debate havia se esgotado, houve uma tentativa de esvaziar a sala, o que foi imediatamente repudiado pelos participantes. Resultado: minutos depois os vaporizadores, utilizado para amenizar o enorme calor que está fazendo em Porto Alegre, foram desligados. Mesmo assim, a quase totalidade dos participantes resistiram bravamente, até o fim do debate, por volta das 13h15.