Capa da Folha de S. Paulo na Internet

Grande imprensa ataca greve no metrô em São Paulo e empreende campanha contra trabalhadoresA poderosa greve dos metroviários e ferroviários de São Paulo provocou e segue provocando a ira da arrogante elite paulistana. Trata-se de um enfrentamento de enormes proporções, não apenas pela importância estratégica do controle sobre os transportes, mas também porque, no Palácio dos Bandeirantes ou nos corredores da FIESP, há uma gente que não suporta ser contrariada.

E dentre tantos aspectos desse conflito que mereceriam uma apreciação, um destaque a parte deve ser dado ao papel cumprido pela grande imprensa da cidade e do país. Em uma sólida unidade com Alckmin e o TRT, a mídia desenvolveu uma odiosa campanha abertamente contra a paralisação do metrô. De tradicionais advogados da “imparcialidade”, grandes jornais e emissoras de rádio e TV passaram a uma ofensiva ideológica sem escrúpulos com o intuito de desmoralizar e criminalizar o exercício do direito de greve por parte dos metroviários.

Todos contra o “caos”
Nesse sentido, o rol de argumentos desenvolvidos pelos grandes meios de comunicação não admitiu sutilezas. “Irresponsáveis” e “abusivos” foram alguns dos adjetivos mais brandos comumente associados aos trabalhadores, seu sindicato e a greve.

Sem exceção alguma, todos os principais veículos empreenderam uma agitação sem trégua, que talvez tenha sido mais bem sistematizada no editorial da Folha de São Paulo que abordava os acontecimentos do dia 23 de maio como consequências de uma “greve contra São Paulo”.

Em sua cruzada hipócrita na “defesa de milhões de prejudicados”, a imprensa esteve inteiramente alinhada com o governador Geraldo Alckmin e sua posição de que a greve “não fazia o menor sentido”. E para comprovar tal tese, Folha, Estadão, Globo, CBN e tantos outros desfilaram dados e mais dados sobre os “enormes congestionamentos causados pelo tulmulto”, sobre os “milhões de trabalhadores afetados em seu deslocamento ao trabalho” ou sobre “o incalculável prejuízo gerado à atividade econômica da cidade”.

Como motivação para o inexplicável prazer dos sindicalistas em levar o “caos” à maior metrópole do país, eis que a grande imprensa foi capaz de revelar um grande segredo: haveria por trás da infame greve interesses “políticos” e eleitorais. Assim, estava tudo explicado. Havia um “grupelho radical por trás de tudo”.

Por sua vez, a existência de ditas más intenções tornava legítima a intervenção decidida da Justiça, através do TRT, “estabelecendo limites” para a luta reivindicatória. Nunca deixando de reconhecer formalmente “o legítimo direito de greve”, a imprensa saudou com entusiasmo a determinação do Tribunal Regional do Trabalho de que 100% dos trabalhadores deveriam manter seus postos nos horários de pico e 85% nos demais períodos.

De conteúdo, a campanha midiática contra os metroviários tinha o objetivo consciente de, mais que reproduzir idéias do senso comum, empreender uma disputa pela consciência mais geral da população acerca da vida em uma grande metrópole. A impressão que se tinha ao ser bombardeado pela nojenta carga ideológica emanada pela imprensa era de que, não fossem ambições de uma minoria, projetadas para um ano eleitoral, a cidade viveria mais um dia agradável, em que os trabalhadores poderiam se deslocar tranquilamente pela cidade. E que não fosse o gosto de sindicalistas bitolados pelo confronto injustificável, a população poderia, mais uma vez, transitar em paz por São Paulo e não haveria caos.

Mas será então que a maior cidade do Brasil oferece cotidianamente tranqüilidade aos usuários de seu sistema público de transporte? A regra do dia-a-dia, então, é que se transita com ampla facilidade pelas vias da cidade quando nenhuma greve nos “atrapalha”? O fato é que, ao menos que se tenha algum motivo para ser benevolente com o governo e a Prefeitura, não é tão difícil perceber que São Paulo vive o caos nos transportes durante todos os 365 dias do ano.

De que “caos” estão falando?
Primeiramente, atentemo-nos a uma mentira. Não é verdade que o recorde histórico de congestionamento nas vias paulistanas tenha sido o dos 249 km registrados no dia da greve – conforme foi unanimemente divulgado pela mídia. A própria Folha de São Paulo noticiou em 10 de junho de 2009 os 293 km de retenção registrados pela CET. A mesma medição já aferiu pelo menos algumas dezenas de vezes, congestionamentos superiores à ordem dos 200 km. E, exceto no dia 23 de maio de 2012, em nenhum desses casos havia greve nos transportes. O trânsito insuportável – ou “caos”, se preferirem – é estrutural e cotidiano em São Paulo.

Essa situação foi gerada pela implementação por décadas de uma política de transportes que privilegiou, em todos os sentidos, a expansão da modalidade rodoviária, sobretudo individual. Durante os últimos 20 anos de governos do PSDB, a Secretaria Estadual de Transportes é dirigida segundo os interesses de grandes empresas que exploram os serviços de transporte, sobretudo rodoviário, ao invés de responder ao interesse elementar da maioria: locomover-se com rapidez, conforto e sem pagar uma fortuna por isso.

O resultado dessa política de privilégio ao transporte individual é concreto. Há anos que São Paulo recebe investimentos muito superiores no alargamento de avenidas, pontes e viadutos do que na expansão do transporte de massas. Segundo estudo da Rede Nossa SP, as gestões Serra e Kassab orçaram cerca de R$4 bilhões para grandes obras viárias, entre as quais a ampliação da marginal Tietê. Esse valor equivale a 4 vezes o que foi previsto para obras no transporte sobre trilhos. Se a prioridade fosse invertida, com o mesmo dinheiro poderiam ter sido construídos mais 20 km de metrô, ou seja, aumentar suas linhas em um terço.

Nos últimos 15 anos, os trilhos do metrô de São Paulo cresceram, em média, 1,2 km por ano. Nesse ritmo, o governo do Estado vai levar 120 anos para triplicar a malha – o que já é a necessidade para absorver a demanda atual. Contando com 5 linhas e 74,3km de trilhos, o metrô da maior metrópole brasileira transporta 4 milhões de usuários por dia – o que o torna o metrô mais superlotado do mundo. E Alckmin não dá sinais de que pretende mudar essa situação.

A verdade é que, durante os últimos três anos, o investimento em transportes públicos tem se mantido em patamares absolutamente incompatíveis com o crescimento da demanda – 0,5% do PIB em 2009, 0,6% em 2010 e 0,7% em 2011. E é assim que os “senhores da razão” nos conduziram a uma situação completamente irracional: São Paulo, que já registra a proporção de 1 carro para cada 1,8 habitantes, oferece à sua população um tempo médio de deslocamento de casa ao trabalho de 1h40’, ida e volta. Novamente, se preferirem, “caos”.

Omissão consciente de informações
Pelo seu compromisso com o governo, mas também com a ideia mais geral de que os trabalhadores devem se submeter calados ao que lhes oferecem os patrões, é que as grandes agências de notícias omitiram, pelo menos, três informações importantes sobre a greve do metrô, a saber:

1) O governo escolheu que a população não pudesse usar o metrô durante a greve. Durante as negociações na campanha salarial, o Sindicato dos Metroviários propôs ao governador que, durante uma eventual greve, as catracas do metrô fossem abertas para seus usuários e, caso assim fosse, os trabalhadores deram garantias de que continuariam trabalhando normalmente. Assim, estaria garantido o direito de protestar por melhores salários e a população não seria prejudicada. O governo não aceitou e, assim, optou por impedir o uso do metrô, com a estratégia de lançar a opinião pública contra a greve.

Esse fato foi severamente ocultado pela mídia, porque divulgar essa informação desmontaria a acusação de que os trabalhadores, em seu egoísmo, desprezaram o interesse da maioria da população, quando na verdade eles sequer queriam que o metrô parasse de funcionar.

Do ponto de vista ideológico, a grande imprensa também não toleraria que as pessoas comuns cogitassem que, diante de um conflito salarial, uma empresa pode abrir mão de seu lucro para não causar transtornos à maioria. Afinal, os trabalhadores devem acreditar que são eles sempre quem devem se sacrificar pelo bom funcionamento da sociedade.

2) O metrô é uma empresa superavitária e poderia ter concedido um reajuste maior para evitar a greve. Para insuflar o povo contra a greve, a imprensa inverteu a realidade a tal ponto que quis fazer parecer que os metroviários eram privilegiados, “com rendimentos muito superiores ao da maioria da população paulistana”. Para isso, teve que ocultar o fato de que a proposta inicial de reajuste oferecida pela empresa foi inteiramente desproporcional à sua lucratividade.

Entre 1995 e 2011 as tarifas do metrô subiram 263%, ao passo que a inflação no mesmo período foi de 131%. O preço extorsivo dos bilhetes, hoje em R$ 3, combinado com a redução do quadro de funcionários e o rebaixamento dos gastos em manutenção, tornou o metrô um negócio extremamente lucrativo. Enquanto, cada vez mais, transporta a população como se fosse gado, o metrô chega a repassar anualmente cerca de R$1 bilhão de volta ao governo.

Se a mídia não omitisse a situação financeira da empresa, teria maiores dificuldades em sustentar a ideia de que a reivindicação salarial dos metroviários era “completamente descabida”.

3) O direito de greve foi, sim, atacado. É vergonhoso que a grande imprensa tenha naturalizado o entendimento do TRT sobre a greve. Nem sequer nos períodos de normalidade o metrô opera no ritmo que o tribunal exigiu. A resolução do TRT, uma provocação, ordenava que, em sua greve, os trabalhadores trabalhassem ainda mais que fazem cotidianamente. E a mídia escondeu esse fato.

O grande subterfúgio era o de que se tratava de um “serviço essencial”. É uma lógica completamente torta, pois se o setor é essencial, esse deveria ser mais um motivo para que seus trabalhadores fossem valorizados, afinal de seu trabalho depende uma parcela enorme da população.

Passada a greve, a imprensa segue vibrando com a possibilidade de que a greve seja julgada ilegal e com o aceno de que o sindicato seja multado em R$ 1 milhão. Afora o discurso do “serviço essencial”, a realidade é que a mídia trabalha para desmotivar e deslegitimar qualquer greve, em geral. Jamais se viu um grande veículo de imprensa manifestar simpatia por nenhuma greve de qualquer setor não-essencial.

A contribuição dos grandes meios de comunicação à criminalização da greve do metrô é ainda mais consciente porque há, justo agora, outras greves de peso acontecendo no país e a grande imprensa, assim, favorece a possibilidade de que sejam todas criminalizadas. Afinal, os operários da construção civil são “vândalos” e os professores das universidades federais também estão “prejudicando 1 milhão de alunos”.

As idéias justas são mais fortes
A campanha ideológica da grande mídia é forte e vai continuar. Mas, longe de desanimar os que lutam por um futuro melhor, ela só vai nos encorajar. O caráter reacionário da grande mídia se explica pelo seu elevado grau de monopolização e vinculação direta e indireta a grandes grupos econômicos e políticos. No entanto, apesar de que na sociedade capitalista a propriedade e o acesso aos meios de divulgação das idéias é perversamente desigual, são situações como essa que dão aos socialistas ainda mais convicção de seu pensamento.

Os poderosos, para justificar seus privilégios, precisarão sempre ocultar a verdade. Os socialistas, ao contrário, para lutar contra a injustiça, só precisam desvelá-la e nela se apoiar. E é, também, por isso que eles têm a certeza de que, cedo ou tarde, triunfarão. Suas idéias são mais fortes, porque eles não precisam temer a verdade.

* Com informações do ILAESE