Um certo mistério envolve a chamada “independência do Banco Central”, proposta do novo governo. o mistério é maior porque o BC já goza de grande independência e determina de fato os rumos da política econômica.

Ninguém bem informado duvida que o Banco Central (BC) conduz a política econômica. Basta ver a primeira grande decisão de política monetária no governo recém instalado. Aumentou ainda mais a já elevadíssima taxa básica de juros da economia. Com isso, a sociedade ficou sabendo que vai continuar sofrendo a mesma política recessiva do governo anterior.
Com essa recente elevação da taxa de juros, diga-se de passagem, o novo governo empossado em janeiro começou a mostrar sua verdadeira cara. Não com palavras, com atos. Nas economias dominantes (Estados Unidos, União Européia e Japão) os respectivos BCs não param de reduzir as suas taxas básicas de juros, todas já próximas de zero. Lá, as autoridades utilizam os seus BCs para escapar da crise econômica global. Aqui, o BC utiliza-se de um governo, que tem o respaldo da maioria da classe trabalhadora, para seguir mergulhando a sociedade em uma devastadora crise econômica.
Mas mesmo essa grande autonomia do BC brasileiro agora é insuficiente. Para os donos do capital mundial, ela ainda é muito informal, instável, sujeita a possíveis influências de grupos políticos internos e interesses capitalistas nacionais. Eles sabem que o que vem pela frente exige mudanças radicais no velho BC.
O novo governo brasileiro tem demonstrado uma invejável clareza do que ele precisa fazer para garantir a sua governabilidade: tomar decisões econômicas de acordo com as ordens recebidas do capital financeiro internacional. A qualquer custo. O que ele propõe, agora, da maneira mais simples e brutal, é a independência absoluta do BC frente às leis e às autoridades brasileiras.
Duas coisas muito importantes (e novas) estão por trás desta proposta. A primeira é que a moeda brasileira está derretendo. O crédito externo continua fechado para o país. A conexão ao sistema financeiro internacional está interrompida. Já se esboça até uma debandada de bancos estrangeiros. A lembrança da experiência argentina ainda está muito fresca nas cabeças desses banqueiros.
Com essa carência de refinanciamentos para a rolagem da divida externa, a possibilidade de que ocorra uma incapacidade do Brasil honrar os pagamentos externos é mais do que concreta. Haverá proximamente alguma forma de “reestruturação” da dívida externa (e interna). Isso, para o mercado, quer dizer calote, cessação de pagamento das dívidas. Mas os credores externos não podem perder nada nesta derrocada brasileira, que se segue à da Argentina. Para enfrentar essa tempestade o BC terá que agir pesado. Com toda desenvoltura, quer dizer, independência.

Independência do BC e dolarização

Nestas condições que se avizinham, o que restará da moeda brasileira? Quase nada. Reparem que não se trata de uma mera repetição das crises financeiras dos anos oitenta e noventa. O tamanho da crise econômica mundial não dará nenhum espaço para que essas economias dominadas da América Latina mantenham suas moedas nacionais intermediando os fluxos de capitais externos. Um novo sistema financeiro, com baixíssimo quociente de participação nacional, tem que ser pensado e implantado nestas devastadas economias. A abolição das moedas nacionais e a dolarização completa foram as saídas encontradas pelo sistema imperialista para que pequenas economias latino-americanas, como o Equador e El Salvador, continuassem funcionando. Uma coisa muito semelhante está se preparando para os destruídos sistemas monetários nacionais do Brasil e Argentina. Os BCs das duas maiores economias da América do Sul seriam então reformados e, finalmente, transformados em dois departamentos subalternos do Federal Reserve (Fed), o Banco Central dos Estados Unidos. Com toda independência, of course.
A segunda coisa importante que está por trás desta súbita decisão de se conceder a independência para o BC é a necessidade de expansão do comércio dos Estados Unidos para o Brasil. A Área de Livre Comércio das Américas, a famigerada Alca, é o instrumento proposto. Mas engana-se quem imagina que a Alca seja um mero movimento comercial, de compra e venda de mercadorias, um mero acordo de livre comércio no sentido tradicional. O mais importante serão os acordos de livre movimento de investimentos nos setores de serviços (financeiros, turísticos, educação, mídia, lazer, imobiliários, etc.) mas também e principalmente no agrobusiness, com a aquisição de grandes extensões de terras, incluindo territórios de florestas, como na Amazônia.
Toda essa avalanche de investimentos mercantis e de aquisições de gigantescas propriedades territoriais exigirá garantias internacionais de propriedade, de indenizações dos governos para qualquer infração dos artigos e regulamentações do acordo e, finalmente de livre movimento para entrada e saída de moedas, investimentos, mercadorias e lucros. Esse verdadeiro caráter da Alca exigirá a ausência dos atuais controles e regulamentações exercidos pelo velho BC.
Mas aqui já estamos antecipando uma situação em que o governo nacional terá sido totalmente degradado para funções puramente administrativas, de repressão social e de manutenção da ordem “democrática” no novo território econômico, depois da eliminação da soberania do velho Estado nacional.
Um governo que não governa porque não tem mais moeda. Um governo que apenas segue ordens do capital financeiro internacional. De todo modo, essa estratégia imperialista procura agora dar mais um passo decisivo para sua realização no Brasil: a misteriosa independência do Banco Central, que está sendo proposta pelo governo da esperança recém instalado em Brasília.

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Post author José Martins,
Professor de Economia Internacional
Publication Date