Nas últimas semanas assistimos a uma redução acelerada do valor do Real em relação ao Dólar, muito semelhante a uma descida de tobogã: rápida e bem inclinada. Em 28 de fevereiro, era necessário R$ 1,7 para a compra de 1 dólar e em 22 de maio já eram necessários R$ 2,1. Isto é, uma desvalorização de 23,5% em 3 meses. Isto significa que o Brasil ficou, neste período, muito mais pobre em sua relação comercial com os demais países.

No entanto, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, afirmou no dia 15 de maio que a alta do dólar não preocupa, mas sim, ajuda a economia brasileira ao aumentar a competitividade para os produtos nacionais: “Significa que a indústria do país pode competir melhor com os produtos importados, que ficam mais caros, e também exportar mais barato para o exterior”.

Para nós, trabalhadores que recebemos nossos salários em Real e fazemos nossas compras no supermercado da esquina, fica difícil entender como a perda de 23,5% do valor Real, e, portanto, de nosso poder de compra – embora não na mesma proporção – podem ser bons para a economia brasileira. Isto nos leva a perguntar: afinal, a quem interessa a desvalorização do Real?

À primeira vista, a resposta do ministro parece satisfazer a todos os brasileiros: os produtos brasileiros podem competir melhor no mercado interno, pois os importados ficam mais caros, e as exportações brasileiras aumentam, pois nossos produtos estão 23,5% mais baratos no mercado internacional. Isto é, o Brasil vai bem, obrigado.

Porém, em nenhuma destas duas “melhorias” – do mercado interno e do mercado externo – os trabalhadores são beneficiados. Vejamos por que.

Como os mercados interno e externo reagem à desvalorização
Em relação ao mercado interno, o aumento da competitividade da indústria nacional não significa redução dos preços, como o governo e a imprensa sempre tentam dar a impressão. Ocorre o contrário, mas os preços nem precisam aumentar, pois o Real de nosso salário perdeu poder de compra com a desvalorização. Isso não é sentido de imediato na compra do mês, mas esta perda virá, aos poucos, na forma de inflação. Pois a economia geral do país, completamente relacionada à economia mundial, “sente” a desvalorização do Real como um aumento dos preços. E aumento de preços é igual à inflação.

Como isto pode ocorrer, na prática? Vejamos primeiro os resultados da inflação de abril: o IPCA aumentou em relação ao mês anterior. Segundo o ministro a culpa foi do aumento dos preços do cigarro, do feijão e do salário dos empregados domésticos. Sempre tem um culpado, mas o fato é que a inflação aumentou, coincidindo com a desvalorização do Real.

O primeiro aspecto é que nossa economia acompanha os preços internacionais, ditados pelo dólar. Isso se dá porque os patrões, para “não perder sua competitividade”, aumentam os preços para compensar as perdas decorrentes da desvalorização do real. A segunda é que hoje praticamente já não existem “indústrias nacionais”.

No ramo automobilístico, quase 100% das empresas – montadoras e fornecedoras de autopeças – são multinacionais. Mas isso se dá no ramo alimentício também, que atinge o bolso de todos os trabalhadores. Basta pegar um produto alimentício ou de higiene industrializado qualquer e ler no rótulo quem o produz: Proctor&Gamble, Unilever, Nestlé, Parmalat, etc.

E, com a desvalorização do Real, a entrada de multinacionais aumenta sem parar, pois o preço das empresas nacionais fica menor em relação ao dólar. Uma leitura de jornal em apenas um dia mostra-nos isso. No jornal Valor de 25 de maio, página B5 é anunciada a venda da Yoki (e Kitano) para a General Mills, empresa americana. E da Quero para a Heinz, também americana. E, inclusive, a compra de ações da WOW! Nutrition, que fabrica os adoçantes Gold e os sucos Sufresh, pelo banco norte-americano J. P. Morgan. A WOW! Nutrition, claro, já é uma multinacional.

Estas duas situações, de necessidade de competição no mercado externo e de desnacionalização da economia, levam ao aumento de preços devido á desvalorização do Real.

E a melhoria das exportações devido à desvalorização, conforme o ministro afirma, beneficia a economia? Este é outro engano que o governo Dilma (e o de Lula, e o de FHC, e a ditadura, que tinha como lema “exportar é o que importa”…) quer nos fazer engolir. O país, de fato, vai exportar mais com a desvalorização do Real. Afinal, nossos produtos ficarão mais baratos no exterior. Mas isso não quer dizer que nosso país ficará mais rico com isso, e sim os compradores estrangeiros ficarão mais ricos, pois comprarão a mesma quantidade de produtos por um preço menor. O Brasil precisará vender 23,5% a mais em quantidade para que entre o mesmo valor em Real no país! Em resumo, o país não sai beneficiado com o aumento das exportações. Ao contrário, fica mais pobre.

Quem sai beneficiado?
Então, quem são os verdadeiros beneficiados por esta operação de empobrecimento do Brasil e de seus trabalhadores? Os primeiros, já se percebe claramente: as multinacionais, que poderão comprar empresas nacionais gastando uma quantidade menor de dólares, bem como comprar nossos produtos de exportação gastando menos.

Mas, o que resta das empresas nacionais e as multinacionais instaladas no Brasil também ganham muito com isso. Em primeiro lugar, porque a população precisa comer, comprar produtos de higiene e limpeza. E os setores mais pobres gastam 35% de seus salários com estes produtos. Isto é, mesmo com aumento de preços, continuarão comprando os produtos de primeira necessidade.

Em segundo lugar, o governo Dilma vem fazendo uma série de concessões às fábricas de produtos mais caros (automóveis, eletrodomésticos, computadores) para que mantenham suas vendas, através do “Plano Brasil Maior”. Redução do IPI na venda de automóveis e eletrodomésticos, financiamento para as empresas de construção civil e redução do valor pago ao INSS pelas empresas. Por exemplo, a MP 563 reduz este valor para os setores de serviços e indústria de transformação. As empresas dos setores de tecnologia da informação (TI), tecnologia da informação e comunicações (TIC), call center e hoteleiro trocaram a contribuição patronal (20%) pela contribuição de 1% ou 2% sobre o faturamento bruto.

Em outras palavras, o Brasil vai ficar mais pobre, vai perder suas empresas, o Estado vai arrecadar menos em impostos, a aposentadoria dos trabalhadores ficará ameaçada pela falta de recursos, mas os patrões não perdem um tostão com tudo isso.

Qual é a saída?
O governo e a imprensa afirmam que o aumento das exportações e das vendas vai manter a economia em atividade e, assim, os empregos dos trabalhadores, certo? Errado… Este tipo de plano de incentivo da economia, com redução do IPI e outras concessões, já foi feito várias vezes no passado, mas não aumentou o nível de emprego. Na indústria automobilística isso é muito claro, pois a produção aumenta enquanto o número de trabalhadores no setor diminui, com ou sem redução do IPI. E nas empresas voltadas para a exportação, como a de produtos primários (soja, café, carnes, álcool, minérios, petróleo) o nível de emprego em relação à produção é baixo e a mecanização aumenta sem parar. E soma-se a isso tudo o agravamento da crise econômica mundial, que já começa a afetar o Brasil.

Estamos, então, numa situação sem saída? Na verdade, nunca há situações sem saída. Mas, se o Brasil fica mais pobre com a desvalorização, como vimos, e os empresários brasileiros e estrangeiros se beneficiam, alguém perde com a saída que o governo está dando.

E quem sai perdendo somo nós, trabalhadores e população pobre. Já vimos alguns pontos, como a redução da arrecadação pelo estado, que vai gerar uma piora na prestação de serviços públicos (saúde, educação, saneamento, moradia) e a redução da arrecadação pelo INSS, que vai significar um ataque ainda maior ao nosso já precário sistema de Previdência Social. Mas o governo não está satisfeito com apenas isso. Acabou de modificar as regras da Caderneta de Poupança, uma das únicas possibilidades de aplicação pelos trabalhadores, reduzindo seus rendimentos e está oferecendo reajustes salariais abaixo da inflação ao funcionalismo público, o que já se reflete igualmente no setor privado.

Dessa forma, os trabalhadores estão realmente numa situação sem saída. A não ser que lutemos por uma saída que nos favoreça e que, portanto, vai prejudicar o lucro dos patrões. Esta luta deve incluir, para enfrentar o momento atual: aumento real de salários, fim das concessões aos patrões pelo governo, nenhuma redução na arrecadação federal e no INSS, fruto destas concessões, redução dos impostos pagos pelos trabalhadores, plano de habitação popular com financiamento direto ao trabalhador, entre outras medidas. É claro que, para isso, o governo Dilma precisa mudar radicalmente sua política econômica e parar de favorecer os patrões. Por isso também devemos lutar!