Leia reportagem direto de São José dos Campos, mostrando como as demissões continuaram durante a noite e os atos do sindicatoFaltavam poucos minutos para a meia-noite quando os trabalhadores do terceiro turno da Embraer de São José dos Campos (SP) chegaram à fábrica nesta quinta-feira, 19 de fevereiro. Metalúrgicos e militantes de outros setores, chamados pelo sindicato em solidariedade aos desligados pela empresa, esperavam na via de acesso à planta. Sabendo da notícia de que seus colegas dos outros dois turnos tinham sido demitidos, foram surpreendidos ao saber que seu turno, que tem cerca de 800 funcionários, simplesmente fecharia.

Um a um, os ônibus que traziam os operários foram parando. Os trabalhadores desciam e aguardavam, atendendo ao pedido do Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos e Região para fazer uma assembleia. Jovens, velhos, homens e mulheres: estavam quase todos no olho da rua.

Uma minoria tentou entrar antes mesmo de ouvir o sindicato. Os trabalhadores que aguardavam gritavam para os colegas. Alguns voltaram. Os que não paravam, os operários chamavam de pelegos. “Tem de ter unidade, essa é a hora de se unir, o cara tem de defender o seu companheiro”, disse um trabalhador.

O clima era de perplexidade. Os operários tinham ouvido falar de demissões, mas, mesmo assim, levaram um choque quando viram seus empregos perdidos. Um trabalhador resumiu bem a lógica da empresa: “ninguém quer produzir sem ganhar, é o capitalismo”. Outro, com os olhos cheios de lágrimas, dizia: “eu não entendo porque o governo não faz uma lei pra não demitir, ele tem poder. Eu não entendo”.

Luis Carlos Prates, o Mancha, diretor do sindicato, abriu a assembleia informando sobre as quase cinco mil demissões anunciadas sem nenhuma tentativa de negociação nem sequer um aviso à entidade. Pelo contrário, a Embraer enviou uma carta na manhã do mesmo dia ao sindicato dizendo que não haveria dispensas.

Mancha lembrou os 7 bilhões de dólares que a empresa recebeu do BNDES e que, agora, estão sendo usados para financiar as demissões. Recordou, ainda, que no último ano a empresa bateu recorde de produção. Ele fez um apelo para que os trabalhadores não entrassem na fábrica e não pegassem a carta de demissão. “Se a gente resistir, somos capazes de buscar uma negociação”, disse.

A proposta do sindicato aos trabalhadores era para que não entrassem na fábrica, não pegassem as cartas de demissão e parassem a produção. Assim, além de ser um ato de protesto e resistência contra o ataque brutal, os operários ganhariam tempo para tentar reverter as demissões.

Toninho Ferreira, do PSTU, estava na assembleia. Ele é ex-metalúrgico da Embraer nos anos 1980 e 90. Foi mandado embora após uma trajetória de greves e lutas na empresa. Candidato a prefeito nas últimas eleições, com 3,47% dos votos, ele se dirigiu aos presentes relembrando justamente esse tempo, em que Lula ia à empresa mobilizar os trabalhadores. Hoje ele é o presidente e não faz mais isso. “Agora, o que nós estamos pedindo é que ele tenha uma conversa com a empresa, o governo tem poder para exigir a reversão”, falou.

Toninho chamou os metalúrgicos a lutar por seus empregos: “Nós queremos reverter, mas depende de vocês. Agora é hora de levantar a cabeça, arregaçar os braços, abrir o peito e dizer que pra cima de nós, não!”. Por fim, pediu: “A única forma de nutrir a ilusão e a esperança de continuar no emprego é não entrando aí hoje”.

Zé Maria de Almeida, da Coordenação Nacional de Lutas (Conlutas), central a qual o sindicato é filiado, também estava lá. “Nenhuma promessa do governo vai sair do papel sem que nós lutemos para isso”, afirmou referindo-se às declarações de Lula supostamente defendendo o emprego.

Todas as falas defenderam a resistência, a solidariedade e a união para ações comuns contra a empresa. O sindicato avisou diversas vezes que não adiantava entrar na empresa, pois as demissões já estavam certas. Os trabalhadores votaram e a maioria decidiu por não entrar na fábrica.

Ainda assim, alguns resolveram pagar para ver. Entraram na Embraer e lá permaneceram por poucos minutos, o tempo de receber a notícia de que eram mais alguns a engrossar a fila do desemprego. Os que ficaram na rua se comunicavam com os que entraram por telefone. As informações eram as mesmas: “só sobrou um”, “foram todos demitidos”. Aos poucos, iam surgindo os nomes de amigos.

Uma menina que veio de Minas Gerais para trabalhar na Embraer recebeu a informação de que pelo menos cinco, só no seu setor, haviam recebido a carta. Porém, ela não sabia ao certo, pois a amiga que lhe falara havia dito uma porção de nomes. Ela está há um ano e meio na empresa.

“Quem está entrando está indo para a rua”, contou um funcionário que estava saindo do segundo turno e encontrou os companheiros do terceiro. Ele disse que estavam todos tristes e apreensivos às vésperas do carnaval. A produção estava praticamente parada. No vestiário, “parecia que tinha passado um vendaval”, pois os funcionários abriam os armários e iam deixando pelo chão papéis e coisas que não queriam levar consigo.

Repressão e ataques à liberdade sindical
A Embraer já foi palco, nos anos 1980, de lutas que marcaram a história do país. Das lutas por aumento salarial, chegou-se à luta política contra a ditadura. A Embraer era uma fábrica militar. Hoje, privatizada, a empresa mantém o regime antidemocrático e ampliou a exploração.

“A Embraer faz o que quer, não deixa o sindicato entrar”, disse um funcionário indignado. Vivaldo Moreira, atual diretor do sindicato e candidato a presidente da entidade nas eleições de março, confirma: “A Embraer é uma empresa bastante repressora, aqui não há nenhuma liberdade sindical, você não consegue fazer um bom trabalho aqui. As pessoas que param em assembleias ou conversam com um dirigente sindical, automaticamente, são punidas”.

O nível de repressão ficou nítido na assembleia da noite e no ato que ocorreu na manhã de sexta. O policiamento foi absurdamente ostensivo. A polícia atacou os sindicalistas que faziam o piquete à noite com spray de pimenta em vários momentos. Nesta manhã, a tropa de choque da Polícia Militar estava em peso numa manifestação que era claramente pacífica.

Contudo, apesar da perseguição permanente, o sindicato continua firme na defesa dos operários da Embraer. Resistiu, recentemente, à tentativa da CUT, em acordo com a empresa, de criar um sindicato fantasma, o Sindiaeroespacial, para tirar a representatividade do sindicato dos metalúrgicos. A Embraer foi derrotada.

Curiosamente, a CUT não esteve presente em nenhum momento para defender os empregos. Quem está travando a verdadeira luta contra os patrões é o sindicato dos metalúrgicos, filiado à Conlutas. No entanto, a CUT está presente nas bases que dirige quando se trata de negociar redução salarial e de direitos sob o pretexto de impedir demissões.

E esteve presente numa reunião com o presidente Lula em que esse se disse indignado com as demissões, pois a Embraer recebeu bastante dinheiro público. Lula disse que vai cobrar explicações da empresa. Explicações não trazem o emprego de volta. Como foi inúmeras vezes defendido pelos dirigentes sindicais na assembleia da Embraer, Lula tem de editar uma Medida Provisória que proíba as demissões. Além disso, não há melhor forma de reaver o dinheiro público e não permitir que ele financie demissões do que reestatizando a empresa.

Na manhã desta sexta-feira, uma nova manifestação aconteceu na entrada do primeiro turno. Parte dos trabalhadores desceu dos ônibus na via de acesso à portaria e foram em passeata até a entrada da fábrica. O ato foi um protesto e um gesto de solidariedade com os companheiros demitidos.

Nesse momento de crise, a situação da Embraer deixa de ser um problema apenas dos funcionários dessa empresa e soma-se ao problema diário dos trabalhadores no mundo inteiro. O sindicato não tem medido esforços para barrar qualquer tentativa de fazer com que os trabalhadores paguem pela crise.

Ao longo da reportagem, conversamos com diversos trabalhadores. Optamos por não publicar seus nomes para preservar sua identidade e evitar futuras retaliações por parte da empresa.