Zé Maria

No amanhecer do dia 1° de junho de 2004, soldados brasileiros desembarcaram no país mais pobre da América Latina para iniciar uma vergonhosa ocupação militar. A justificativa do governo Lula para comandar a ocupação, que envolveu mais de 12 mil militares e policiais de diversos países, foi que se tratava de uma “missão humanitária” com o objetivo de reestabelecer a “democracia no país”, controlando a violência e garantindo segurança para a população. No governo Dilma, o discurso foi repetido e a ocupação mantida.

Quando o Conselho de Segurança da ONU aprovou a ocupação, o presidente haitiano Jean-Bertrand Aristides já havia sido deposto por um golpe apoiado pelos EUA. Por pressão de George W. Bush, na época presidente americano, a ocupação serviria para resolver a instabilidade política da região. O Brasil, subservientemente, aceitou o papel vergonhoso de liderar a ocupação, já que os EUA estavam ocupados com as guerras no Iraque e Afeganistão. Aliás o argumento da “defesa da democracia” e “ação humanitária” foram os mesmos utilizados por Bush para tentar justificar a invasão do Iraque e a guerra no Afeganistão.

Desde então, o Brasil encabeça a Minustah, Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti, desembolsando mais de R$ 1 bilhão para custear a ocupação. No entanto, ações humanitárias mesmo, é o que menos se viu em todo este período. Quando estive no Haiti há três anos, dois meses após o terremoto de 2010, andei quase uma semana pelas ruas da capital Porto Princípe e o posto mais visível da tropas de ocupação era na entrada das Zonas Francas, protegendo as empresas e vigiando os trabalhadores. Não se via soldados reconstruindo o país, ajudando, por exemplo, a população a reerguer suas casas destruídas pelo terremoto.  Ainda hoje, mais de 350 mil haitianos vivem em barracas improvisadas em Porto Príncipe, sob precárias condições de higiene e alimentação.

A ocupação tem o objetivo, da mesma forma que as ocupações do Iraque e Afeganistão, de assegurar os interesses das grandes empresas transnacionais instaladas no Haiti. De garantir estabilidade para que estas empresas sigam produzindo e faturando um alto lucro à custa dos salários miseráveis pagos aos trabalhadores haitianos. As tropas foram, e ainda são usadas para reprimir qualquer revolta dos trabalhadores contra essa exploração abjeta a que estão submetidos, por multinacionais norte-americanas, francesas, e também brasileiras.

O outro aspecto importante desta ocupação militar é assegurar os interesses geopolíticos norte-americanos na região. A estabilidade política, sem qualquer questionamento à hegemonia dos EUA na região não é um objetivo secundário para aquele país. Lamentavelmente o governo brasileiro transformou nosso país em cúmplice dos poderosos do norte, ajudando-o a massacrar nossos irmãos do sul.

Em quase uma década, a Minustah foi alvo de denúncia de violações de direitos humanos que vão desde relatos de torturas a estupros cometidos pelos capacetes azuis contra a população. Manifestações foram duramente reprimidas e dirigentes sindicais assassinados. Até mesmo uma epidemia de cólera que assolou o país, infectando 700 mil pessoas e matando outras 8 mil, foi fruto da ocupação. Ficou comprovado que soldados nepaleses da ONU provocaram a epidemia. Tudo isso permaneceu impune e disfarçado pelo discurso e campanha do governo de “ação humanitária no Haiti”.

Diferente da política de “restaurar a democracia”, a Minustah tem garantido também a legitimidade de eleições fraudulentas. A própria duração da ocupação já sinaliza uma contradição em relação ao seu discurso humanitário. A ajuda humanitária, anunciada há nove anos, nunca chegou para a vida das pessoas que estão nos acampamentos, que estão desempregadas ou que perderam seus parentes e amigos no terremoto de 2010.

É preciso suspender imediatamente a participação do nosso país neste episódio vergonhoso que perdura já quase dez anos. Fora as tropas brasileiras do Haiti!

*Artigo originalmente publicado no site Congresso em Foco no dia 02/06/2013

 

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