Protesto contra a cultura do estupro. Foto: Agência Brasil
Vera e Vitor Hugo, de Aracaju (SE)

Essa frase, mundialmente conhecida pelos movimentos de luta contra a opressão e a exploração, nos remete imediatamente às mulheres que lutaram e protagonizaram tanto quanto os homen, uma das primeiras e mais conhecidas experiências de tomada do poder pela classe trabalhadora, a Comuna de Paris em 1878.

Essa mesma frase nos faz lembrar também das mulheres operárias que se colocaram à frente da cavalaria do Czar, na Rússia de 1917, quando se levantaram em luta contra a guerra, a fome e a perda de seus maridos e filhos na Primeira Guerra Mundial. Uma greve iniciada pelas operárias no dia 8 de março (20 de fevereiro no calendário gregoriano que usamos aqui), detonou a revolução que derrubou o império czarista. Não se imaginava que aquele dia das mulheres inauguraria dentro de poucos meses a Revolução Russa de Outubro, onde a classe operária e camponesa tomou o poder e implantou a democracia de Estado operário – a ditatura do proletariado.

Desde 2016, as mulheres têm protagonizado várias lutas ao redor do mundo. Na Polônia, em greve, vestiram-se de preto e exigiram o direito ao aborto. Na Suécia, contra o estupro. Na Argentina, após o assassinato de uma jovem, as mulheres fizeram um chamado e Buenos Aires parou. Mulheres e homens tomaram as ruas do país sob a palavra de ordem “nem uma a menos”. Essa manifestação irradiou-se por outros países. No Brasil, após uma jovem ser estuprada no Rio de Janeiro por 30 homens, ocorreram manifestações em várias capitais contra a cultura do estupro.

Protesto contra a criminalização do aborto na Polônia

Nos EUA, Donald Trump, durante a campanha eleitoral, atacou violentamente as mulheres com sua retórica e práticas machistas. Um dia seguinte à posse de Trump na Casa Branca, em 20 de janeiro deste ano, ele teve que encarar milhares de mulheres nas ruas, em várias cidades do país contra o seu governo. As mulheres começaram o ano de 2017 aquecendo as lutas contra a opressão no coração do império norte americano.

Existem muitas lutas mundo afora: revoluções, greves, paralisações contra a exploração, contra o machismo, o racismo, a homofobia, a xenofobia, por melhores condições de vida. Os noticiários locais, nacionais e internacionais estão recheados de notícias assim. Inclusive, pela primeira vez, está colocada a possibilidade de uma greve internacional das mulheres. Já estão previstas manifestações e mesmo greves de mulheres no dia 8 de março – Dia Internacional da Mulher –, em mais de 20 países!

As mulheres podem começar uma greve sim!
Tudo isso nos fez lembrar de uma outra greve muito importante realizada na cidade de Aracaju (SE), e muito pouco conhecida, que teve início no dia 6 de março de 1991, na fábrica Alpargatas Nordeste/SA*. Nessa fábrica trabalhavam 2.300 operárias e operários, com dois setores: o de confecção, com mais de 80% de mulheres, e o setor têxtil, com maioria de homens.

O detonador da greve foi o recebimento de contracheques “zerados”, quando os operários retornaram das férias coletivas – uma prática das indústrias do ramo do vestuário (têxtil, confecção, calçados e acessórios). Nos meses que antecedem o final do ano, a produção é acelerada para atendimento do mercado. No início do ano, como geralmente há uma queda nas vendas e estoque de produção, as indústrias param as unidades produtivas e dão as chamadas “férias coletivas” aos operários (as).

Sem um tostão nas mãos, os operários e operárias se revoltaram. A direção do Sinditêxtil ainda tentou convencê-los de que uma greve naquele momento seria muito difícil, porque o estoque da fábrica era grande. Não teve jeito.

As mulheres, a maioria jovens, “mães solteiras”, negras, responsáveis pelo sustento de suas famílias, se rebelaram. Elas não só paralisaram toda a unidade de confecção, como saíram em passeata dentro da fábrica, fizeram um arrastão e paralisaram o setor têxtil. E, numa assembleia, decidiram que só poriam as máquinas em funcionamento quando recebessem seus salários e reajustados. O reajuste exigido era de 130%. Tinham a plena consciência de que seria uma greve difícil e longa.

Assim ocuparam a fábrica por mais de 40 dias. A troca dos turnos era realizada normalmente sob o controle da direção do Comando de Greve, composto por dirigentes do sindicato, da base e de ativistas de outras categorias e da CUT (quando ainda era uma central sindical combativa). A solidariedade das demais entidades sindicais e todos os poucos recursos do sindicato foram destinados para garantir a vitória da greve. Era preciso garantir alimentação aos grevistas e suas famílias, e assim foi feito.

Depois de 43 dias, a empresa negociou. As operárias e operários da Alpargatas passaram a ter os melhores salários entre aqueles que trabalhavam nesta área da indústria no estado de Sergipe. Há época, estávamos à frente do Sinditêxtil, do Sindicato dos Coureiros e Sapateiros e do Departamento Nacional do Ramo do Vestuário. Tivemos o privilégio de viver, lutar e dirigir com os demais essa memorável greve.

Nesses dias de efervescência política no Brasil e no mundo, com as lutas dos negros, imigrantes e mulheres, com as preparações para as manifestações do 8 de Março, rendemos a nossa homenagem às operárias da Alpargatas em Aracaju que, em 1991, protagonizaram a primeira greve de ocupação numa indústria privada. Durante 43 dias, com as operárias à frente, o conjunto dos operários da fábrica Alpargatas entravam e saiam da fábrica, e nem uma máquina sequer foi ligada, nem um fio foi tecido, nem uma calça cortada e costurada.

Quem duvida do que a as mulheres são capazes? Quem duvida que elas podem começar uma greve internacional? Com essa capacidade, de mover os demais operários e proletários, se está provado, por mais de uma vez na História, que “quando uma mulher avança nenhum homem retrocede”!

*A fábrica fechou a sua unidade na cidade de Aracaju em 2006.