O então presidente José Sarney anuncia o Plano Verão, em 1989

Governo Dilma e bancos se unem para pressionar o STF a votar contra o ressarcimento das cadernetas de poupança

O Supremo Tribunal Federal está prestes a julgar as ações de antigos poupadores da caderneta de poupança prejudicados nos vários pacotes econômicos editados por sucessivos governos nas décadas de 1980 e 1990. O STF vai decidir se os bancos devem ou não ressarcir o prejuízo que os planos Bresser (1987), Verão (1989), Collor (1991) e Collor II (1992) representaram a milhares de aplicadores.

Quando foram decretados, esses planos impuseram reajustes à poupança abaixo da inflação. Há mais de vinte anos, algo como um milhão de processos exigem da Justiça a reparação dessas perdas. As sucessivas vitórias que os poupadores vêm obtendo, porém, foi o suficiente para acender a luz vermelha nos bancos. A votação, que começa nesta quarta no STF e que deve seguir até 2014, vai definir de vez a responsabilidade das instituições bancárias na perda que milhares de famílias tiveram com os pacotes econômicos.

Terrorismo
Os bancos e o governo, por sua vez, não estão dispostos a devolverem o que foi tirado dos poupadores. O governo vem pressionando fortemente o STF e faz uma verdadeira campanha terrorista anunciando o caos no sistema financeiro caso o tribunal decida a favor dos poupadores. Na semana passada, o procurador do Banco Central, Isaac Sidney, afirmou ao tribunal que as perdas dos bancos, no caso de serem obrigados a devolverem o dinheiro, seriam de quase R$ 150 bilhões. O próprio Ministro da Fazenda, Guido Mantega, se reuniu com ministros do STF, incluindo seu presidente Joaquim Barbosa.

O Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor), responsável pela ação no STF, por sua vez, contesta esse número e afirma que o governo superestima propositalmente os valores para pressionar os ministros e criar um clima de pânico. De acordo com o Idec, descontados o Plano Collor I, que já teve decisão desfavorável no STF, as ações já ganhas, e os poupadores que já morreram, o gasto dos seis principais bancos do país (Banco do Brasil, Caixa, Bradesco, HSBC, Itaú e Santander) totalizariam R$ 18,2 bilhões.

Parte dessa campanha, uma carta de “notáveis” e de ex-autoridades econômicas foi enviada ao STF pedindo sensibilidade do tribunal ao drama que os banqueiros estariam submetidos caso fossem obrigados a devolverem esse dinheiro.  Assinam a carta nomes como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, o ex-presidente do BC Armínio Fraga, os ex-ministros da Fazenda de diferentes governos como Luiz Carlos Bresser Pereira, Ciro Gomes, Pedro Malan, Delfim Netto, Zélia Cardoso de Mello e Palocci.

Já a revista Veja, por exemplo, fazendo coro ao terrorismo do governo e dos bancos, estampou na edição desta semana: “Uma decisão de 1,35 trilhão de reais”. A Veja multiplicou os R$ 150 bilhões que o Banco Central afirmou que os bancos perderiam por 9, que é o limite de alavancagem que as instituições financeiras podem ter (alavancagem é quantas vezes seu patrimônio que os bancos podem emprestar) . Governo, bancos e parte da imprensa jogam para cima essa conta a fim de embasar o argumento catastrofista do colapso financeiro no caso de uma decisão desfavorável do STF.

Contratos valem só para os ricos?
Quando é para garantir os interesses dos grandes bancos e investidores, imprensa e governos não se cansam de defender a tão reivindicada “segurança jurídica”, ou seja, a certeza de que, aconteça o que acontecer, os contratos firmados serão honrados. Quem não se lembra da famigerada “Carta aos Brasileiros” que o então candidato à presidência Lula divulgou em 2002, a fim de tranquilizar os investidores e o imperialismo? Na carta, o PT promete “respeito aos contratos e obrigações do país”. Na época, setores da burguesia ainda viam a candidatura petista com certa desconfiança, devido ao seu passado e à esquerda que insistia em exigir medidas como a suspensão do pagamento da dívida externa.

O PT não só garantiu todos os contratos como aumentou ainda mais o Superávit Primário (economia do governo para pagar os juros da dívida), a fim de sinalizar ao sistema financeiro e aos especuladores sua verdadeira prioridade. Se os contratos que garantem os lucros dos bancos e investidores internacionais (e que fazem com que praticamente metade do Orçamento da União vá todos os anos para o pagamento de juros) recebem todas as garantias, o mesmo não se pode dizer dos contratos que regem a caderneta de poupança, uma das únicas opções para que as famílias de baixa renda possam poupar parte de seus recursos. Hoje, mais de 100 milhões de pessoas contam com caderneta poupança.

Só o Plano Verão, por exemplo, decretado no governo Sarney em 1989, baixou os rendimentos da poupança em mais de 20%. O primeiro Plano Collor, por sua vez, reduziu o rendimento da poupança na época em 44,8%. Ninguém, a não ser as próprias famílias atingidas, reclamou da quebra de contrato ou alertou para algum clima de “insegurança jurídica” que essas medidas trariam. Ninguém tampouco alertou para nenhum “colapso financeiro”. Isso porque todos sabem que, segurança jurídica e garantia dos contratos, funciona só para os ricos, quando lhes convém.

 Mais do que os R$ 18 bilhões que os bancos teriam que eventualmente devolver aos poupadores, é essa segurança jurídica seletiva que o governo e os banqueiros tratam de garantir no julgamento do STF.