Lula com Evo Morales, em cerimônia de assinatura de atos entre os dois países
Marcelo Casal Jr / Ag. Brasil

Viagem a Bolívia foi marcada por pedido de paciência a Evo Morales e fechamento de bons negócios para Petrobras, Braskem e construtoras. Comitiva contou com 30 empresários, de olho na exploração do gás, na construção de estradas e pontes e nas termelétricO presidente Lula esteve nos dias 16 e 17 de dezembro em La Paz. Havia estado em 2003, depois do processo revolucionário que derrubou Sanchez de Losada e exigiu a nacionalização do gás sem indenização. Na época veio pedir paciência e calma ao líder cocalero Evo Morales, dirigente do maior partido de esquerda, o MAS, para que a revolta das massas não tivesse maiores desdobramentos e fosse pactuada uma saída no campo eleitoral.

Agora volta a pedir paciência a Evo Morales. O pedido mais uma vez ocorre em um momento de polarização das forças sociais no país, no qual o governo vive um dilema: de um lado, reivindicações dos movimentos sociais e o crescente repúdio à direita e, do outro, a pressão da burguesia oligárquica em seis regiões.

Esta burguesia chamada de “media luna” havia sofrido um duro golpe com o levante popular de 2003 e uma derrota eleitoral em 2005 que resultou na vitória de Evo. No entanto estes setores voltaram a se fortalecer com a política de Evo e do MAS de buscar a todo momento acordos e pactos. Isto se rompeu quando Evo, pressionado pelos campesinos e povos originários, viu-se obrigado a levar a Constituinte até o fim e aprovar uma proposta de Nova Constituição que, todavia, ainda necessita ir a um referendo.

A burguesia do país ameaça declarando autonomia ou maior poder econômico e político para os estados, o que também necessita ir a um referendo. Apesar de ser um desejo antigo desse setor, a pressão ela autonomia ocorre agora por dois motivos. Primeiro porque o governo cortou uma parte significativa do orçamento dos estados para 2008 relacionado com o Imposto Direto dos Hidrocarburos (IDH), com argumento de financiar projetos sociais como Juancinto Pinto (uma versão parecida ao bolsa família) e o Renda Dignidade (um bônus de 200 bolivianos ou 25 dólares ao mês para idosos acima de 60 anos).

O segundo está relacionado com a posição do governo de aprovar a Nova Constituição e querer levá-la a referendo. A proposta de Nova Constituição, apesar de um fato inédito ao reconhecer os povos indígenas e seus direitos, mantém todas as garantias ao capital privado, às transnacionais e aos latifundiários e dá o direito de autonomia departamental exigida pela burguesia. Tanto é assim que a discordância de Evo à declaração autonômica é que deve ser feita dentro da lei, quer dizer, a oposição burguesa deve aceitar a nova constituição, que até o momento rechaça.

Nesse contexto Lula desembarca, com tantas promessas e cinco tratores de presente, pedindo paciência a Evo e prometendo “benefícios aos irmãos bolivianos”. Longe de estar tocado pelo espírito de “Papai Noel”, Lula trouxe em sua comitiva 30 empresários do setor privado entre eles o vice-presidente da Braskem e representantes de construtoras. Na verdade veio fechar bons negócios para a Petrobras, a Braskem, as construtoras Camargo Correa e Odebrecht e o setor de agroindústria.

Porque a Petrobras voltou a investir no país
Após a venda das refinarias, Sergio Gabrielli, presidente da Petrobras, havia declarado que a empresa não faria mais investimentos na Bolívia. Mas, como bons representantes dos negócios da burguesia, Lula e Gabrielli anunciaram em sua viagem que agora a Petrobras investirá de US$ 750 milhões a US$ 1 bilhão. A que se deve a mudança?

O Brasil segue dependendo do gás boliviano. Diariamente, a Bolívia envia 30 milhões de metros cúbicos pelo gasoduto Bolívia-Brasil e boa parte desse gás abastece São Paulo. Acontece que o Brasil necessita de mais gás agora e para os próximos anos e a Bolívia necessita ampliar sua produção já que aumentou os compromissos de exportação para a Argentina e agora ao Brasil. O recém-descoberto megacampo de Tupi, segundo especialistas, levará ao menos sete anos para começar a fornecer óleo ou gás, iniciar explorar, pois está a 7 mil metros de profundidade e em um terreno salino.

Ao menos em um período curto, a saída mais rápida e barata para Lula e a Petrobras segue sendo saquear o gás boliviano. A lógica é investir para levar mais gás. Não há nada de negócios entre irmãos como anunciou Lula e muito menos de ter “sócio e não patrões” como respondeu Evo Morales. Tirando a retórica de integração entre os paises latino-americanos, o que fica são acordos que aprofundam a dependência da Bolívia às transnacionais, nesse caso a Petrobras.

O acordo de início impôs à Bolívia enviar gás a Cuiabá para retomar o funcionamento da termoelétrica, então paralisada. Dos 750 a 1 bilhão de dólares que a empresa investirá até 2011, a prioridade, segundo Gabrielli, será aumentar a produção nos megacampos de San Alberto e San Antonio, operados pela Petrobras. Em seguida o campo Itaú operado pela Petrobras em parceria com a transnacional francesa Total. É compreensivo. O investimento é uma garantia de que o aumento da produção permitirá exportar mais gás ao Brasil.

Depois acordaram a criação de uma empresa mista entre a Petrobrás e a YPFB, a empresa boliviana, para explorar campos já descobertos pela por esta nas cidades de Tarija, Santa Cruz e Chuquisaca e também para buscar novas descobertas. Da produção desses campos e dos possíveis novos, a Petrobrás poderá exportar tranquilamente, estando obrigada contratualmente a vender apenas 18% ao mercado interno.

Também será criada uma empresa mista entre a maior petroquímica de América Latina, a brasileira Braskem, e a YPFB. A idéia é estudar a possibilidade de instalação de uma planta separadora de gases na região do Chaco para que a Bolívia consiga agregar valor ao gás que exporta. Do gás comprado da Bolívia, cerca de 10% são os chamados gases ricos, de melhor qualidade e com maior valor no mercado como o etanol, usado na petroquímica, e o propano e butano, para o GLP. A Petrobras, consciente de que Bolívia não tendo uma planta separadora não pode cobrar a parte por estes gases, nunca pagou por eles, mas os fatura. Tem lucro dobrado. O acordo incluiu que a partir de maio a empresa deverá pagar cerca de 100 milhões de dólares pelos gases nobres (metade do que valem, segundo especialistas) e iniciar estudos para que Braskem instale esta planta e passe a operar no país.

Caso aconteça, tudo leva a crer que a reivindicada industrialização do gás a serviço dos bolivianos exigida nas jornadas de lutas de 2003 e 2005 será uma letra morta. Significará mais uma transnacional obtendo lucros sobre o gás boliviano.

As empresas mistas têm sido o centro da política de hodrocarbonetos de Evo Morales não obtendo nenhuma resistencia da oposição burguesa. Ao contrário, esta pressiona por sua ampliação. O que comprova que, embora tenham alguns interesses diferentes, quando se trata de ir contra as reivindicações populares estão unidos. A reivindicação popular de nacionalização foi o que levou o governo a decretá-la, mas esta se resumiu a um aumento do imposto pago pelas transnacionais, recompra da refinaria e uma promessa de que as transnacionais seriam prestadoras de serviços à estatal boliviana YPFB.

No entanto, com as empresas mistas (antes PDVSA, agora Petrobras e pode ser também qualquer empresa privada) a verdadeira prestadora de serviço é a YPFB, os beneficiados são as transnacionais e o prejuízo é ao povo boliviano que segue vendo sua principal riqueza ser levada. Isto é feito sob o discurso de Evo Morales de que “se está realizando uma profunda mudança, se está nacionalizando os hidrocarbonetos e fortalecendo a estatal YPFB”.

As empresas mixtas têm outra importância para Evo ¬- à sombra delas ele leva ao povo o discurso de “queremos sócios e não patrões”. Acontece que mentira tem perna curta. Até quando Evo, com o apoio da burguesia e grandes empresas petroleiras, conseguirá convencer aos trabalhadores que Petrobrás e Braskem são sócias é uma incógnita.

Agro-negócio, corredor inter-oceânico e um bom negócio para as construtoras
Alguns meios de comunicação se adiantaram a caracterizar a presença de Lula, um dia após a declaração de autonomia da oposição de direita, que tem como principal base os empresários e agroexportadores da província de Santa Cruz, como um apoio político a Evo e uma retaliação ao setor de Santa Cruz. Nada mais falso. Lula trouxe também rentáveis negócios a este setor.
Anunciado por Evo como um presente de Lula a Bolívia, os dois presidentes posaram para fotos em cinco tratores doados pelos governo brasileiro. A doação na verdade fazia parte da venda de 300 tratores fabricados no Brasil a agroexportadores bolivianos e do anúncio de uma linha de crédito de US$ 600 milhões do governo brasileiro a empresários bolivianos do setor de construção de estradas e pontes e grandes latifundiários. Parte desse crédito poderá ser usado pela construtora brasileira Queiroz Galvão para construir uma ponte fronteiriça.

Bachelet, Lula e Evo
Domingo, 16 de dezembro, a presidenta do Chile, presidentes do Brasil e Bolívia anunciaram o projeto de construir para 2009 um corredor interoceânico com 4.700 quilômetros, do Atlântico ao Pacífico. Seu custo seria de US$ 900 milhões e ligaria o porto de Santos (Brasil), passando por Santa Cruz, Cochabamba, Oruro e La Paz, até os portos de Arica e Iquipe, no Chile. Sóliz Rada, ex-ministro de hidrocarbonetos de Evo Morales, declarou que este corredor ajuda a resolver um gigantesco problema das transnacionais mineiras que atuam ao norte do Chile e sobrevivem de importar carvão da Indonésia, Canadá e Colômbia. Segundo ele, este corredor facilita a venda de gás ao Brasil e Chile, e que este seria seu grande papel. Ironia da história: em 2003 um dos elementos que impulsionou o processo revolucionário foi que Goni queria vender o gás boliviano aos EUA levando ao Chile.

Rio Madeira
Comenta-se que a visita de Lula também desobstruiu os empecilhos colocados pelo governo boliviano para a construção das hidrelétricas Jirau e Santo Antonio no rio Madeira, em Rondônia. Este projeto tem sido duramente criticado pelo Foro Boliviano sobre o Meio Ambiente e desenvolvimento, por comunidades campesinas do norte da Bolívia e pelo MAB (Movimento de Afetados por Represas e Barragens), do Brasil. Estes movimentos afirmam que a hidrelétrica irá afetar as comunidades amazônicas ribeirinhas e fronteiriças de Bolívia e causar impactos ambientais severos em território boliviano.

As obras começaram em outubro de 2008 e a construtora Odebrecht, que em uma manobra impressionante ofereceu preço da obra 35% inferior ao que estava no edital, será a responsável pela construção da hidrelétrica. Mais uma vez as relações governo Lula e Odebrecht não cheiram nada bem. Mas o lamentável é que Evo Morales, sendo indígena, tenha entregue várias comunidades indígenas da Bolívia aos mais graves riscos ambientais. O leilão da usina de Jirau, no mesmo rio, está previsto para maio de 2008.

Seja como for, o conteúdo desses acordos não deixa dúvida que o processo de venda dos recursos naturais de Bolívia segue e até se aprofunda. O paradoxo é que grande parcela dos camponeses e indígenas acredita que a nova Constituição proposta por Evo representa um freio a este processo de entrega dos recursos naturais. Isto demonstra a enorme importância de discutir com a classe trabalhadora desse país o conteúdo desta Constituição, os acordos energéticos e a política do governo.
A principal tarefa dos revolucionários na Bolívia é explicar pacientemente aos trabalhadores que o único caminho para derrotar a burguesia oligárquica e avançar no processo revolucionário é a continuidade das lutas e a independência de classe frente ao governo de conciliação de classe de Evo Morales.