Nas últimas semanas, Valério Arcary publicou pelo menos dois artigos com ataques ao PSTU.

Em seu último texto, Valério iguala o PSTU ao PCO ainda que com “posições simétricas” sobre Lula. Ele diz: ”O PSTU […] faz um chamado a uma ‘rebelião’. Mas se esquiva de esclarecer se prevê a iminência de um novo Junho de 2013, ou se estamos em uma situação pré-revolucionária ou não. […] ambos propõem ações que não são possíveis. […] O problema é como se relacionam ou qualificam aqueles que deles discordam. São reformistas, ou eleitoralistas, ou coisa pior. Estão sozinhos na defesa de uma tática ‘genial’, e orgulhosos de sua ‘solidão revolucionária’. Impõe-se uma lógica excludente do ‘nós contra eles’. Não há mediações. Quem não concorda é percebido como inimigo. E quanto mais próximo, ou seja, quanto menores forem as diferenças, maior é a hostilidade, porque mais difícil é a diferenciação. […]

Curioso é que o PSTU não escreveu uma única linha sobre o MAIS ou sobre Valério nem sobre suas posições que justificassem as linhas acima sobre o PSTU. Por que, então, ataque tão furioso a ponto de no, último artigo, comparar o PSTU a uma organização pior que o antigo MR-8?

Ao dizer que “águas passadas não movem moinhos”, Valério parece querer dizer que saberá exorcizar o seu passado para se acomodar na Frente Ampla.

A verdade é que, depois de ampla e democrática luta interna no interior do PSTU, que levou à ruptura dos militantes que conformaram o MAIS, o curso da direção do MAIS tem causado perplexidade até mesmo em nós do PSTU. Esperávamos, devido às suas posições, um curso oportunista. Mas confessamos que não esperávamos um curso tão rápido e tão à direita.

Quando a maioria do PSTU apontava que as posições da direção do MAIS – de capitulação à Frente Popular, então ainda no governo, ao eleitoralismo, ao PSOL e à Frente Povo Sem Medo – os levaria a buscar uma frente permanente com o PSOL ou a ser uma corrente de um partido reformista, a direção do MAIS dizia que tal projeção era uma calúnia, que não iriam para o PSOL.

Hoje, integram a ala direita do PSOL e defendem o campo burguês de colaboração de classes do PT e de seus ex-governos como progressivos.

Acreditamos que a perplexidade não é apenas nossa. No PSOL, a direção do MAIS se somou à defesa da candidatura de Guilherme Boulos contra a de Plínio Sampaio Jr. Boulos, um instrumento de Lula e da Frente Ampla no interior do PSOL, que faz desse partido uma sublegenda do PT, um apêndice de seu campo de colaboração de classes. Valério e a direção do MAIS aplaudem a plataforma Vamos!, um programa que sequer pode ser considerado democrático radical. Apoiam um programa e um candidato que defendem gerir o capitalismo (sem romper sequer com o pagamento da dívida aos banqueiros) e a ordem burguesa: a Nova República com referendos.

A direção do MAIS e Valério buscam ser vanguarda e principal porta-voz, desde o PSOL, da defesa de Lula e do PT. Para tal, se presta a fazer um discurso que só contribui no sentido de buscar gerar confusão, desânimo e desmobilização na classe trabalhadora.

Depois de resistir à pressão dos governos burgueses do PT por tanto tempo, é triste que, justamente no momento da ruptura em massa da classe operária com a Frente Popular e o PT, um quadro como Valério acabe por claudicar a uma posição campista.

Mas confirma o que dizia o velho Leon Trotsky, que as viragens bruscas das situações da luta de classes provocam inexoravelmente crise nos partidos revolucionários, submetidos a todo tipo de pressões.

Não há futuro sem história
O PSTU também foi sacudido pelos ventos de 2013 e pelo desmoronamento do governo de Frente Popular. Tivemos uma ruptura depois de grande debate interno. Avaliamos que as posições que defendia a direção do MAIS, se vitoriosas, mudariam o caráter do partido. Por isso, enfrentamos e derrotamos essas posições em nosso partido. O PSTU se manteve revolucionário e saiu da crise espanando a poeira, a acomodação e a rotina que anos de democracia burguesa causam às organizações revolucionárias. Mas a crise que vivemos é demonstração de que carregávamos não poucos defeitos, erros e vícios. Longe da autoproclamação, acreditamos que refletimos a realidade e seguimos tendo inúmeros defeitos e cometendo outros tantos erros.

Temos, porém, orgulho da nossa história. E não vemos nem presente nem futuro sem história e sem passado. Uma das nossas virtudes, da qual nos orgulhamos muito, é justamente encarar os nossos erros, ser capazes de autocrítica e especialmente de não fazer dos nossos defeitos virtudes. Diante das crises, tentamos nos tornar mais marxistas, mais operários e mais internacionalistas.

Acreditamos que os ataques de Valério são tão furiosos porque, no fundo, são contra as posições que até ontem ele mesmo defendia.

Em 2010, Valério dizia em entrevista ao Diário Liberdade da Galícia: “Um grande partido de esquerda sem um acordo programático sobre o que significa a luta contra o capitalismo, inevitavelmente será um partido eleitoral. Não vejo por que nós estaríamos imunes às pressões oportunistas que levaram à degeneração do PT, nos convertendo em uma força eleitoral que funcione como esquerda do regime […] não queremos um partido que seja de oposição nas palavras e de apoio à ordem nos atos. Portanto, não acreditamos que seja possível construir um partido comum com o PSOL e com o PCB […]. Nós somos a favor de construir um bloco para a ação através dos instrumentos de luta que a classe trabalhadora já construiu no Brasil, que são os movimentos sociais e os sindicatos.”

Já em 2013, defendia “uma enorme mobilização como não víamos há mais de 20 anos está fazendo tremer todos os palácios […] Entretanto muitos militantes de esquerda se perguntam se não há uma onda conservadora, se não há perigo de golpe, se quem está nas ruas não é uma classe média que sempre foi hostil ao PT […] O maior perigo não é um golpe […] o maior perigo é que saiamos das ruas. […] É possível lutar, é possível vencer”.

O que diz e faz Valério hoje?
Diante da crise do sistema, do terremoto do regime da Nova República e da falência do reformismo, Valério se agarra à velha ordem e à defesa dos ex-governos do PT como se esses conformassem um campo progressivo. Ele busca subir num vagão do trem do campo de colaboração de classes de Lula e da Frente Ampla, sendo sua ala esquerda e crítica.

Como a história se repete como farsa, esse papel já conhecido e desempenhado por outros personagens na História é hoje muito mais indigno e inexplicável, porque não obedece a pressões e ilusões oportunistas das massas, mas tão somente a pressões eleitorais, dos aparelhos burocráticos e de meios intelectuais pequeno-burgueses.

Girar a roda da história para trás
Não é certo dizer que se aliar a Lula não é avalizar politicamente como progressivo o campo burguês que ele representa. Menos certo ainda é dizer que defender Lula é defender direitos. A candidatura Lula (e também Boulos), como dizia antigamente Valério, é a candidatura de um “reformismo sem reformas”. No caso de Lula, é um projeto capitalista que inclui explicitamente contrarreformas, inclusive a reforma da Previdência, como já confessaram à imprensa (e ao mercado) os formuladores do programa de governo do PT, como Nelson Barbosa, ao jornal Valor Econômico, e Marcio Pochmann, em entrevista à Folha de S. Paulo.

Valério diz que nos esquivamos de apontar qual a correlação de forças entre as classes que existe no país e que defendemos ações impossíveis.

Ele sabe que avaliamos existir uma situação pré-revolucionária, uma polarização da luta de classes no Brasil. O MAIS diz que há “uma onda conservadora” (situação reacionária, intuímos nós), que os trabalhadores estão derrotados e numa defensiva completa. O que não explica é como uma situação reacionária produz Greve Geral e se torna ainda mais reacionária.

Ano passado, como todos sabem, o PSTU esteve na vanguarda da luta pela unidade de ação para construir uma Greve Geral no país.

Semanas antes da Greve Geral de 28 de abril, Valério, em debate na CSP-Conlutas, dizia ser a Greve Geral impossível. Uma política ultraesquerdista do PSTU. Correta estava a CUT. Se a Greve Geral dependesse das análises de Valério, essa não teria sido possível e a culpa seria “da onda conservadora e das massas derrotadas”.

Da mesma maneira que passou todo o início de 2017 proclamando a impossibilidade da Greve Geral, não vacilou um minuto em apoiar a ação desmobilizadora e aparatista das Frentes Povo Sem Medo e Brasil Popular e suas tentativas de sufocar o movimento. A “grande linha”, quando a Greve Geral estava na ordem do dia, era desviar o movimento para transformá-lo em shows e em campanha pró-Lula na tal “Frente pelas Diretas”, disfarce para a Frente Ampla e sua real política do “Fica Todos!”.

A resposta de massas à morte de Marielle Franco foi outro indicativo do ânimo e da disposição de luta das massas, apesar das direções. Porém se torna impossível para uma esquerda que abandonou a análise estrutural, ou seja, de classe, dos fenômenos, perceber a real situação da classe operária e das periferias. É inédito, ao menos na história recente, o grau de divórcio e distância entre as superestruturas e a base.

Temer, o PSDB e a direita tradicional, a cúpula do Judiciário, os setores de ultradireita como Bolsonaro e grupos como MBL, eles representam a burguesia, que, em crise e dividida, tem acordo em desatar uma guerra social contra os trabalhadores. Aliás, é próprio desse tipo de situação de polarização o aparecimento de setores de direita radical, que precisam ser enfrentados com mobilização social e, em certas situações, com autodefesa. E é necessária frente única e unidade de ação para lutar. Mas não em defesa de Lula, que, além de tudo, não mobiliza, porque não foi preso por defender os direitos dos trabalhadores, mas por corrupção e pela luta interburguesa hoje existente. Ou Marcelo Odebrecht também foi preso por ser uma ala progressiva da burguesia?

O PT, além de ter realizado um governo burguês e pró-imperialista por 14 anos (com o qual a classe operária rompeu), na oposição parlamentar, continua chefiando e tentando reaglutinar um bloco burguês de colaboração de classes em defesa do regime e de um programa capitalista.

O discurso da onda conservadora por parte do PT não é análise, é uma política. E criminosa! Política que os defensores de Lula repetem. Política sectária com a classe operária e mesmo com a maioria dos setores médios do proletariado, na medida em que acusa de fascista e de direita qualquer trabalhador que não apoie o PT ou que defenda a bandeira democrática de prisão de todos os corruptos. Confundem direções e setores de ultradireita com as massas. Esse sectarismo com as massas é necessário para justificar o oportunismo face aos reformistas e a adesão ao campo burguês de conciliação de classes.

Valério ataca o PSTU para defender a Nova República e a Frente Popular e ser bem aceito por ela. Agarra-se à velha ordem que está sendo moída pela polarização da luta de classes. Contraditoriamente, precisa romper com seu próprio passado e com o partido revolucionário, no qual passou a vida inteira, para defender que as rodas da história girem para trás.

Não suporta a falência do PT e o esgotamento dos 30 anos de Nova República. Infelizmente, faz lembrar o que dizia Lenin sobre Kautsky: “é o produto social da II Internacional, da fidelidade verbal ao marxismo aliada à submissão factual ao oportunismo. […](O Renegado Kautsky, Editorial Estampa, p. 10)

Faz, em relação a Lula, o que fazem os stalinistas quando defendem Maduro contra os trabalhadores, na Venezuela, ou Daniel Ortega, contra a rebelião nicaraguense.

Rosa Luxemburgo era inimiga do reformismo
Faz, também, uma discussão falsa sobre reforma e revolução. Tenta avalizar a defesa de Lula distorcendo Rosa Luxemburgo.

Rosa, quando discute com Berstein, não está preocupada em se confraternizar com os reformistas, em comemorar que revolucionários “lutam também por reformas” apesar de “antagônicos na estratégia”. Rosa está preocupada em mostrar que a luta dos revolucionários por reformas não é à maneira reformista. Para os revolucionários, diz Rosa, essas estão sempre subordinadas ao objetivo final, à revolução. Assim, por incrível que pareça, Valério tenta usar Rosa para justificar uma política que ela combatia há mais de cem anos.

Lenin, que, como Rosa, era inimigo dos reformistas e não mero adversário dizia, na Falência da Segunda Internacional, que o oportunismo, depois de 1914, era completamente adulto e não tinha mais como devolver-lhe a inocência da sua juventude. Era a tal ponto ligado à burguesia e aos governos, que se exigia a ruptura mais completa com ele. É bom lembrar que Rosa foi assassinada pela social-democracia em plena revolução alemã.

O PT, desde que mudou o programa em 1991, em especial depois que assumiu o governo no papel de gerente do Estado burguês, transformou-se em “reformismo sem reformas” (em social-liberalismo é mais preciso) e deixou de ter qualquer papel progressivo. Agora, na oposição, conforma um bloco político de colaboração de classes, no qual o PSOL se integra e cujo projeto é voltar a ser o gerente do Estado burguês. A “Frente pela Democracia” tem objetivo eleitoral e acordo programático e político em torno de um programa burguês e de um bloco de colaboração de classes.

Valério, baseado numa análise unilateral e derrotista, defende que não há espaço para lutar por mais do que reformas durante um longo período. Aproxima-se, com isso, da visão e do programa do PT e do PSOL. Lamentável que o faça. Só não pode fazê-lo escudando-se em Rosa Luxemburgo.