Vladimir Putin ordenou o cerco ao prédio ocupado pelos seqüestradores justamente quando se preparavam as negociações

Acabamos de sair de uma semana trágica. Estarrecidos, fomos submetidos a um desfile macabro de centenas de corpos esquálidos, seminus e chamuscados por marcas de tiros e bombas. Nem uma escola com 1.500 pessoas dentro, a maioria crianças, conseguiu deter o carniceiro russo. Decidido a não negociar com os rebeldes que haviam ocupado a escola, na Ossétia do Norte, para exigir a retirada das tropas russas da Chechênia, o presidente russo, Vladimir Putin, ordenou o cerco ao prédio justamente quando se preparava a negociação e 26 reféns já haviam saído. Resultado: 376 mortos, entre eles 50 rebeldes chechenos, e mais de 600 feridos.

Fortalecido pela “cruzada contra o terror” encabeçada pelo assassino-chefe, George Bush, o Kremlin endurece contra a luta pela libertação da Chechênia. Apresenta os separatistas como parte da ameaça terrorista internacional encabeçada pela Al Qaeda, para se proteger contra as críticas, e desata sua sanha assassina contra os rebeldes, sem se importar com a vida dos reféns.

Terror joga as massas contra a causa chechena

O seqüestro na Ossétia foi o último de uma seqüência de atentados na Rússia, em dois aviões e no centro de Moscou. Os resultados foram desastrosos, não apenas em perda de vidas humanas. Conforme ocorriam os atentados, aumentava entre a população russa o repúdio aos terroristas. As pesquisas de opinião mostraram que 99% dos entrevistados concordavam em dar poderes excepcionais ao governo Putin para prevenir o terrorismo. Por serem atentados contra a população, atingindo centenas de pessoas inocentes, vêm conseguindo exatamente o contrário do que pretendem. Estão jogando as massas nos braços dos governos numa busca, compreensível, por segurança. Com isso, os governos vêm se sentindo mais fortalecidos para atacar as lutas dos trabalhadores do mundo inteiro contra os planos imperialistas de recolonização e rapina. Com suas ações, os terroristas não apenas se distanciam cada vez mais das massas, como se jogam diretamente contra elas.

O que Bush conseguiu com os atentados de 11 de Setembro? Acabar com a síndrome do Vietnã. O que a luta dos trabalhadores tinha conseguido com muito esforço: impedir que o imperialismo invadisse outros países com temor de ser derrotado como foi no Vietnã, agora o terror ressuscita. Tanto que os atentados na Rússia coincidiram com a Convenção do Partido Republicano, com Bush crescendo nas pesquisas e nos palanques, prometendo acabar com o terror. Como Bush, Putin também lucrou com os atentados, que fortaleceu o chauvinismo grão-russo e sua histeria contra todo tipo de luta pela independência.

O povo checheno só vai conseguir ser vitorioso em sua justa luta pela autodeterminação, pelo fim da farsa eleitoral com ocupação militar e pela derrubada do regime títere de Kadirov-Aljanov, baseado no saque do petróleo, se tiver a solidariedade de todos os povos do mundo, em especial do povo russo. É justamente essa solidariedade que o terrorismo está conseguindo minar. Nosso repúdio aos atentados não pode ocultar o fato de que a reivindicação das massas chechenas é justa e faz parte de uma luta de mais de 200 anos por sua independência e soberania em relação à Rússia.

Só com a Revolução a Chechênia foi livre

A Chechênia fica no Cáucaso e é uma região de importância estratégica para a Rússia, tanto pelo petróleo e outras riquezas naturais, quanto pelo porto. Por isso, vem padecendo um assédio que já dura dois séculos.

A política de Putin hoje é a continuação da política levada pelo czarismo e, depois, por Stalin contra a Chechênia. O Império Russo conquistou o Cáucaso nos séculos XVIII e XIX, mas nunca foi capaz de submeter totalmente os chechenos, apesar das atrocidades cometidas pelo czarismo. Somente com a Revolução Russa, em 1917, a Chechênia conseguiu a autodeterminação, por política de Lenin. Mas quando Stalin tomou o poder, a partir de 1923, tudo voltou atrás. Em 1944, Stalin faz uma limpeza étnica na Chechênia. Quando os soldados chechenos voltaram da Segunda Guerra Mundial não encontram mais suas famílias, que haviam sido deportadas em vagões de gado para as terras geladas do Cazaquistão. Um em cada três chechenos morreu congelado.

Em 1957, Kruchev permitiu a volta dos chechenos para casa, mas continuou controlando o país. Em 1991, com o fim da URSS, a Chechênia declarou a independência, mas, em 1994, Yeltsin ordenou que as tropas russas ocupassem Grosni, a capital chechena, que foi finalmente tomada em março de 1995 depois do massacre de 20 mil civis. A resistência foi forte e a Rússia foi derrotada, sendo obrigada a deixar a Chechênia em 1997. Com a chegada de Putin ao poder, as tropas russas voltaram a ocupar o país e impuseram um governo títere, escolhido em “eleições” totalmente controladas pelo exército russo. Putin usou como álibi uma série de atentados contra a população civil em Moscou, acusando os chechenos, mas cuja autoria nunca foi comprovada, existindo fortes suspeitas de que tenham sido praticados pelo Serviço de Inteligência russo.

Essa breve retrospectiva mostra que a única política que possibilitou a convivência pacífica entre chechenos e russos foi a política revolucionária de Lenin, que respeitou o desejo do povo checheno de autodeterminar-se e manter-se dentro dos marcos da Federação Socialista das Repúblicas Soviéticas. Fora desse período, foi uma história de agressões, massacres e atentados.