No centro da crise política que sacode Brasília há três meses, esconde-se uma disputa que envolve os fundos de pensão, o governo Lula e os partidos de oposição de direita, principalmente PSDB e PFL. Numa crise deflagrada com a revelação de cobrança de R$ 3 mil de propina por um diretor dos Correios, passando pelo “mensalão” de R$ 30 mil aos deputados da base governista e, mais recentemente, o constrangedor “mensalinho” de Severino Cavalcanti, que caiu em desgraça por causa de um cheque de R$ 7 mil, as cifras do escândalo tendem a aumentar, e muito, com a entrada em cena dos grandes fundos. Tanto o governo como os tucanos e o PFL certamente não aprofundarão as investigações no vespeiro dos fundos, pois sabem que podem se incriminar.

Dantas: do PFL a Dirceu
No entanto, a dinâmica própria que a crise tomou, tal como lances em falso, dados pelo governo e pela oposição, podem abrir a caixa de Pandora. Exemplo claro disso ocorre no dia 21 de setembro, quarta-feira, quando o banqueiro Daniel Dantas, dono do Opportunity, presta depoimento à CPI mista dos Correios. A convocação do banqueiro foi articulada pela base governista como forma de desviar a crise do Planalto para as falcatruas realizadas pelo governo FHC durante as privatizações das Teles. Entretanto, o tiro dos governistas pode sair pela culatra e revelar mais do que deseja o PT. Isso porque Dantas, tradicional aliado de PFL e PSDB, aproximou-se recentemente do partido de Dirceu via Delúbio Soares e Marcos Valério, por conta da disputa pelo controle da Brasil Telecom.

Dessa forma, um personagem visto pelos parlamentares do governo como um coringa contra a oposição de direita pode transformar-se numa bomba para o Planalto. O caso remonta a uma disputa que se arrasta há anos entre Dantas e os fundos de pensão. Tal complexa e intrincada disputa de interesses teve início com as privatizações levadas a cabo por FHC. Desmembrada, a antiga Telebrás foi posta a venda. Dantas, então, por meio do Opportunity e com a ajuda do então ministro das Comunicações, Luiz Carlos Mendonça de Barros, e do presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), André Lara Resende, formou um consórcio com dez fundos de pensão e os estrangeiros Telecom Italia e Citigroup, fundo financeiro do Citibank. Com a intervenção direta do governo do PSDB, o consórcio abocanhou a então Tele Centro Sul, que seria mais tarde a Brasil Telecom, a maior operadora de telefonia fixa do país.

Disputa sangrenta
Apesar de controlar apenas 10% das ações da nova empresa, Dantas, com a sempre generosa mediação tucana, obtém o controle da Brasil Telecom. O Citigroup e os fundos detinham, cada um, 45% das ações com direito a voto. Abre-se então uma sangrenta disputa interna pelo controle da empresa. Com a posse de Lula e o controle da direção dos fundos estatais, capitaneada pelo então ministro da Secom (Secretária de Comunicação e Gestão Estratégica) Luiz Gushiken, os fundos unem-se ao Citigroup para alijar Dantas da direção. Para isso, os fundos comprariam ações do grupo financeiro internacional por um valor 300% acima do valor de mercado.

Em março, Dantas foi destituído da direção da Brasil Telecom e de outras empresas administradas pelo CVC Opportunity (fundo sobre o qual atua o banqueiro), como a Telemig Celular, Amazônia Celular e o Metrô do Rio de Janeiro. Atualmente, essas empresas são controladas por um consórcio formado pela Italia Telecom, Citigroup e fundos de pensão, tendo à frente a Previ (dos funcionários do Banco do Brasil), a Petro (da Petrobras) e a Funcef (da Caixa Econômica Federal).

Relações Perigosas
Ao perceber que perderia a briga com os fundos, Dantas iniciou, ainda em 2004, um movimento de aproximação com o governo e o PT. Reuniu-se pelo menos uma vez com Marcos Valério, segundo o próprio, na sede do Opportunity no Rio de Janeiro. A quebra de sigilo do publicitário revelou também um aporte de R$ 145 milhões do banqueiro nas contas do “Valerioduto”. Dantas queria, por intermédio de José Dirceu, contrapor-se à influência dos fundos de pensão liderados por Gushiken e assumir o controle da Brasil Telecom. Para isso, foi um dos financiadores da campanha do PT nas últimas eleições.

Mais do que um mero capítulo a mais na novela da crise, o caso Dantas pode expor o que realmente está em jogo na disputa entre PT, PSDB e PFL. Além das escaramuças próprias do jogo parlamentar, esconde-se uma luta pela direção dos fundos de pensão e pelo controle do espólio das empresas privatizadas. Ou seja, o escândalo do mensalão revela, a cada dia, mais do que um simples esquema de compra de votos, mas a corrupção generalizada que transcende o governo Lula e mostra capilaridade em todos os setores do Estado.

O papel dos fundos de pensão no atual capitalismo

As privatizações do governo FHC tornaram-se um exemplo elucidativo sobre o verdadeiro papel dos fundos de pensão. No Brasil, os fundos seguem o modelo cunhado nos países que deram origem à prática: EUA, Alemanha e Japão. As contribuições dos trabalhadores formam grandes fundos controlados pelo governo ou bancos, e são investidos no mercado financeiro e diversos ramos da economia. Existem dois tipos de fundos de Previdência complementar, o plano aberto a qualquer um que queira contribuir ou os planos fechados, geralmente compostos por contribuições de funcionários de uma empresa.

A rápida degeneração da Previdência pública, causada pelo neoliberalismo, joga cada vez mais trabalhadores para os planos privados. Desta forma, além do Estado desobrigar-se com a Previdência pública, tem à sua disposição um enorme montante de recursos vindo dos próprios trabalhadores, que são desviados para financiar as burguesias do país. No Japão, por exemplo, os fundos financiam a maior parte das exportações do país.

No Brasil, segundo a Associação Brasileira dos Fundos de Pensão, “além dos investimentos no mercado acionário, os fundos de pensão brasileiros financiaram os principais shopping centers do país e grande número de prédios comerciais, tendo sido, por muitos anos, fator de estabilidade no mercado da construção civil”. Existem atualmente no país 366 fundos que administram um patrimônio de R$ 280 bilhões. A reforma da Previdência aprovada pelo governo Lula deu um salto na procura pelos fundos.

Percebe-se agora a ânsia com que Lula aprovou um projeto que nem mesmo seu antecessor foi capaz de aprovar em oito anos de mandato. O PT controla os principais fundos de pensão estatal, entre elas a Previ (Fundos dos funcionários do Banco do Brasil), a Petros (Petrobrás) e Funcef (Caixa Econômica Federal). Juntos, apenas esses três fundos administram cerca de R$ 50 bilhões.

Post author Diego Cruz, da redação
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