Bernardo Cerdeira, de São Paulo (SP)

Sexto artigo da série “Crise e degeneração do PT”. O objetivo é oferecer ao nosso leitor uma análise sobre a história e as origens da falência do projeto petista

LEIA TAMBÉM:
7º ARTIGO: Construir uma alternativa para os trabalhadores

ARTIGOS ANTERIORES:
1º ARTIGO: A falência de um projeto: governar o Brasil como uma potência capitalista com pequenas reformas sociais
2º ARTIGO: As ilusões num capitalismo humano
3º ARTIGO: Por que o PT se envolveu na corrupção
4º ARTIGO: O PT e a farsa da soberania sem ruptura com o imperialismo
5º ARTIGO: É possível reformar o Estado brasileiro e seu regime político?

O balanço dos 35 anos de existência e mais de 12 anos de governo do PT é extremamente negativo para a classe trabalhadora. E porque negativo? Principalmente porque o PT fez retroceder a consciência e a organização independente da classe trabalhadora.

Esta série, que chega ao seu penúltimo artigo, teve como objetivo sistematizar o que dizemos há muitos anos sobre a degeneração do PT. É hora de alinhavar as conclusões sobre esse processo e suas implicações para a classe trabalhadora.

Numa das reuniões em que discutíamos a série, uma companheira me fez uma pergunta que pode ser a dúvida de muitos: “Concordo que o PT tomou um caminho oportunista, de aliança com a burguesia e se corrompeu, mas poderia ter feito diferente?”. E completava seu raciocínio assim: “Todos sabemos que o PT não era, não é e nunca se propôs a ser um partido revolucionário. Propunha algumas reformas no sistema capitalista. Ao se integrar ao sistema, se degenerou. Mas esse partido não fez o que era possível? As reformas feitas nestes 12 anos em que governou o Brasil não melhoraram a vida dos trabalhadores?”, perguntou.

Responder a essas perguntas é fundamental. Embora o prestígio do governo Dilma esteja no “volume morto” como disse Lula, é possível que muitos trabalhadores ainda tenham uma visão positiva das reformas do seu governo. Ou, ainda, confiem que uma volta do ex-presidente Lula seria uma solução para a crise do PT e do país. Nada mais falso e perigoso.

Negativo para a classe trabalhadora
O balanço dos 35 anos de existência e mais de 12 anos de governo do PT é extremamente negativo para a classe trabalhadora. E por que negativo? Principalmente porque o PT fez retroceder a consciência e organização independente da classe trabalhadora. É preciso entender esse processo.

Na primeira década de sua existência, o partido cumpriu um papel positivo. O PT e, principalmente, a CUT se contrapunham aos partidos e organizações burgueses. Mas esse papel positivo era muito mais o resultado da pressão das tremendas lutas dos trabalhadores por seus direitos e contra a ditadura do que da vontade dos seus dirigentes.

Após a derrota de Lula para Fernando Collor, em 1989, a direção do PT, nas mãos da tendência Articulação, assegurou o rumo que queria dar ao partido: a conciliação com partidos burgueses e com o empresariado nacional e internacional. Deu no que deu.

No governo, o PT priorizou o apoio ao grande capital financeiro internacional e nacional, isto é, aos grandes bancos, empreiteiras, montadoras de veículos, empresas de agronegócio etc. Ao apoiar os capitalistas e permitir que tivessem enormes lucros, fortaleceu o principal inimigo da classe trabalhadora. Hoje, aproveitando-se do pretexto da crise econômica, a burguesia se apoia no governo do PT para atacar violentamente os trabalhadores, retirando conquistas, baixando salários e gerando desemprego.

Alianças
Ao fazer alianças com partidos burgueses desprestigiados como o PMDB, o PT ajudou para a recuperação dos mesmos. Agora, os trabalhadores sofrem com os ataques destes supostos aliados que estão à frente de um Congresso que é uma verdadeira quadrilha. Também fortaleceu o Estado burguês e suas instituições mais reacionárias como as Forças Armadas, o Judiciário e a Polícia Federal.

Portanto, a direção do PT vem desarmando a classe trabalhadora diante da classe inimiga e de seus representantes políticos e funcionários, levando-a a acreditar que eram seus aliados e a confiar neles.

Por outro lado, convenceu os trabalhadores de que a solução de seus problemas passava pelo voto e não pela luta permanente contra a exploração. Não seria necessário lutar, e sim votar no PT. Como parte desse convencimento, vendeu a ideia de que as reformas sociais (Bolsa Família, salário-mínimo, moradia e outros) eram fruto do bom governo do PT e não, como de fato foram, fruto de décadas de lutas populares.

A ideologia do empreendedorismo
Ao mesmo tempo, a direção do PT reforçou a ideologia capitalista do progresso individual pela educação, pelo trabalho duro, pelo empreendedorismo e pelo mérito. Dessa maneira, incentivou a competição individual entre os trabalhadores e a falsa ilusão de que a maioria pode avançar desse modo numa sociedade em que menos de 1% acumula uma tremenda riqueza baseada na exploração do trabalho dos outros 99%. Assim, debilitou a consciência coletiva de classe dos trabalhadores que necessitam se organizar para lutar por seus direitos e interesses contra quem os explora.

Pior ainda, promoveu um enorme retrocesso na organização dos trabalhadores. Primeiro, estimulou a criação de uma enorme burocracia sindical na CUT. Depois, atrelou a CUT, o MST e a UNE ao governo, cooptando sindicalistas como ministros ou em milhares de postos de confiança. Os governos do PT destinaram parte do imposto sindical às centrais sindicais para criar organizações governistas domesticadas. Com essas medidas, o papel dos sindicatos passou a ser o de defender totalmente as políticas do governo e não os interesses da classe trabalhadora.

Por fim, provocou um tremendo dano para a confiança da classe trabalhadora em suas próprias organizações ao se envolver na corrupção que sempre caracterizou o regime político burguês, especialmente no Brasil.

A propaganda e a ação política do PT levam à mesma conclusão: o capitalismo seria um sistema nacional e internacional inevitável, impossível de superar. Portanto, resta aos trabalhadores se submeterem às normas e leis do capitalismo. Ou seja, segundo essa visão, a classe trabalhadora não pode governar o Brasil nem nenhum país do mundo e, logo, precisa aceitar a exploração, as regras de mercado, as políticas neoliberais e manter boas relações com as potências imperialistas.

Por tudo isso, a resposta à dúvida da companheira é clara: a ação política e a propaganda do PT causaram um enorme dano à classe trabalhadora, muito maior do que qualquer reforma. Aliás, como se não bastasse, essas mesmas reformas estão sendo, atualmente, destruídas pelo próprio PT.

 

É preciso um partido revolucionário e socialista!
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A classe trabalhadora brasileira está vivendo o fim de uma era: durante 35 anos construiu o PT e a CUT. Essas organizações e seu máximo dirigente, Lula, foram a liderança reconhecida dos trabalhadores.

Agora, milhões se desiludiram com esse partido e se sentem traídos. Diante das medidas do governo Dilma contra o povo pobre e das evidências de corrupção, muitos chegam a repudiá-lo.

O PT ainda vai receber muitos votos e ainda manterá alguma força, mas seu projeto de criar um grande partido que fosse a principal alternativa política da classe trabalhadora está sendo questionado por todos os lados. Essa nova situação abre um período de dúvidas e confusões para milhões de trabalhadores.

Novos partidos se lançam para disputar a simpatia e as atenções desses trabalhadores. Surgem alternativas baseadas em velhos “pelegos”, como o Solidariedade, dirigido pelos líderes da Força Sindical. Outros se apresentam como oposição de esquerda ao governo do PT, como o PSOL.

Estamos vivendo um destes momentos históricos em que a classe trabalhadora está descartando um velho instrumento que já não serve mais para a sua luta e começa a experimentar novas ferramentas. Mas, para que a construção de um novo instrumento seja bem sucedida, é preciso extrair as lições da experiência com o PT.

Partidos como o PSOL, apesar de se colocarem em oposição ao PT, repetem a mesma estratégia e a mesma política: priorizar a eleição de deputados e não a participação nas lutas sociais e na mobilização popular, limitar-se à luta por reformas, adaptar-se às instituições do capitalismo e conciliar-se com a burguesia. E o resultado pode ser pior do que foi para o PT, porque, ao PSOL, falta a base operária e sindical que aquele tinha.

Oposto ao PT
Um partido da classe trabalhadora, para que seja digno desse nome, tem de ser o oposto do PT. Deve rejeitar qualquer ilusão de reforma do capitalismo. Deve procurar dirigir a classe operária para que ela lute para instalar um governo de trabalhadores que acabe com a exploração e construa uma sociedade socialista.

Para atingir esse objetivo, esse partido deve buscar organizar e estimular a luta cotidiana e permanente da classe trabalhadora e dos explorados e oprimidos. E procurar unificar e politizar a luta até criar as condições para uma revolução socialista, única forma de acabar com o Estado burguês corrupto e opressor e com o sistema capitalista explorador.

Mas não basta a um partido de e para os trabalhadores de verdade ter um objetivo e um programa corretos. É preciso, também, que sua organização, sua democracia interna, sua moral, a integridade e a honestidade de seus dirigentes e militantes sejam impecáveis. Nenhum privilégio político ou material pode haver para os dirigentes e militantes. Os parlamentares têm de ganhar o mesmo salário que recebiam como trabalhadores. A base deve controlar os dirigentes, e que todos devem estar obrigados a cumprir as decisões democráticas dos organismos do partido. Plena liberdade de discussão e decisão das principais políticas do partido. Esses são alguns fundamentos para resgatar a confiança dos trabalhadores em sua organização política. Essa é a grande tarefa dos revolucionários nesta época de grandes mudanças.