Ana Luiza é presidente municipal do PSTU
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A internação dos usuários não pode ser o eixo de uma política de saúde públicaO governo de Geraldo Alckmin (PSDB) voltou a atacar os usuários de crack. No início de 2012 já havia sido implantada uma violenta ação policial com o objetivo de esvaziar a “cracolândia”, no centro da cidade de São Paulo. Apesar da ampla cobertura midiática, aquela ação foi um fracasso, porque não se acaba com problemas sociais e de saúde pública com violência por parte do Estado. O resultado foi a dispersão dos usuários para outros pontos na região central da capital paulista e prejuízo aos programas de saúde pública que procuravam se aproximar dos usuários no sentido de inseri-los em serviços de atendimento de saúde.

Em janeiro de 2013, Alckmin retornou com esta ação sob o lema da “internação compulsória dos usuários de crack”. O governo implantou um programa totalmente improvisado no Centro de Referência para Tratamento de Álcool, Tabaco e outras Drogas (CRATOD), em convênio com a OAB e o Ministério Público, que foi fortemente estimulado através da mídia para que os usuários fossem internados, anunciando uma facilitação da internação compulsória dos mesmos. A internação compulsória é prevista na lei que rege a chamada reforma psiquiátrica. Esta lei prevê três modalidades de internação: a voluntária (com a concordância do paciente), a involuntária (sem concordância do paciente, mas com indicação médica) e a compulsória (por determinação judicial).

É fato que o crack é uma droga potencialmente destrutiva, que tem seu consumo ampliado dia a dia em diversas regiões do país. Está presente tanto nas grandes cidades como em cidades menores no interior do país. Possui uma grande rede de distribuição através do tráfico e um preço acessível para os usuários. Entretanto, devemos lembrar que existem outras drogas que tem venda livre no comércio, como as bebidas alcoólicas. O consumo abusivo de álcool tem um grande impacto na saúde dos indivíduos e é um potencializador de situações de violência doméstica, acidentes de trânsito, assassinatos, etc.

O uso abusivo e a dependência do crack se tornaram graves problemas de saúde pública. Também estão ligados à desagregação das relações sociais, deterioração física dos usuários e marginalização social dos mesmos. Além destes aspectos relacionados à saúde física e mental do usuário do crack, há todo um campo de questões relacionadas ao tráfico de drogas, criminalidade e violência. Estes problemas sociais só poderão ser enfrentados com a legalização do uso de drogas. A defesa da legalização não é o mesmo que a defesa do uso da droga. O objetivo da legalização é o de acabar com o tráfico e o submundo que o cerca. Este ambiente piora, de maneira cruel, o quadro decorrente do abuso e dependência do crack,e atinge principalmente a população jovem, pobre e negra.

A internação dos usuários não pode ser o eixo de uma política de saúde pública na questão do crack. Pela complexidade do tema, o tratamento tem que ser feito através de uma rede de serviços na qual a internação pode ser um dos recursos. Desde o programa de saúde da família, as UBS’s (Únidades Básicas de Saúde), os pronto atendimentos, as AMAs (Assistência Médica Ambulatorial), os CAPS (Centros de Atenção Psicossocial ) álcool/drogas e os consultórios de rua, tudo isso deveria funcionar de maneira integrada e flexível, para responder às diferentes situações, dinâmicas e vínculos que o usuário apresenta nas diversas fases do uso da droga.

Como exemplo de não utilização da rede de serviços, vemos essa ação em São Paulo ser capitaneada pelo CRATOD em parceria com a OAB e o MP, sem nenhuma articulação ou diálogo com os serviços de saúde que já trabalham há anos na região central com esta população. A falta de diálogo por parte do governo Alckmin é tão grande que a equipe de trabalhadores do CRATOD recusou-se a aceitar esta política de internação compulsória e protestou publicamente com uma carta aberta à população.

No caso dos usuários de drogas, a questão da internação compulsória ou da involuntária é contraproducente. Isso é assim porque o tratamento depende de o usuário controlar seu desejo ou compulsão pela droga. Se ele está internado contra sua vontade, assim que ele sair da fase de desintoxicação, como não está convencido da necessidade do tratamento ele passa a encarar a internação como uma prisão. No momento seguinte à alta ele voltará ao uso abusivo. Para piorar, o risco de ele passar a ver a equipe de saúde como cúmplice ou conivente com esta “prisão” vai afastá-lo ainda mais do tratamento fora do hospital.

Por isso, afirmamos nossa posição contrária à internação compulsória dos usuários de crack e, ainda mais grave, transformar isso em eixo do tratamento destes pacientes. Para piorar, o governo do Estado lançou esta ofensiva sem ter as condições materiais para garantir estas internações, inclusive as voluntárias. Para “criar” estas vagas de internação já aconteceu inclusive de fecharem leitos para pacientes psicóticos em crise e transformá-los em leitos de usuários de crack. Isso nada mais é do que não resolver um problema e piorar outro.

Esta proposta equivocada e até criminosa está se espalhando pelo Brasil. Rio de Janeiro, Bahia e Minas Gerais já anunciaram a implantação de programas similares. O governo Dilma, através da ministra Gleise Hofman apoiou publicamente esta iniciativa. Isso é muito grave e mais um retrocesso importante na reforma psiquiátrica.

O novo prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT), ao não se manifestar claramente sobre a internação compulsória, se omite sobre um programa que afeta diretamente a população pobre da cidade. O mais grave é que a prefeitura é a responsável pela maioria dos atendimentos em saúde mental da capital e nada diz sobre esta política que vai afetar a população e os trabalhadores de saúde. Tudo indica que Haddad também não se chocará com Alckmin para manter as parcerias que tem pactuado com o governador do PSDB.

Não podemos deixar de assinalar que há muitos interesses financeiros e políticos envolvidos neste assunto. O interesse financeiro está ligado a uma política de higienização das grandes cidades com vista a investimentos imobiliários ligados aos grandes eventos (Copa, Olimpíada) e também à intensa bolha de especulação imobiliária que vivemos no Brasil. Neste caso, a internação compulsória dos usuários de crack pobres e moradores de rua vem para facilitar os negócios imobiliários nas cidades, pois a presença deles desvaloriza os terrenos e imóveis.

Hospitais, clínicas privadas e comunidades terapêuticas (ligadas geralmente à igrejas ou políticos locais) estão de olho no pagamento de diárias hospitalares pelo SUS. Para se ter uma ideia, o governo paga uma diária quatro vezes maior para o usuário de crack do que para outras internações psiquiátricas. As comunidades terapêuticas são instituições alvo de denúncias graves por maus tratos, cárceres privado, trabalho forçado, humilhações e ausência de cuidados de saúde e em geral tem pouca ou nenhuma equipe de trabalhadores de saúde mental, mas podem acabar sendo as que mais receberão verbas do programa do governo federal “Crack é possível vencer”, orçado em R$ 4 bilhões.

O interesse político eleitoral também é forte, com uma disputa entre PT e oposição de direita (PSDB, DEM e aliados) para convencer as famílias de que estão muito empenhados em resolver o problema. Esta disputa distorce e perverte as ações de saúde pública com a população usuária, pois o esforço de criar uma solução mágica para este grave problema serve muito mais para responder à sociedade, a mídia e aos “eleitores” do que para ajudar as pessoas que estão nessa situação de dependência do crack.

Os governos (município, estado e federal) investem pouco na área de saúde mental. Ao contrário, há uma política de poucas contratações de recursos humanos por parte do estado e privatização dos serviços de saúde. Este é o verdadeiro problema. Mesmo os defensores da internação como principal instrumento de tratamento sabem muito bem que é necessária esta rede de atendimento, além da reinserção social dos pacientes após a saída da internação.

O subfinanciamento da saúde, que estrangula o SUS, manifesta-se com clareza no caso da saúde mental. A lei 10216 (reforma psiquiátrica) propôs os Centros de Atenção Psicossocial como recurso terapêutico prioritário no tratamento dos usuários da saúde mental. No entanto segundo o Relatório de Gestão do Ministério da Saúde de 2011, até este ano foram implantados no Brasil inteiro 1.742 CAPS, sendo que desses, apenas 41 funcionam 24h, 105 são voltados para saúde mental infantil (CAPSi) e apenas 200 para usuários de álcool e drogas.

Serviços de saúde mental especializados são muito caros, pois envolvem muitos gastos com mão de obra qualificada, chocando-se com a política restritiva imposta ao SUS. Ou seja, da perspectiva de uma visão integrada sobre saúde pública com qualidade, é impossível tratar a dependência de crack com um sistema de saúde pública defasado, subfinanciado e cada vez mais nas mãos dos empresários da saúde.

As propostas do PSTU para lidar com este importante problema social e de saúde pública são:

1. Um sistema de saúde público, estatal, laico e de qualidade!
2. Dobrar os gastos estatais com a saúde pública em geral e com a saúde mental em especial. Para isso é necessário romper com a lei de responsabilidade fiscal e com o pagamento da dívida pública para os bancos e grandes capitalistas, além do fim da DRU (desvinculação das receitas da união)!
3. Ampliação da rede de CAPSAD (álcool e drogas) com atendimento 24 horas e de leitos hospitalares para internações seja em hospitais gerais (para desintoxicação) ou instituições especificamente voltadas para este público.
4. Reintegração social dos usuários de crack, com a implementação de um amplo plano de empregos e moradias populares;
5. Descriminalização e legalização das drogas, para acabar com o tráfico e toda a marginalização social decorrente do mesmo. A venda das drogas deverá ser controlada pelo estado e os impostos decorrentes desta venda utilizados integralmente em programas de saúde voltados ao tratamento de qualidade dos dependentes químicos e políticas de educação em saúde para evitar que as pessoas se tornem dependentes
6. O crescimento vertiginoso do abuso de drogas (legais e ilegais) também é uma produção social, ou seja, consequência do modo de produção capitalista. Em defesa do socialismo como melhor forma de organização social em que o objetivo não é a busca do lucro e sim o bem estar coletivo e individual.