Seminário será aberto a todos que quiserem discutir uma estratégia socialista para o paísBaixe aqui o texto completo

O PSTU realizará no último fim de semana de junho, em São Paulo, um Seminário nacional aberto para a elaboração coletiva de um programa da candidatura de Zé Maria à presidência. A atualização do programa é um dos desafios mais complexos, mas, também, um dos mais empolgantes de uma campanha eleitoral.

Todos os ativistas que defendem uma estratégia socialista estão convidados para debater um programa para a economia, para o campo brasileiro, as relações internacionais do país, a saude, a educação, a ecologia, contra a opressão às mulheres, negros e homossexuais, e outros temas.

Em particular queremos convidar aos lutadores dos movimentos sociais e intelectuais e não pertencem aos quadros do PSTU a vir colaborar com a elaboração do programa eleitoral da campanha Zé Maria presidente.

O programa socialista, a proposta que os revolucionários apresentam aos trabalhadores como projeto, nunca está pronto. Um programa socialista é uma crítica implacável e irreconciliável da realidade que nos cerca. É através da discussão do programa que os ativistas mais lúcidos e mais decididos da classe trabalhadora se elevam de militantes sindicais à condição de líderes políticos, e se preparam para compreender o Brasil, e o mundo no qual o Brasil está inserido, condição indispensável para disputar o destino das lutas dos trabalhadores.

Não retomamos a discussão do programa sempre do início, porque recuperamos a herança construída pelo marxismo revolucionário. Mas ele é uma obra em permanente reavaliação. A esquerda marxista não pode ignorar que o Brasil, assim como a América Latina, passou por transformações nas últimas décadas. Os ajustes neoliberais da década dos anos noventa significaram um processo de recolonização, cuja máxima expressão foi a desnacionalização de setores produtivos estratégicos, privatizações de estatais e, em conseqüência, o aumento do desemprego e da miséria para patamares ainda mais devastadores do que aqueles, historicamente, muito altos que caracterizaram o capitalismo periférico no continente.

Em perspectiva histórica, os últimos vinte e cinco anos foram o período mais longo de regimes democrático-eleitorais da história da América Latina, no entanto, também, um longo período de ataques aos trabalhadores. O crescimento econômico entre 2004/08, e a ampliação de políticas compensatórias permitiram um temporário consolo social, depois de cinco anos duríssimos de desemprego, intensificação dos ritmos de trabalho, pressões inflacionárias e queda do salário médio. A crise econômica mundial de 2008 interrompeu este processo. Entretanto, desde o final de 2009, se confirmaram indicações de que a economia brasileira tinha recobrado um ritmo de crescimento. São os solavancos provocados pela crise do capitalismo mundial. Mais turbulências virão, como deixou claro a crise européia sob ameaça de moratória na Grécia.

Nessas circunstâncias é que devemos compreender a recuperação do prestígio do governo Lula, efêmero diante da história, como todas as ilusões políticas de regulação social do capitalismo. E contextualizar a campanha eleitoral no marco da reorganização do movimento operário, sindical e popular que irá prosseguir, e é o processo mais significativo para a esquerda socialista brasileira. Porque as lutas do futuro exigirão uma nova direção para serem vitoriosas.

Uma nova direção significa dizer novas organizações, mas também um novo programa. Não nos enganemos a nós mesmos, nem aos trabalhadores e à juventude: não adianta nada novos líderes com velhas propostas. A reorganização veio exigindo novos instrumentos de luta, como a Conlutas em unificação com a Intersindical, para ir além da CUT, e a Anel, para ultrapassar a UNE. A essência do processo, contudo, é política e nos remete à disputa pelo programa: a superação das ilusões reformistas de que o capitalismo pode ser regulado, e o despertar de uma disposição de luta para derrotá-lo.

A disposição de luta só se levanta quando se perderam as ilusões. Quando se vence a confusão, quando se dissipa o medo. É por isso que os revolucionários participam das eleições: elas são uma tribuna de luta política-ideológica. Nessa luta, queremos ajudar as massas populares a recuperar a confiança em si mesmas. Queremos acender a chama das mobilizações que virão, defendendo as lutas de hoje, e incendiando a imaginação dos trabalhadores e da juventude de que é possível mudar a vida, de que sua mobilização é muito mais forte do que imaginam, e de que o futuro lhes pertence.

Muitos candidatos, três campos políticos, dois projetos
A expectativa de que o capitalismo periférico brasileiro poderia realizar uma regulação social do mercado, quando a ditadura militar acabou, era compartilhada por milhões. Para os trabalhadores dos setores mais organizados do proletariado, a confiança na direção do PT e em Lula, e as ilusões na estratégia eleitoral de que as mudanças seriam possíveis através da colaboração de classes, sem rupturas com as instituições da democracia liberal, ou seja, sem choques diretos com os grandes capitalistas, significaram uma desesperadora espera de 20 anos.

Foram vinte anos entre 1982, a primeira participação eleitoral do PT, e 2002. Dirigidas pelo PT e pela CUT, e apostando que mais cedo ou mais tarde Lula venceria as eleições, as massas populares, pacientemente, aguardaram a hora da vitória eleitoral. Não faltaram tragédias econômicas e comoções sociais nesses vinte anos: duas décadas de crescimento econômico baixo, quase raquítico, em que as turbulências da superinflação dos anos oitenta deram lugar ao desemprego crônico, alimentaram um crescente mal-estar social e motivaram grandes lutas, algumas ofensivas – como a onda de lutas que começou com as Diretas em 1984, e se estendeu até o Fora Collor em 1992 -, outras defensivas, entre 1992 e 2002.

Não obstante, o alarme constante diante de represálias dos donos da riqueza, que mantiveram influência histórica sobre as instituições de poder; a insegurança social dos trabalhadores em si mesmos e na sua capacidade de luta; a imaturidade política de uma geração proletária inexperiente; e o papel desorganizador e desmobilizador de uma direção sindical e política – CUT e PT – sempre disposta a inflar a força dos poderosos e diminuir a força dos explorados; todos estes fatores favoreceram a estratégia reformista de prevenir as lutas sindicais, quando evitável, conter a sua radicalização, quando possível, e impedir a sua unificação, quando incontornável, e redirecionar o descontentamento para as eleições.

Ainda assim, a tensão social crônica alimentou lutas de resistência que, rapidamente, pareciam poder transbordar para além dos limites institucionais do novo regime democrático. Foi possível, em mais de um momento, começar, seriamente, a medir forças entre o proletariado e seus aliados sociais e a burguesia. E o que se viu nas ruas entre 1984 e 2002, foi a revolução brasileira engatinhando os seus primeiros passos. Descobriu-se um Brasil urbano e muito concentrado, em que a força social de choque do proletariado era capaz de atrair a maioria da classe média para o seu lado, e deixar isolado o grande capital. Quando a massa popular saiu às ruas aos milhões para derrotar o Colégio Eleitoral da ditadura exigindo Diretas Já em 1984; quando a maioria do povo aderiu aos métodos de luta da classe operária, com as greves gerais contra Sarney, entre 1987 e 1989; quando a juventude se sublevou e acendeu a ira de milhões contra Collor em 1992; quando as ocupações de latifúndios e as marchas camponesas do MST despertaram a simpatia da maioria da nação, em 1997; quando o Fora FHC foi capaz de unir cem mil na marcha a Brasília em 1999. Em todos estes momentos decisivos, a burguesia brasileira se apequenou, se acanhou, se descobriu socialmente isolada, e politicamente, dividida.

Paradoxalmente, a direção que alimentou as lutas contra Figueiredo e Sarney – os combates que legitimaram a fundação do PT e da CUT, e a autoridade de Lula – passou a refreá-las contra Collor e FHC. Mas, isso não impediu que se beneficiasse do desgaste dos governos da Nova República, e vencesse as eleições em 2002. O mais importante, entretanto, é que esse processo histórico de vinte e cinco anos confirmou que, nos limites do regime democrático-liberal e seu calendário eleitoral, a vida das massas não poderia mudar. Parece inegável que essa esperança reformista, com a perspectiva que os últimos oito anos nos oferecem, foi frustrada.

As poucas reformas de conteúdo socialmente progressivo realizadas sob o regime da democracia liberal, como a extensão da previdência social à população rural, ou a implantação do Sistema Único de Saúde, o SUS, ficaram muito aquém das necessidades reprimidas durante duas décadas pelo regime militar. As poucas reformas do governo Lula, como o aumento do salário mínimo levemente acima da inflação foram muito pouco, depois de tantas lutas e tanto tempo. As políticas compensatórias como o Bolsa-Família são recomendadas pelo Banco Mundial para ajudar na sustentação política e eleitoral do plano econômico neoliberal.

A verdade precisa ser dita: a expectativa de que o Brasil tivesse uma verdadeira mudança ao ter no governo sua principal liderança sindical foi frustrada. Mesmo os que apóiam o governo Lula sabem que os salários continuam baixos, o desemprego segue alto, a reforma agrária não saiu do papel. A sensação de alívio que existe hoje é muito mais uma consequencia do periodo de crescimento econômico em comparação com a crise econômica e os ataques que marcaram o governo FHC.

Todos os governos da democracia burguesa, desde Sarney a Lula, repetiram a ditadura militar e foram incapazes de diminuir, significativamente, as desigualdades sociais acumuladas. Isso não é produto de um “desenvolvimento” insuficiente do capitalismo, como apregoam os seus defensores. Ao contrário, trata-se da expressão mais desenvolvida e moderna do capital. O Brasil está sendo usado como plataforma de exportação de minérios e produtos agropecuários para o mercado mundial, assim como de automóveis e eletrodomésticos para a América Latina. Para isso, o capital estrangeiro implanta no país plantas industriais com máquinas modernas e organização do trabalho “de ponta”. Grandes unidades de produção do agronegócio produzem carne, soja e cítricos para exportação. Gigantescas minas produzem ferro, imediatamente exportado para a China.

Mas todo esse dinamismo tem por fundamento também o mais desenvolvido arrocho salarial: as multinacionais querem rebaixar o salário dos norte-americanos ao padrão latino americano, e os brasileiros ao patamar chinês.

Esse é o segredo do governo Lula: durante a fase de cresciemnto da economia assegurou um aumento de 400% nos lucros das grandes empresas, enquanto convenceu os trabalhadores a aceitarem migalhas como se fossem produto da “preocupação social do governo”.

Mas mesmo esse “alívio” temporário, produto da recuperação econômica entre 2004-08 foi golpeado pelo impacto da crise mundial de 2008-09. A vulnerabilidade externa do Brasil não só não foi revertida, como se agravou – a previsão é de um déficit em contra corrente de US$ 50 bilhões em 2010 – apesar do aumento das reservas para um patamar em torno de US$ 250 bilhões.

O agravamento da crise capitalista pela iminência de uma moratória da dívida externa da Grécia, que seria um terremoto financeiro ainda maior do que a falência do Lehmann Brothers, em 2008, sinaliza que estamos em uma nova situação mundial.
Se até na Europa do Mediterrâneo, como na Grécia, Espanha e Portugal, a crise do capitalismo está levando os governos dos Partidos Socialistas de Papandreou, Zapatero e Sócrates a aumentar as alíquotas de impostos sobre o consumo, a impor a redução nominal de salários entre 5% e 30%, e agravar a elevação da idade mínima de aposentadorias para 65 anos, indistintamente, entre homens e mulheres, podemos nos perguntar o que nos espera em 2011 no Brasil.

As candidaturas Serra, Dilma, e Marina: três propostas de capitalismo regulado
Ainda que sejam muitas as candidaturas, serão três os campos políticos nessas eleições – o governo Lula, a oposição de direita, encabeçada por Serra, e a oposição de esquerda, através das candidaturas do PSTU, PSOL e PCB – e existem somente dois grandes projetos estratégicos: os que defendem a regulação política do capitalismo, e os que defendem a necessidade de uma ruptura anticapitalista.

São duas as grandes interpretações para este balanço histórico desanimador do capitalismo brasileiro. A primeira visão organiza a visão liberal dominante na burguesia brasileira. Os liberais-sociais do PSDB, os sociais-liberais do PT, e os ecologistas-liberais do PV, todos travestidos, quando lhes convém, de keynesianos reguladores se regozijam porque vêm um Brasil cada vez melhor. Têm quatro grandes acordos econômicos e políticos: (a) a proporção da dívida pública em relação ao PIB foi reduzida para menos de 50%, o que favorece, potencialmente, a atração de capital externo do cassino financeiro, mesmo com a permanência da crise mundial; (b) o controle da inflação foi conquistado com a lei de responsabilidade fiscal, e os superávits fiscais de, pelo menos, 3% do PIB, asseguraram a confiança da burguesia na moeda nacional, e têm permitido que os interesses dos rentistas estejam protegidos; (c) a abertura comercial e financeira dos anos noventa permitiu uma plena integração no mercado mundial, as importações ajudaram a controlar a inflação, favoreceram a reestruturação produtiva, e o Brasil se beneficiou do aumento da demanda das commodities que exporta; (d) a manutenção da independência do Banco Central; o favorecimento do agro-negócio exportador; o impulso do BNDES à formação de grandes monopólios nacionais pela concentração de capital, inclusive, com financiamento público das aquisições; (e) a preservação da relativa paz social alcançada com a parceria dos sindicatos e Centrais sindicais com os governos, e as políticas compensatórias para os setores populares mais desorganizados.

Os porta vozes desta avaliação serão nas eleições de outubro, indistintamente, José Serra, Dilma Roussef e Marina Silva. Haverá diferenças de tom, mas a música será a mesma. Seus programas eleitorais serão, declaradamente, pró-capitalistas, com ênfases variadas sobre o tipo de regulação mais ou menos social, ambiental e desenvolvimentista que pretendem fazer do capitalismo. Os três candidatos reconhecem diferenças entre si, mas admitem, também, e com estarrecedora franqueza, que são pequenas. Haverá uma enorme poeira levantada no ar por polêmicas, essencialmente, secundárias. Não foi por outra razão que Marina adiantou que, se eleita, convidaria para ministros quadros do PT e do PSDB. Serra, para não ficar atrás, em generosa reciprocidade, respondeu que convidaria quadros do PV e do PT. Não há porque duvidar que Dilma, se eleita, faria, também, os convites mais esdrúxulos, já que o próprio Lula não hesitou em chamar Roberto Rodrigues para a Agricultura e Meirelles para o Banco Central. Tudo isso é possível.

Defensores de Serra, de Dilma e de Marina estão igualmente satisfeitos e reconciliados com: (a) a preservação intacta do aparelho repressivo das Forças Armadas e Polícias Militares herdado da ditadura militar, inclusive, a anistia aos torturadores; (b) a consolidação da democracia-liberal como regime político, com seus vícios escandalosos de corrupção eleitoral financiada pelos monopólios, em uma espécie de bi-partidismo entre governo e oposição, ampliado pelas coligações regionais que garantiram uma maioria congressual nos últimos vinte e cinco anos (afinal o PV participou, alegremente tanto dos governos Serra em São Paulo e César Maia no Rio, quanto Lula em Brasília); (c) as desnacionalizações, privatizações e parcerias com o grande capital, incluindo a participação estrangeira na exploração do pré-sal; (d) a manutenção da privatização da educação, da saúde e da previdência.

Serra e a oposição burguesa: um programa para um novo ajuste antioperário
A visão de Serra remete às ansiedades da grande burguesia – bancos, empreiteiras, monopólios, multinacionais – que insistem em uma apreciação econômica do que consideram as fragilidades estruturais do país: o Brasil cresceu menos do que poderia porque, em função das necessidades de legitimação do regime democrático depois de vinte anos de ditadura militar; o Estado agigantou-se, elevando a carga fiscal para patamares incompatíveis com taxas de expansão mais altas; o peso dos gastos sociais inibiu os investimentos estatais na modernização da infra-estrutura; a proporção do consumo das famílias e do Estado sobre o PIB aumentou, e a poupança interna permaneceu muito pequena, enquanto o déficit na conta corrente das transações externas cresce, vertiginosamente, e só fecha em função dos investimentos estrangeiros.

A premissa é que para voltar a crescer o país precisaria consumir ainda menos. Sem um aumento da super-exploração dos que vivem do trabalho seria impossível atrair investimentos produtivos, e o Estado não pode e não deve ser o grande investidor, a não ser em parcerias com o capital privado. O único critério é a saúde dos grandes negócios, ou seja, as possibilidades maiores ou menores do capital se valorizar mais rápido, em um contexto de grande competição internacional.

Destas premissas, retiram quatro conclusões: (a) não é possível aumentar impostos, e seria melhor reduzir a carga fiscal do Estado, porque as economias periféricas com as quais o Brasil compete têm encargos muito mais leves, e o peso do Estado desencoraja investimentos que serão indispensáveis para explorar o petróleo do pré-sal; (b) não é possível manter os atuais níveis de consumo do mercado interno, porque a poupança nacional e a taxa de investimento são insuficientes, portanto, vai ser necessário reduzir gastos de custeio do Estado, despesas públicas com políticas sociais e realizar um arrocho salarial, porque a sociedade vive acima dos seus meios, e não pode continuar contando, indefinidamente, com o financiamento externo; (c) não é possível financiar por mais tempo o déficit externo nas contas correntes, porque o câmbio valorizado do real em relação ao dólar e euro desestimula as exportações e favorece as importações, portanto, a desvalorização da moeda está de novo no horizonte; (d) não é possível competir no mercado mundial, em especial, com economias em estágio semelhante de desenvolvimento, como China e Coréia do Sul, por exemplo, porque as pressões sociais por redução da jornada de trabalho, expansão dos gastos sociais, seja em programas compensatórios como o Bolsa-família, seja em políticas públicas universais como investimentos em educação, SUS ou previdência, são incompatíveis como taxas de investimento estatais em infra-estrutura.

Dilma e a armadilha da política de colaboração de classes sem reformas
Os estatistas reguladores petistas – e seus aliados do PCdB, PSB, PDT, e etc.- estão felizes da vida, porque, do alto dos índices de popularidade de Lula, sabem que Serra não pode reivindicar o balanço do governo Fernando Henrique Cardoso, sem ser derrotado antes da luta começar. No entanto, deveriam lembrar, também, que a transferência de votos de Lula para Dilma é uma batalha ainda por fazer. Exemplos das eleições dos últimos vinte e cinco anos, como a eleição de Fleury por influência de Quércia em 1990, de Pitta pela de Maluf em 1996, e de Kassab pela de Serra em 2008, só para lembrar três processos, confirmam Dilma como favorita, mas de forma muito diferente da eleição de Lula em 2006, que já foi, por sua vez, muito distinta de 2002. As bases sociais da votação de Lula em 2006, e da sua popularidade em 2010, não são as mesmas que permitiram a vitória em 2002: o PT tem hoje muito menos autoridade nos setores organizados da classe trabalhadora, embora o lulismo tenha mais influência do que nunca nos setores desorganizados do proletariado.

Assim como FHC pediu que se esquecesse tudo o que tinha escrito antes de chegar ao poder, Lula pediu que se perdoassem as bravatas de vinte anos de oposição.Os trabalhadores ficaram sabendo que o fiasco do capitalismo seria produto, afinal, de um cenário externo adverso, e das dificuldades internas de conseguir que o Estado pudesse voltar a cumprir o papel de fomento que tinha tido antes de 1980, pelo peso das dívidas, ou seja, aderiram, alegremente, à visão dos governos aos quais fizeram oposição.

Por isso, o governo Lula manteve como orientação central oferecer garantias aos credores das dívidas externa e interna, ampliando as políticas compensatórias. Seu principal lastro não foi nem o aumento do salário mínimo, nem o Bolsa família, nem o ProUni, nem a ampliação do crédito consignado. Foi a recuperação econômica que reduziu o desemprego entre 2004 e 2008. O prestígio de Lula, embora abalado pela crise do mensalão em 2005, preservou-se.

A questão de fundo, todavia, é que essa recuperação foi transitória – acompanhou o crescimento mundial, e já está no horizonte uma nova crise.

Para compreender as razões deste impasse é preciso perspectiva histórica. A sociedade brasileira entre 1930 e 1980, mesmo considerando-se os limites impostos pelo seu estatuto subordinado na periferia capitalista, foi uma das economias com mais dinâmica no mercado mundial. Perpetuaram-se as desigualdades, porque a concentração de renda aumentou, não diminuiu. Mas existiu, durante cinco décadas, em função da conjuntura internacional do boom do pós-guerra, um capitalismo com taxas aceleradas de crescimento econômico, enquanto se realizavam as tarefas da urbanização e industrialização. Os dois processos foram simultâneos, ainda que não tenham tido a mesma proporção em todo o país. No entanto, o certo é que existiu mobilidade social na fase das grandes migrações do campo para a cidade. Existiu, também, uma mobilidade relativa beneficiando a classe média.

O crescimento econômico foi mais significativo que a escolarização, mas é provável que tenha ocorrido uma sinergia na confluência de causas. Logo, a promessa de que seria possível ir além dos limites do capitalismo agro-exportador, e fortalecer um crescimento apoiado na expansão do mercado interno e, portanto, viver melhor, através de reformas como uma educação pública universal – a percepção popular do nacional-desenvolvimentismo – era uma promessa que alimentava esperanças. Garantia alguma coesão social para a estabilidade dos regimes políticos entre 1945 e 1964. A força de inércia das ilusões reformistas repousou nessa história, que culminou com a experiência interrompida do governo JoãoGoulart. Lula foi, depois de 1980, o herdeiro destas ilusões.

As condições históricas que permitiram esse crescimento econômico se perderam no pós-guerra. Reformas progressivas na época da decadência do capitalismo só foram possíveis em situações excepcionais, como concessões para evitar a precipitação de revoluções. As poucas reformas do período democrático pós-1985 foram efêmeras e instáveis. Não se construiu um Estado de bem estar social: não ocorreu redução significativa da jornada de trabalho. Ela caiu de 49 para 44 horas semanais, todavia, ainda não se regulamentou a jornada semanal de 40hs, em vigência em quase todos os países industrializados. Ao contrário, os planos neoliberais vão impondo a precarização do trabalho, que já predomina no país. O desemprego se instalou como um drama social estrutural, quando era residual até 1980.

Quando raciocinamos neste horizonte de perspectiva, verificamos que o capitalismo brasileiro não pode sustentar uma real perspectiva de mobilidade social. Depois do crescimento econômico dos últimos 25 anos, permanecemos com a mesma renda per capita: duplicamos o PIB, mas duplicamos também a população.

O “alívio” existente hoje, produto do crescimento econômico recente, não poderá se traduzir em uma mudança real, e nem sequer garantir as pequenas coisas conquistadas.
O capitalismo brasileiro do século XXI é um capitalismo com taxa de mobilidade social muito baixa, e a educação deixou de ser um trampolim social. O salário médio dos setores que alcançam uma escolaridade técnico-profissional como os operários qualificados, oscila pouco acima do salário médio. O daqueles com escolaridade elevada, ou seja, o ensino superior, mantém uma curva descendente contínua há mais de duas décadas: professores, quadros intermediários da administração pública ou privada, profissionais assalariados, como médicos, advogados, engenheiros, arquitetos, etc.

Todas as informações disponíveis confirmam que a possibilidade de se conquistar recompensas econômicas e sociais, ou uma vida mais segura e mais confortável através do esforço individual, por exemplo, uma educação maior, está reduzida. Em outras palavras, a mobilidade social relativa está estagnada, ou retrocedendo. A razão de fundo deste processo é a própria estrutura do capital em sua fase de decadência. O dinamismo da economia se apóia na superexploração dos trabalhadores. A mesma exigência do capitalismo para conseguir lucros altíssimos se impõe nos baixos salários e um gigantesco exército industrial de reserva para pressionar os empregados.

A crise crônica da sociedade brasileira já foi percebida, pelo menos parcialmente, pelas massas trabalhadoras, e mesmo pelas camadas médias, ainda que esse mal estar não se manifeste ainda, como nos anos oitenta, em uma elevação da participação política. Os anos de suspiro entre 2004 e 2008, com seu crescimento baixo, foram recebidos com alívio por uma geração que vivia entre recessões longas e curtas.

Mas, nos setores mais organizados da classe trabalhadora, avança a percepção de que não há razões para esperar uma vida melhor pelo sacrifício individual. A função social da educação na sociedade é cada vez mais estabelecer a divisão do trabalho que vai permitir a perpetuação das relações sociais existentes. Ou seja, a educação não questiona as relações sociais, somente as perpetua. As ilusões reformistas entrarão em choque, inevitavelmente, com a realidade e, como esperanças frustradas, irão se dissolvendo. Mas, elas não morrem sozinhas. Será necessária tenacidade e valentia para demonstrar às massas trabalhadoras que a única forma de mudar a vida continua sendo a ação política coletiva, a mobilização operária e popular contra a burguesia e o imperialismo.

A urgência do programa socialista
A segunda grande visão dos destinos do Brasil é a marxista. Uma perspectiva socialista coloca a luta do povo brasileiro no foco da avaliação. E constrói a análise da realidade a partir do contexto histórico internacional.

Não é possível na época de decadência do capitalismo uma regulação social do mercado. Não são mais possíveis reformas progressivas duradouras. Os sacrifícios que os governos exigirão não serão transitórios. Não haverá recompensas futuras para quem apertar agora o cinto. Os trilhões de dólares acumulados pelo capital financeiro na forma de derivativos só poderão se valorizar à custa de mais e mais sacrifícios de quem trabalha. O desemprego veio para ficar, pressionando para baixo os salários mínimos na Europa e nos Estados Unidos, e o Brasil não estará imune. Não haverá descolamento em 2011. Quando na Europa o capital precisa infligir aos trabalhadores condições de vida latino-americanas, na América Latina precisará castigar com condições de vida chinesas.

É por isso que a urgência do socialismo nunca foi tão grande. Muitos operários e jovens se perguntam o que significa o socialismo. A resposta pode ser dada com simplicidade: a superação do capitalismo em que a sociedade trabalha para garantir lucros altíssimos para uma ínfima minoria, os donos das grandes empresas. A estatização sob controle das grandes empresas abre as portas para a construção de uma produção planificada em função das necessidades dos trabalhadores e não dos lucros da GM, da Volks, etc.

O socialismo não pode ser confundido com o regime ditatorial que governou na antiga União Soviética. A ditadura stalinista não tinha nada de socialista. Mas os primeiros sete anos da revolução russa, antes de sua burocratização, deram um exemplo histórico nunca superado de democracia: pela primeira vez os trabalhadores puderam discutir e decidir democraticamente o que fazer com a produção, com a guerra, etc. Uma riquíssima vida cultural floreceu em plena liberdade, gerando contribuições geniais à poesia (como Maiakovsky) e ao cinema (como Eisenstein).
O isolamento internacional da revolução naquele momento permitiu a degenderação burocrática stalinista que afogou a democracia operária, burocratizou o estado e permitiu mais tarde a restauração do capitalismo.

Tampouco são socialistas as experiências em curso na Venezuela ou na Bolívia. A regulação estatal do capitalismo é uma quimera que já foi ensaiada outras vezes em países periféricos – como no Egito com Nasser nos cinqüenta, no Peru com Velasco Alvarado nos anos setenta, na Nicarágua com os sandinistas nos anos oitenta, – e sempre fracassou. Os limites políticos e sociais do nacionalismo burguês são insuperáveis.

Na Venezuela chavista, as multinacionais seguem explorando o petróleo, agora como sócias do estado. Os bancos têm lucros gigantescos, extamente como no Brasil. As nacionalizações chavistas mantiveram o controle da economia nas mãos das grandes empresas privadas. Uma “boliburguesia” (um setor da burguesia que cresceu pelos favores do estado) controla setores importantes da economia.

Os salários dos trabalhadores são semelhantes aos do Brasil, assim como os níveis do desemprego. A corrupção é tão grande ou ainda maior que a brasileira, apoiada nas rendas petroleiras. As posturas cada vez mais autoritárias do governo se chocam não só com a oposição burguesa, mas com as greves operárias.

É porque se mantém nos marcos do capitalismo que o governo chavista não surge como alternativa perante a crise econômica internacional. Ao contrário, a economia venezuelana está sendo fortemente golpeada pela crise. Como a exploração capitalista segue intacta no país, a insatisfação vai corroendo as bases populares do chavismo.

A verdadeira tragédia venezuelana é que está se impondo uma polarização entre o projeto burguês autoritário do governo e o da oposição de direita. Grande parte da esquerda latinoamericana, ao embarcar no projeto nacionalista burguês de Chavez, comete um crime contra o socialismo, por tentar impedir a construção de uma alternativa própria e independente dos trabalhadores.

Não existe nada de novo no “Socialismo do Século XXI” de Chavez. Trata-se das mesmas propostas de capitalismo humanizado do nacionalismo burguês. É o mesmo tipo de colaboração de classes com setores da burguesia praticados pelo stalinismo e a socialdemocracia. Não é por acaso que Chavez é apoiado pelo governo Lula e pelos partidos stalinistas de todo o mundo.

A urgência do programa socialista reclamada pelos anúncios de nova crise internacional exige uma crítica radical tanto das ditaduras stalinistas do leste europeu como do nacionalismo burguês chavista. O novo é a independência de classe dos trabalhadores em relação a todos os setores da burguesia. A audácia necessária é a defesa do programa de estatização das grandes empresas que foi o centro do programa econômico tanto da revolução russa em 1917 como da cubana de 1959.

O novo e urgente é o socialismo revolucionário. Só os trabalhadores livremente auto-organizados serão capazes de unir o povo e reunir a força social para derrotar o capitalismo.