O presidente equatoriano, Rafael Correa, anunciou o confisco temporário dos bens da construtora brasileira Odebrecht instalada no país. O decreto assinado por Correa, além de incluir a retenção dos bens da empresa, permitiu a ocupação militar dos canteiros de obras e proíbe que quatro diretores da Odebrecht deixem o Equador.

A medida foi tomada após irregularidades constatadas na construção da usina hidrelétrica de San Francisco, segunda maior do país. Inaugurada em 2007, as irregularidades na obra provocaram a paralisação da hidrelétrica, que produz 12% da energia do país. Fissuras nos túneis condutores de água e danos nos dutos subterrâneos são alguns dos erros estruturais que obrigaram a paralisação das turbinas. A construção da usina custou mais de US$338 milhões, sendo que o BNDES financiou 75% (US$243 milhões).

Nesta quinta-feira, dia 25, em entrevista à TV, Correa disse que o governo não pagaria pelo empréstimo do BNDES. “Trata-se de mais de US$200 bilhões para financiar um projeto que não serve para nada”, disse.

Para a Odebrecht, a obra foi um negócio da China. Além de contar com o dinheiro do BNDES, o contrato utilizado para a construção era no modelo preço fechado (turn-key), em que cabe à empreiteira a execução do projeto e a fiscalização da obra. Tal modelo é semelhante ao utilizado para a construção da linha amarela do metrô de São Paulo. A família das vítimas do desabamento das obras da futura estação de Pinheiros sabem muito bem o quanto é ineficaz essa autofiscalização.

Na usina equatoriana há denúncias da utilização de cimento de má qualidade e de aceleração das obras, concluídas em nove meses. A explicação para isso: se a Odebrecht terminasse antes do prazo, receberia um bônus extra do governo equatoriano.

Portanto, há motivos de sobra para o confisco dos bens da empreiteira brasileira que atuou de forma corrupta, irresponsável e colocou em risco vidas e a infra-estrutura do Equador. A empreiteira deve ser expulsa do Equador e seus bens confiscados. Além disso, o governo brasileiro deve cobrar da Odebrecht o valor do empréstimo do BNDES.

No entanto, Correa já sinalizou que pretende recuar. O secretário nacional anticorrupção, Alfredo Vera, foi cuidadoso ao dizer que a empresa brasileira não foi expulsa do país e insinuou que o presidente equatoriano poderá rever a suspensão dos contratos. “É uma decisão do presidente. A única forma que isso possa ser reversível é que o chefe de Estado decida fazê-lo”.

Outro indício de que a medida é puramente retórica é o fato de os 2.500 empregados da Odebrecht continuarem trabalhando nos últimos dois dias. Nos escritórios da construtora e nos projetos de construção, o expediente foi normal.

De olho no referendo
Não é nenhuma coincidência o fato de Rafael Correa tomar estas ações contra a Odebrecht neste momento. No próximo domingo será realizado o referendo sobre a nova Constituição do país defendida pelo governo. Pesquisas apontam que a maioria votará pelo “sim”. Correa aumenta o tom nacionalista em seu discurso, de olho do referendo constitucional.

A medida contra a Odebrecht está se mostrando ser mais uma bravata do presidente equatoriano que, após o domingo, certamente vai buscar um acordo com a empreiteira. Ao contrário do que diz hoje, provavelmente pagará pelo empréstimo ao BNDES. O que não seria algo inédito.

Logo após ser eleito, Correa dizia que iria rever o pagamento da dívida externa ao FMI. Mas, semanas depois continuou pagando pontualmente a dívida, que ultrapassa US$16 bilhões.

O governo também realizou uma série de concessões a petroleiras estrangeiras através de grandes acordos com os maiores poços do país, responsáveis pela produção de 470 mil barris de petróleo diários. Estes poços estão sendo entregues às petroleiras da Indonésia, Petrochina, Pertamina, PDVSA, (Venezuela) e Petrobras.

No último dia 24, a Petrobras anunciou que não explorará campos de petróleo do conhecido como Bloco 31, localizado na Amazônia equatoriana. Contudo, permanecerá com o contrato do Bloco 18 e Campo Pau Azul, bem como na maior reserva de óleos crus pesados, conhecida como ITT, sob um consórcio conformado por Petrobrás, Enap e Sinopec.

Por outro lado, o governo Correa reprimiu duramente ativistas dos movimentos populares. Mais de 600 militantes que lutavam contra os abusos das petroleiras e mineradoras estrangeiras foram processados. Muitos foram obrigados a cair na clandestinidade. Isso tudo em pleno governo da “Revolução Cidadã”, do “socialismo do século 21”.

Existe muita expectativa na Assembléia de que o país se encaminhe a um Estado democrático progressista e nacionalista. Mas a Constituição está bem longe de atender às demandas e reivindicações dos movimentos camponeses, populares e sociais.

Entre os artigos da Constituição proposta, está a adoção de empresas do tipo mistas, com associação ao capital estrangeiro. O Artigo 316, por exemplo, afirma que “o Estado poderá delegar a participação nos setores estratégicos e serviços públicos a empresas mistas às quais tenha maioria acionária”.

Pouco antes, no artigo 313, são definidos os setores estratégicos: “telecomunicações, recursos não-renováveis, transporte e refinação de hidrocarbonetos, a biodiversidade e o patrimônio genético, o espectro radioelétrico, água e os demais que determine a lei”. Tudo isso poderá ser entregue ao capital estrangeiro.

Os trabalhadores equatorianos deram grandes demonstrações de lutas revolucionárias neste início deste século, derrubando dois presidentes corruptos e subservientes ao imperialismo. Neste momento, o povo equatoriano deve confiar em suas próprias forças para conquistar as mudanças necessárias e alcançar a verdadeira soberania do país.

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