Em resposta à morte de professor, milhares de pessoas tomam as ruas do país na
maior manifestação realizada durante o governo Kirchner

O assassinato do professor Carlos Fuentealba detonou uma paralisação dos professores em toda a Argentina no último dia 9. Mais de 100 mil pessoas saíram às ruas em todo o país. O jornal La República afirmou que a Argentina esteve “semi-paralisada” em função da greve.

Fuentealba, professor da província de Neuquén, foi covardemente morto após ser atingido na cabeça por uma bomba de gás lacrimogêneo lançada por um policial. Ele participava com mais mil pessoas de uma manifestação dos docentes por aumento de salários.

Assassinato detonou luta nacional
As mobilizações docentes estão ocorrendo há quase um mês e atingiram sete províncias, com protestos em Neuquén e paralisações em Santa Cruz, Salta.

A morte de Fuentealba teve forte repercussão. Nas escolas e nas ruas era comum ver a comoção de alunos e professores. Como resposta, os docentes realizaram um conjunto de mobilizações pelo país, convocando uma paralisação nacional para o dia 9 de abril.

Em Neuquén, 30 mil pessoas foram às ruas pedir a punição dos responsáveis pelo crime e exigir a renúncia do governador direitista da província, Jorge Sobisch, pré-candidato à presidência nas eleições de outubro próximo. A mobilização foi a maior já vista na província, que tem cerca de 300 mil habitantes. Os manifestantes cercaram o palácio do governo e dizem que só vão desocupar o local depois que Sobisch renunciar.

O protesto também foi o maior desde o início do governo de Néstor Kirchner. As escolas ficaram vazias e alunos e pais aderiram à manifestação, inclusive em escolas particulares. Segundo o jornal La Nación, a adesão chegou a 70% nas escolas. Nas ruas, comerciantes fecharam as portas e colaram cartazes de apoio às marchas.

“O giz não se mancha com sangue”, repetiam os manifestantes, demonstrando que não estão dispostos a se entregar. Aos professores, juntaram-se trabalhadores fabris, do setor de transportes e também os funcionários do metrô de Buenos Aires que pararam por três horas.

Na capital argentina, mais de 30 mil ativistas se reuniram no obelisco da Nove de Julho e tomaram toda a Diagonal Norte, avenida que leva até a Casa Rosada, sede do governo federal. Em Salta, os manifestantes ocuparam o palácio do governo.

Combinação explosiva
Os protestos dos docentes são o resultado de uma combinação explosiva: inflação, corrosão salarial e crise financeira das províncias argentinas.

Apesar da retomada do crescimento econômico após a crise de 2001/2002, a Argentina vem registrando altas taxas de inflação que, nos últimos dois anos, chegaram a quase 25%. O resultado foi a corrosão dos salários dos trabalhadores.
Por outro lado, existe hoje uma crise financeira nas províncias argentinas. A retomada pelo governo federal do pagamento da dívida externa ao FMI fez com que os governos provinciais retomassem a implementação da lei de responsabilidade fiscal, que mantém o arrocho salarial dos trabalhadores.

O crescimento das mobilizações colocou não só a necessidade de uma luta nacional dos docentes em defesa da educação e dos salários. A combinação com as lutas de outras categorias, como funcionalismo público (médicos, enfermeiros, servidores provinciais e municipais) e trabalhadores da iniciativa privada (petroleiros, caminhoneiros etc), estava na ordem do dia. No entanto, as centrais sindicais (CTA e CGT) abandonaram as províncias em luta e fizeram de tudo para impedir a unificação das lutas e antecipar os acordos salariais.

Diante dos protestos, o governo Kirchner tentou desmontar o conflito nacional que se iniciava, impedindo uma luta unificada. Para isso, estavam sendo fechados acordos salariais entre o governo, a CTERA (sindicato nacional dos professores), a CTA e CGT. Mas os acordos colocavam limites às reivindicações dos trabalhadores e não contemplavam suas necessidades. Por isso, as lutas nas províncias continuaram. Diante disso, o governo lançou mão da repressão.

Sinal verde para a repressão
A morte de Fuentealba também é resultado de uma política repressiva adotada não só pelo governo de Neuquén, mas também pelo governo Kirchner para combater os protestos docentes. Em Santa Cruz (província do presidente), o movimento docente enfrentou uma forte repressão desatada pela “Gendarmería” – espécie de polícia fronteiriça militarizada –, que ocupou as escolas. Houve também atentados de grupos ligados ao PJ (Partido Justicialista) contra os ativistas da greve.

Momentos após a mobilização contra a morte de Fuentealba, Kirchner informou, através do ministro Aníbal Fernández, que enviará mais policiais a Neuquén se Sobisch solicitar. Mas, pressionados pelas manifestações, se pronunciou demagogicamente contra a repressão.

As agressões do governo Kirchner foram o sinal verde para que Jorge Sobisch ordenasse a repressão contra os docentes, que resultou na morte de Fuentealba. “O presidente é tão responsável quanto o governador, com as escolas de Santa Cruz que estão militarizadas”, disse Marcelo Guagliardo, da Associação de Trabalhadores da Educação de Neuquén (Aten).

Polarização social
O assassinato de Fuentealba e a reação dos trabalhadores produziram uma nova mudança política no país, com o desgaste do governo Kirchner e o desmonte dos acordos encaminhados pelo governo e as centrais sindicais. A força dos protestos abriu uma situação mais favorável às lutas dos trabalhadores do país.

A Frente Obrera Socialista (FOS), seção argentina da Liga Internacional dos Trabalhadores – Quarta Internacional (LIT-QI), está participando ativamente das mobilizações e distribuiu um panfleto que repudia e exige a punição dos responsáveis pela morte de Fuentealba:“Se este crime fica impune e se limitam a sancionar um policial somente, a mensagem será que o trabalhador que luta por salário estará ameaçado de morte”, diz o manifesto. A FOS também responsabiliza os próprios dirigentes sindicais da categoria que, apesar de convocarem a greve nacional do dia 9, “abandonaram as províncias em luta”. A organização também defende a construção de um encontro nacional dos setores em luta, que defina um plano de lutas nacional, que seja discutido em assembléias em todos os locais de trabalho.

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