Ativistas no Shopping Higienópolis
Sérgio Koei

Nesse dia 11 de fevereiro os negros entraram no Shopping Higienópolis pela porta da frente. E não foi para fazer a segurança ou limpar o chão. O local ícone da classe média alta paulistana e da segregação racial foi palco do protesto contra a política higienista e racista posta em prática pelos governos de Geraldo Alckmin e Gilberto Kassab, organizado pelo ‘Comitê contra o genocídio da Juventude Negra´.

O comitê é formado por diversas organizações do movimento negro e de luta contras as opressões, como o machismo e a homofobia, além de entidades do movimento popular, sindical e estudantis.

Como noticiado neste site, os atos os surgiram de uma necessidade: dar uma resposta à onda racista, exemplificada pelos casos da Ester (demitida por se recusar a alisar o cabelo); do garoto etíope, jogado para fora do Nonna Paolo; do estudante Nicholas, agredido pela polícia na USP e de Michel, preso injustamente por 2 meses.

Além destes escancarados casos de racismo, o Comitê também surgiu da necessidade de se contrapor à escalada de ataques de caráter fascistóide do governo estadual e municipal, como a repressão à Cracolândia e ao movimento estudantil na USP, assim como o despejo do Pinheirnho, aonde a maior parte das vítimas é pertencente à juventude negra.

Contra todo tipo de opressão
O protesto teve início no Largo Santa Cecília, bem ao lado do metrô, onde os manifestantes foram se concentrando. Ativistas do movimento negro, feministas, punks e LGBT´s tomaram conta do espaço, em uma míriade de cores e motivações.
“Há um fortalecimento da organização nacional da luta contra o racismo”, atestou Júlio Condaque, do Quilombo Raça e Classe da CSP-Conlutas, que lembrou da resistência contra as UPP´s no Rio, as bases policiais que promovem uma verdadeira ocupação militar nas favelas. Júlio lembrou, porém, do aumento da repressão dos governos contra a população negra, articulada com a ação de grupos nazi-fascistas.

Na madrugada anterior, a sede da Uneafro foi vítima de um ataque racista por conta da organização daquele protesto. O ativista lembrou ainda da repressão no último dia 20 de novembro, dia da Consciência Negra, quando faixas e cartazes foram rasgados pela polícia.

“Não podemos aceitar essa exclusão, não podemos aceitar que nosso espaço seja vendido às multinacionais e que nosso povo seja colocado em locais de vulnerabilidade”, afirmou Joselicio Júnior, o Juninho, do Círculo Palmarino, referindo-se ao despejo no Pinheirinho e às remoções em série ocorridas em todo o país por conta das obras da Copa e das Olímpiadas. “Estamos cansados desse Estado, dessa criminalização dos movimentos, de um juiz que, com uma canetada, determina a vida de 9 mil pessoas, dessa verdadeira faxina étnica que ocorre em São Paulo”, desabafou.

Na casa do inimigo
Por volta das 16h, os cerca de 300 manifestantes saíram em passeata rumo ao bairro de Higienópolis, ícone da segregação racial e da elite paulistana. “Por menos que conte a história / Não te esqueço meu povo / Se Palmares não existe mais / Faremos Palmares de novo”, cantavam no trajeto. Pelas calçadas, senhoras com cachorros a tiracolo e seguranças olhavam curiosos aquela passeata marchando pelas arborizadas e elegantes ruas do bairro.

A falta de sintonia dos freqüentadores do Higienópolis, a profundidade do racismo que ronda aquela região e comprovação de que os movimentos miraram no alvo certo para realizar seu protesto ficaram evidentes na declaração que uma destas freqüentadoras, Ivani Lo Turco, deu à Folha de S. Paulo: “Achei ridículo esse negócio de racismo. Onde é que está? Veja a quantidade de seguranças e empregados negros”.

Em frente ao Shopping Higienópolis, os manifestantes resolveram entrar naquele antro do consumo de luxo. Os seguranças até que tentaram fechar as portas, mas foi em vão, os ativistas entraram no prédio cantando palavras-de-ordem contra o racismo. Entre o espanto de alguns clientes e a indiferença forçada de outros, as lojas fechavam suas portas.

“Não estamos aqui por acaso, esse bairro traz em seu nome a política do Estado brasileiro para a população negra e pobre”, afirmou Wilson Silva, da Secretaria de Negros e Negras do PSTU, em referência à própria história do bairro, um dos primeiros que nasceu “planejado”, no final dos anos 1800, quando a nascente burguesia paulistana decidiu abandonar seu antigo refúgio, o bairro doss Campos Elíseos, em função da construção da Estação da Luz e dos pobres (e negros) que começavam a “infestar” o local.

De mãos dadas, os manifestantes fizeram uma roda no espaço central do shopping. Frequentadores dos outros andares se reuniram para observar o protesto. Haydee Fiorino, do Núcleo de Consciência Negra da USP leu o manifesto conjunto das entidades convocadoras do ato.“Nada acontece com o restaurante que humilhou, nem com o colégio que discriminou, ou com o delegado que prendeu sem provas, ou com o PM que atacou o estudante”, discursou. “O racismo brasileiro é isso: assassinato direto e indireto, falta de políticas públicas, desleixo, naturalização da desgraça, criminalização da pobreza”.

Após a histórica manifestação, os ativistas deixaram em passeata o shopping. Também pela porta da frente.