O estupro é um dos crimes mais hediondos que existe. Forçar uma mulher a manter relações sexuais contra a sua vontade é uma violência inimaginável e mostra o grau de barbárie em que uma sociedade está submersa. Não é preciso ter passado por isso para saber que depois de ter sofrido um estupro a mulher se transforma completamente; deixa de ser ela mesma e assume uma outra personalidade. Ela teve sua parte mais íntima e mais própria de si mesma violentada, escancarada.

Nada do que faça depois poderá apagar isso, nada nem ninguém será capaz de recuperar esse elo perdido. Nenhum remédio ou tratamento psicológico poderá curar essa ferida, que marcará a mulher para sempre. Ela será uma mulher pela metade, uma meia-mulher; um ser fragilizado, totalmente insegura, como se estivesse saindo nua de casa todos os dias. Ela viverá em pânico permanente, como se a cada momento fosse ser novamente atacada. Ela não conseguirá encontrar uma relação tranqüila, porque sempre estará vendo no homem um estuprador.

Não é a toa que existem tão poucas estatísticas sobre o estupro, apesar de sabermos que essa é uma das piores chagas que se proliferam de mil maneiras nos países explorados, onde milhões de mulheres vivem na miséria e na mais completa ausência de direitos. As mulheres estupradas não denunciam seus agressores. O Estado não as protege. Logo, elas estão em permanente estado de tensão, à mercê de seus agressores, sempre sujeitas a serem novamente violentadas.

Esse medo vem junto com a vergonha. Uma mulher estuprada é uma mulher que passa a ter vergonha de si mesma e de sua família, e por isso, dificilmente consegue contar o que aconteceu. Além disso, não basta denunciar o estupro, é preciso provar. A palavra da mulher vale pouco numa delegacia de polícia. Mas em geral os estupros não deixam marcas no corpo. Provar como?

Nos países explorados, onde a opressão das mulheres já ultrapassou todos os limites, o estupro é prática corrente. Na África do Sul, por exemplo, uma em cada três mulheres já foi estuprada. No Brasil, faltam números para constatar essa barbárie, e o governo faz vista grossa inclusive para o fato de que muitas mulheres, algumas ainda meninas, estão presas nas cadeias em celas mistas, sofrendo estupros consecutivos.

De que adianta ter uma mulher como ministra-chefe do Superior Tribunal Federal, essa tal Ellen Gracie, que se limita a fazer cara de indignada quando deveria exigir imediatamente uma devassa em todos os presídios? Porque assim, quem sabe talvez a vida de algumas dessas meninas pudesse ser salva. E corre à boca pequena que a “lei” mantém meninas nos presídios, em celas mistas, porque assim os presos ficavam mais “calmos”.

Um governo como o de Lula, no qual muitas mulheres ainda depositam ilusões, jamais poderia aceitar essa hipótese, porque do contrário deveria explicar muito bem que “políticas para as mulheres” são essas que a ministra Nilcéa Freire diz defender na tal Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres!?

Bolsa-estupro: dá pra acreditar?
Enquanto milhões de mulheres que querem ter filhos não recebem qualquer tipo de apoio à maternidade; enquanto milhões de mulheres que têm filhos pequenos não encontram as condições básicas de saúde, higiene, educação, moradia e alimentação para criá-los dignamente; enquanto tudo isso acontece diante de nossos olhos, o que faz o governo Lula? Debate a criação de uma tal “bolsa-estupro”, acreditem se quiser! O propósito é pagar um salário mínimo para a mulher estuprada durante 18 anos para que ela crie um filho que não desejou ter, um filho resultante de um estupro.

O objetivo é evitar que ela recorra ao aborto, já que a maioria das mulheres estupradas que ficam grávidas interrompem a gravidez. Esse é um dos poucos casos de aborto legal que são previstos no Código Penal de 1940, ainda em vigência no país.

Com isso, essa proposta absurda, em tramitação no Congresso, de autoria de um deputado do PT do Acre, Henrique Afonso, pretende minar uma das poucas conquistas da mulher no Brasil, que é o aborto legal em caso de estupro.

Por outro lado, essa proposta, ao invés de atacar as causas do estupro e punir os estupradores, ataca e pune as vítimas, ao forçá-las a terem o filho que não planejaram ou não querem ter. E aquela que se recusar a isso será acusada de bruxa, porque não quer ter o filho! Parte-se do princípio de que a mulher não quer ter o filho resultado do estupro por falta de dinheiro. Mas na maioria dos casos essa não é a causa fundamental, apesar de ser um problema concreto, e sim a imposição de um filho que não foi fruto de sua livre escolha.

Esse projeto-lei é uma afronta contra todas as mulheres. O governo do PT e sua Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, ao invés de ficarem debatendo projetos desse tipo, mostram que não estão dispostos a resolver de fato os problemas das mulheres. Não estão dispostos a arregaçar as mangas e criar verdadeiras políticas para resolver a situação de calamidade pública em que vivem milhões e milhões de mulheres no Brasil. Não estão dispostos a tornar legal a prática do aborto, para que as mulheres que assim o desejarem possam recorrer a hospitais públicos, sem colocar sua vida em perigo ou ficar com seqüelas graves por abortos mal-feitos. Não estão dispostos a atacar as verdadeiras causas de tantos estupros e violência sexual que assolam este país. Não estão dispostos a dar condições básicas para a mulher criar os filhos que quer ter, e não forçá-la a criar um filho que não quer ter.

Essas, que são as verdadeiras políticas públicas que as mulheres necessitam, não estão nos planos do governo Lula e Nilcéia Freire. É o que abre espaço para que um projeto de lei como esse tal “bolsa-estupro” seja proposto, criando mais uma forma de oprimir as mulheres, já tão oprimidas e vilipendiadas como estão neste país.