Bernardo Cerdeira, de São Paulo (SP)

No dia 11 de maio foi anunciado pela imprensa o lançamento da Internacional Progressista, um agrupamento que respondia ao chamado feito em 2018 pelo senador estadunidense Bernie Sanders e pelo ex-ministro de Economia da Grécia, Yanis Varoufakis.

A Internacional Progressista tem o apoio de um conselho composto por mais de 40 membros, incluindo escritores e ativistas como o estadunidense Noam Chomsky e a canadense Naomi Klein; a primeira-ministra islandesa Katrín Jakobsdóttir, a ministra argentina da Mulher, Gênero e Diversidade, Elizabeth Gómez Alcorta. Além deles, também estão presentes líderes latino-americanos, como o ex-presidente equatoriano Rafael Correa e Fernando Haddad, candidato do Partido dos Trabalhadores (PT) nas eleições de 2018.

Os organizadores afirmam que a crise econômica e de saúde decorrente da pandemia revelou a necessidade de todos esses grupos progressistas se unirem para defender a assistência universal à saúde, a proteção dos direitos trabalhistas e a cooperação internacional. A organização defende um mundo democrático, igualitário, solidário, ecológico, pacífico, pós-capitalista (economia colaborativa), próspero e plural.

São ideias nobres. Algumas delas como a igualdade, a solidariedade (fraternidade) e a democracia tiveram origem na Revolução Francesa há mais de 230 anos. No entanto, o mundo não caminhou em direção a nenhum desses ideais. Na verdade, caminhou na direção contrária. No século XX a humanidade viveu duas Guerras Mundiais, o nazismo, fascismo, stalinismo e muitos horrores mais.  Hoje vivemos a pandemia da Covid-19 e a depressão econômica mundial.

O sistema capitalista convive com uma brutal contradição. Por um lado, há enormes avanços científicos e tecnológicos. O mundo está conectado pela Internet. A produção industrial está marcada pela robótica, inteligência artificial e Internet. A produção de alimentos incorpora as mais avançadas tecnologias e tem a capacidade de alimentar toda a população mundial. Hoje todos os seres humanos poderiam ter condições de vida dignas: trabalho, um salário decente, moradia, saúde e educação públicas. Deveríamos trabalhar menos e poder dedicar-nos a desenvolver a cultura, a arte e a ciência.

No entanto, a pandemia deixou claro o outro lado da moeda: a sociedade capitalista mundial é um mundo de horrores. As epidemias tem origem na destruição da natureza provocada pela ganância predadora. A exploração dos recursos naturais não tem nenhum controle e violenta o meio-ambiente. As epidemias vêm se sucedendo há décadas (HIV, gripe aviária, gripe suína, H1N1, SARS e outras) culminando com essa pandemia.

A pandemia gerou a maior crise econômica que já pode ser considerada uma depressão mundial similar à crise de 1929. Só nos Estados Unidos 38 milhões de trabalhadores perderam seus empregos. As seguidas reformas trabalhistas já vinham eliminando direitos dos trabalhadores e criando empregos precários. Os “ajustes” neo-liberais debilitaram os sistemas de saúde pública em dezenas de países colaborando para a morte de milhares de vítimas de Covid-19. Milhões de imigrantes e refugiados que tentam chegar aos países mais ricos são brutalmente reprimidos. O desemprego, a fome, a miséria e as enfermidades só aumentam. Nunca o mundo foi tão desigual: os 26 maiores bilionários do mundo têm a mesma riqueza que os 3 bilhões e 800 milhões de seres humanos mais pobres, a metade da humanidade.

Cada vez mais governos autoritários e repressivos, quando não ditatoriais, assumem o poder adotando um discurso xenófobo, racista, misógino e homofóbico como Trump, Bolsonaro, Orban na Hungria, Duterte nas Filipinas além de Putin e Xi Jiping. A pandemia mostrou as atitudes e políticas desastrosas e criminosas de vários destes governos que tentaram colocar os interesses econômicos acima da proteção à vida das pessoas. A humanidade assiste o caos e a barbárie avançarem.

Numa situação tão terrível, uma alternativa progressista pode parecer uma saída razoável ou pelo menos um avanço. O problema é que essa alternativa já foi tentada inúmeras vezes em geral depois de uma grande catástrofe. Depois da Grande Depressão na década de 30 veio o “New Deal”. Depois da Segunda Guerra Mundial, veio o Estado de bem-estar social. Ou mais recentemente governos que se instalaram na América Latina, como o de Lula no Brasil, Bachelet no Chile, Frente Ampla no Uruguai, Evo Morales na Bolívia, Chávez na Venezuela  e Correia no Equador, se reivindicavam progressistas.

Todos terminaram em fracassos. E depois desses supostos governos progressistas se sucederam novos retrocessos. Por que? Porque os chamados progressistas não podem escapar da lógica de preservar o capitalismo. Por isso, todos esses governos, depois de ensaiar pequenas reformas, terminaram por adotar as políticas neoliberais que o capitalismo exige na época atual: ajustes fiscais; cortes nos sistemas de previdência, saúde e educação; eliminação de direitos trabalhistas; precarização do trabalho e privatizações.

Um capitalismo humanizado por reformas é uma utopia reacionária. Utopia porque o capitalismo é baseado na propriedade privada dos meios de produção e distribuição e no lucro proveniente da riqueza produzida pelos trabalhadores. A classe dos capitalistas não abrirá mão da sua riqueza, de parte dos seus lucros ou da sua propriedade, nem mesmo partes mínimas. Ao contrário, a competição entre eles e a luta pela sobrevivência nas crises leva a uma ação que cada vez concentra mais capital na mão de poucos. Por isso, a desigualdade é cada vez maior. Nenhuma classe possuidora se suicida.

Os “progressistas”, assim como todos os reformistas se recusam a fazer a crítica do capitalismo até o fim. Defendem um “pós-capitalismo”, que seria uma economia colaborativa que ninguém sabe o que é, mas não atacam as bases do capitalismo: a propriedade privada dos meios de produção e distribuição, a expropriação pela burguesia da mais-valia produzida pelos trabalhadores, a escravidão assalariada e o Estado burguês nacional, essa ditadura da burguesia.

Em conseqüência, não propõem nenhuma ruptura com o Estado burguês, ao contrário defendem o Estado de Direito, ou seja, a democracia burguesa. Não propõem a expropriação da propriedade privada dos meios de produção, ao contrário, a defendem. Limitam-se a propor uma melhor distribuição de renda, melhores salários e direitos.

Em resumo, fogem como da peste da conclusão de que o capitalismo se esgotou e que as reformas a esse sistema não resolvem nada, só prolongam sua agonia e o sofrimento da humanidade. E, principalmente, evitam como podem mencionar a ideia do socialismo porque teriam que encarar a necessidade de uma revolução socialista, operária e popular que expropriasse a propriedade privada burguesa.

Por isso, também é uma utopia reacionária porque, se para governar dentro do capitalismo os “progressistas” são obrigados a aliar-se com a burguesia (quando não são eles mesmos burgueses), terminam sempre defendendo o capitalismo e aplicando as políticas necessárias para manter esse sistema.

Nesse sentido, o “progressismo” não é diferente de todas as correntes reformistas do capitalismo que, não por acaso, terminaram por defender e aplicar as contrarreformas neoliberais a exemplo dos governos social–democratas na Europa depois da crise econômica de 2008/2009. É um reformismo requentado, similar ao possibilismo, isto é, aos que defendiam no século XIX lutar pelas reformas possíveis dentro do capitalismo. Nada de novo sob o sol.