Sabesp repassou lucros que deveriam ser investidos no sistema para acionistas de Nova Iorque
Redação

 

A versão da história contada até aqui pelo governo Alckmin (PSDB) para justificar a crise da água não tem base cientifica. A redução do volume de chuvas acumulada neste ano, em cerca de 40%, não explica o problema da falta de água. É normal que existam períodos chuvosos e de estiagem. Um sistema de abastecimento deve ser capaz de armazenar água nos reservatórios nos períodos chuvosos para atravessar os momentos de estiagem.
Existem bases de dados das chuvas desde o século XIX, possibilitando o cálculo desses projetos. E nos três anos anteriores choveu mais do que a média. O que faltou foi investimento em sistemas de captação, não chuva. Segundo a ONU, uma região enfrenta uma situação de estresse hídrico quando apresenta uma disponibilidade de água anual inferior a 1.700m³ por pessoa, por ano. Abaixo de 1.000m³ per capita, já caracteriza uma situação de grave escassez. São Paulo já vivia uma grave crise antes da estiagem com menos de 150m³ por pessoa ao ano na região abastecida pelo sistema Cantareira.
A Sabesp deveria ter expandido o sistema de captação de águas, mas a privatização da empresa faz com que os enormes lucros, R$ 2 bilhões por ano, não sejam investidos na ampliação dos sistemas, mas repassados aos acionistas da Bolsa de Nova Iorque, nos EUA. A crise no abastecimento não é natural, é a consequência da privatização da Sabesp. O funcionamento da empresa hoje não está a serviço da população. Está destinado para a geração de lucro a seus acionistas.
Segundo o contrato de concessão da exploração da água de 2004, a Sabesp deveria ter aumentado a captação de água em 25 metros por segundo, o equivalente ao que produz o sistema Cantareira. A Sabesp deveria ter investido na captação de água potável em outros mananciais da região para diminuir sua dependência do Sistema Cantareira, mas ao invés de investir na ampliação do sistema repassou R$ 4 bilhões aos acionistas privados. Há apenas um sistema produtor de água potável sendo construído, o Sistema São Lourenço, que capta água no Vale do Ribeira (Sul de SP), cujas obras estão atrasadas e só devem ser concluídas em 2016.
Água não é mercadoria: reestatização da Sabesp já!
O acesso à água é direito humano fundamental, pois se trata de um patrimônio da humanidade e constitui o princípio da vida em nosso planeta. Transformar água em mercadoria é deixar na mão dos grandes capitalistas estrangeiros a decisão de dar ou não acesso à água tratada às pessoas. O governo deve garantir o abastecimento deste recurso.
As grandes empresas estaduais de saneamento foram criadas pelos governos, pois o investimento para construí-las era muito grande e o retorno lento. Por isso, nenhum capitalista participaria deste negócio. Mas assim que essas empresas estão funcionando os capitalistas iniciam o lobby para extrair lucro delas e passam a pressionar o governo, exigindo sua privatização. Foi o que ocorreu com a Sabesp. A empresa foi parcialmente privatizada. Teve seu capital aberto, com 47% das ações indo parar nas mãos de acionistas privados, negociadas na Bolsa de Nova Iorque. O estado de São Paulo tem 50% de suas ações e continua administrando a empresa. A abertura do capital fez com que a companhia se transformasse. O princípio de funcionamento não é oferecer um bom serviço à população, mas gerar lucros aos acionistas privados.
O resultado da onda de privatizações das companhias públicas de saneamento é que hoje, segundo a própria Agência Nacional de Águas, 55% dos municípios brasileiros poderão ter déficit no abastecimento em 2015. Nada menos que 84 % precisam de investimento para adequar seus sistemas de abastecimento e 16% precisam de novos mananciais. Seriam necessários R$ 22,1 bilhões em investimento para reverter essa situação.
No meio de uma crise de água causada pela má qualidade do serviço da Sabesp, que não ampliou a captação de água exigida pelo contrato e ainda tem quase 40% da água vazando pelos canos devido à falta de investimento nas redes. A Agência Nacional de Água (ANA) prorrogou o prazo de vigência de concessão do Sistema Cantareira para até 31 de outubro de 2015. Esse era o momento, se os governos realmente se importassem com a falta de água, de cassar a concessão, já que a empresa não cumpriu suas obrigações, reestatizar a Sabesp e fazer os investimentos necessários para que a empresa trabalhe para dar acesso à água potável para a maioria da população e não lucros para meia dúzia de empresários.
Economizar é a solução?
A verdadeira economia é fazer reforma agrária e reestruturar a indústria. Para o Governo Alckmin, Sabesp e diversas ONGS a solução para a crise da água é a população economizar. Às vezes chegam ao absurdo de defender o aumento do preço da água. É fato que temos que usar a água com responsabilidade, mas o que eles escondem é que o consumo residencial de água representa somente 8% da água consumida. A indústria (22%) e a agricultura (70%) são os maiores consumidores.
O agronegócio, grandes fazendas que produzem para a exportação, gastam em média o dobro de água em relação à agricultura familiar, devido a técnicas de irrigação em massa. O agronegócio ainda gera poucos empregos e é responsável por menos de 30% da comida que chega à mesa do brasileiro. Fazendo uma ampla reforma agrária no país, além de diminuir a desigualdade social e frear o êxodo rural que incha as periferias das grandes cidades, economizaríamos até 35% da água.
As grandes indústrias utilizam máquinas e técnicas ultrapassadas que consomem muito mais água. Em busca do lucro máximo não investem em técnicas mais eficientes no consumo de água. Conforme Ivanildo Hespanhol, professor Titular do Departamento de Engenharia Hidráulica e Sanitária da Escola Politécnica da USP e diretor do Centro Internacional de Referência em Reuso da Água (Cirra) da USP, as empresas conseguem reduzir a captação em 40% com o reuso da água. O governo deve pressioná-las a racionalizar a produção e expropriar as grandes empresas que se recusam a modernizar-se.
A agricultura e indústria brasileiras cumprem um papel subalterno na economia mundial. A produção aqui é voltada a matéria prima como metais e grãos para exportação (os tais commodities). E esses produtos gastam muita água, destroem o meio ambiente e tem pouco valor agregado. É necessário lutar por uma segunda independência. A independência econômica. O Brasil precisa parar de vender o meio ambiente e investir na produção de tecnologia.
E como anda a qualidade da água da Sabesp?
Nos países desenvolvidos, o cloro foi sendo abandonado no tratamento da água desde 1980. Hoje ele já foi eliminado. O motivo é que o cloro reage com substâncias naturais, como a decomposição de plantas e materiais de origem animal, normalmente presentes na água para criar trihalometanos (THM). Estes THMs desencadeiam a produção de radicais livres no organismo, são altamente cancerígenos, e causam danos celulares.
Atualmente, usa-se o ozônio e o hidrogênio para o tratamento de água, pois são mais eficientes e não são cancerígenos. A Sabesp continua usando o cloro simplesmente porque é mais barato, para ter mais lucro. Quanto ao flúor trata-se de um elemento tóxico, lixo industrial das fábricas de fertilizantes, que há cinco anos também vem sendo eliminado dos sistemas da água tratada dos países desenvolvidos.
Segundo pesquisas, causam problemas ósseos, nas articulações, e em crianças no desenvolvimento do cérebro. A fluoretação é a medicação em massa da população sem a necessária pesquisa científica para medir as consequências. O governo deve oferecer é assistência odontológica gratuita à população e retirar o flúor da água.
Racionamento é um atentado à saúde da população
O governo e a Sabesp negam, mas as cidades do interior e as periferias da capital paulistana já vivem o caos do desabastecimento há muito tempo. E quanto mais a crise se agrava, maior é o numero de pessoas atingidas pelo racionamento. Esse é um grave problema.
Segundo Gabriel Kogam, arquiteto formado pela USP e mestre em gerenciamento de recursos hídricos no Instituto de Pesquisa da Água na Holanda (IHE), “a mesma trinca por onde a água vaza, se não houver pressão dentro do cano, se transformará em um ponto de entrada de poluentes do lençol freático nojento da cidade. Estaremos bebendo (sem saber) água poluída, porque a poluição entrou pela rede urbana. Por isso que agências de saúde internacionais exigem pressão mínima dentro dos canos de abastecimento”.
Para Malu Ribeiro, especialista em gestão de recursos hídricos e coordenadora da Rede de Águas da Fundação SOS Mata Atlântica, “o racionamento de água para o cidadão é a pior medida, pois penaliza quem não tem culpa pelo problema. O acesso à água de qualidade e em quantidade suficiente é um direito humano. Se houve falha do Estado no planejamento e no combate ao desperdício e à despoluição, não é o cidadão quem deve pagar por isso. Há setores que desperdiçam muito mais, como a indústria e a agricultura de irrigação, que não entram no racionamento porque têm outorga [para uso da água]”.
Meio ambiente, falta de água e o novo código florestal
A poluição dos rios e o desmatamento são os piores de todos os desperdícios de água. Uma Sabesp 100% Pública deve investir no tratamento do esgoto doméstico e fiscalizar o tratamento dos resíduos industriais. O governo deve estatizar as grandes indústrias que se recusam a parar a emissão de poluentes.
Segundo Malu Ribeiro, a despoluição dos rios Pinheiros e Tietê não só são possíveis, como financeiramente viáveis. O investimento vira economia em saúde pública.
No âmbito nacional, é necessário revogar o novo Código Florestal. A nova lei diminui a exigência de cinturões florestais ao redor de rios e mananciais e acelera o desmatamento. Infelizmente, o Governo Federal aceitou a pressão do agronegócio, comprometendo a biodiversidade e o abastecimento de água do país.
Um programa para enfrentar a crise:
– Sabesp 100% pública sobre controle dos trabalhadores. 
– Plano de expansão da captação de água para outros mananciais regionais. 
– Investimento na eficiência do sistema para reduzir perdas, que hoje chegam a quase 40%, a padrões dos países desenvolvidos, 15%.
– Formação de um comitê com movimentos sociais, sindicatos e comunidades atingidas pela falta de água.
– Pesquisa emergencial que viabilize captação de água: plano de perfuração de poços, redes de reuso, captação de água da chuva, etc.
– Fiscalização das indústrias e metas de diminuição do consumo.
– Reforma Agrária para diminuir consumo da agricultura.
– Criação de unidades de conservação para recuperação dos rios e mananciais.
– Fiscalização das empresas que poluem e estatização das que se recusarem a diminuir o consumo de água e a acabar com a emissão de poluentes.
– Despoluição dos rios Tietê e Pinheiros
– Revogação do novo Código Florestal
*Fabíola Calefi é petroleira e membro da Secretaria de Mulheres do PSTU Baixada Santista