O primeiro ministro de Portugal, José Sócrates, do Partido Socialistas, renunciou depois que Parlamento do país não aprovou o quarto plano de austeridade econômica (PEC 4). Portugal é um dos países da Europa mais afetado pela crise econômica. Para solucionar o déficit do país, o governo do PS lançou mão de vários ataques às aposentadorias, salários dos servidores e privatização das estatais. O PEC 4 previa o congelamento salarial dos funcionários públicos e também das aposentadorias. A cúpula da União Europeia e o Banco Central Europeu, Jean-Claude Juncker, já pensam em injetar € 75 bilhões (R$ 175 bilhões) para combater o déficit. Se o empréstimo for efetivado, Portugal vai ter que aplicar um conjunto de mediadas ainda mais duras dos que os pacotes de austeridades já implementados.

No entanto, os ajustes também têm gerado a resposta das massas que dizem Não ao fim de seus direitos. No último dia 12, o movimento autodenominado “geração à rasca” (geração em apuros) arrastou 300 mil pessoas para as ruas de Lisboa. A “geração rasca” é uma alusão a precariedade dos empregos de pelo menos 2 milhões de portugueses. O índice de desemprego no país é de 10%. Leia abaixo a nota da Ruptura-FER, organização portuguesa filiada a LIT-QI, sobre a renúncia de José Sócrates. A nota alerta sobre a possibilidade de um novo governo do Partido Social Democrata (PSD) ou do PS. Mas qualquer uma destas siglas está comprometida com a continuidade dos ataques aos direitos dos trabalhadores.

Depois do chumbo ao PEC IV, Sócrates pede demissão e são agendadas novas eleições para antes do Verão. Que leitura devemos fazer desses acontecimentos?

Em primeiro lugar, o chumbo de um novo plano de austeridade que corta ou congela pensões é uma boa notícia para a população. Em segundo lugar, a demissão de Sócrates é uma notícia ainda melhor, porque significa que o governo que mais prejudicou os trabalhadores e os pobres de Portugal vai deixar de governar.

E a que se deve esse resultado? Não, certamente, ao repúdio da direita a mais medidas de austeridade. Pelo contrário, o PSD de Pedro Passos Coelho foi o responsável pela aprovação dos PECs anteriores e defende medidas ainda mais duras contra a população para preservar os lucros dos ricos.

Na verdade, a explicação para o chumbo do PEC IV e consequente demissão do governo deve ser buscada nas ruas: na gigantesca manifestação da “Geração à rasca” do dia 12 de Março, quando mais de 300 mil portugueses protestaram contra o desemprego e a precariedade; nas greves dos transportes e em outros setores; na luta dos camioneiros contra o preço dos combustíveis; nas manifestações contra as portagens, enfim, no imenso descontentamento social contra um governo que deixou o país à rasca.

Todas essas lutas deixaram claro para a grande burguesia portuguesa que o governo PS/Sócrates não tinha mais condições de manter a estabilidade política necessária para continuar a impor mais recessão, cortes de direitos laborais, rebaixamento salarial, mais desemprego e precariedade, privatização da saúde, da segurança social, da educação, dos transportes, etc.

Foi aí que a burguesia – que até agora queria manter Sócrates no poder para que continuasse a aplicar os planos de austeridade da União Europeia/FMI – deu sinal verde para o PSD de Passos Coelho fazer cair o governo. O PEC IV não passou de um pretexto.

Mas, perguntam-se todos, que governo irá substituir o de Sócrates? As próximas eleições não irão reconduzir o próprio PS/Sócrates ao poder ou dar a vitória à direita, com Pedro Passos Coelho como o próximo primeiro-ministro, a aplicar mais planos de austeridade?

Não consideramos que este seja um resultado inevitável. Como demonstrou a manifestação da “Geração à rasca”, uma grande parte da população já está farta da alternância PS-PSD, os fiéis representantes da grande burguesia e da Comissão Europeia, responsáveis pela destruição do setor produtivo do país, pelo empobrecimento da população e por uma crise que transformou Portugal em refém da especulação financeira.

Bloco de Esquerda e PCP, juntos com outros sectores da sociedade – como socialistas descontentes com a governação PS, a CGTP, sindicatos, representantes do movimento “Geração à rasca” e outros movimentos sociais de oposição aos PECs e às políticas até agora aplicadas -, podem construir uma plataforma unitária de esquerda para tirar o país da crise numa ótica que favoreça a maioria da população e não os banqueiros e o grande capital.

A unidade da esquerda nas próximas eleições é indispensável para haver uma mudança de políticas. Bloco e PCP têm, com certeza, muitas diferenças, mas nenhuma delas impediu a votação em comum da maioria dos projectos que ambos apresentaram ao Parlamento, o que demonstra a possibilidade de confluírem num programa comum.

Um programa que defenda a suspensão do pagamento da dívida externa, seguida de auditoria da mesma; o fim do trabalho precário e dos falsos recibos verdes; um plano de obras públicas para criar postos de trabalho e melhorar as condições de vida da população; a revogação de todos os PECs impostos pelo governo; o aumento do salário mínimo e das pensões mais baixas; a nacionalização dos sectores essenciais da economia, etc.

A união das esquerdas criará um facto político no país que poderá servir de alavanca para a revolta social e impulsionar a mudança de política que a maioria deseja. A continuidade das lutas dos trabalhadores e dos jovens, das gerações à rasca, ao lado da apresentação de uma alternativa de esquerda para acabar com a alternância PS – PSD, poderá mudar Portugal. Sem isso, estaremos condenados a que as próximas eleições sejam, mais uma vez, apenas uma forma de canalizar a revolta da população para que tudo permaneça igual.

Lisboa, 24 de Março de 2011