“Queria cumprimentá-los pelo Opinião Socialista, que mantém a chama acesa e que não se submeteu aos vendilhões do templo – mantendo a crítica ao capitalismo, justamente encarado como modelo antihumanista, além de denunciar os traidores que estão no governo e negam seus antigos valores.

Sou escritor, 58 anos, tenho 16 livros publicados. Participei ativamente do movimento estudantil na década de 60. Dirigi grêmios literários, fundei cineclubes, combati intensamente a ditadura e, por essa luta em prol do socialismo, passei temporadas na Operação Bandeirantes, no DOPS, e depois estive no exílio.
Não reneguei meus valores.
(…)

Despeço-me, com aguerridas saudações (não esmoreçam!)”

Emanuel Medeiros Vieira, Brasília

Nota da redação: Emanuel nos enviou dois textos sobre o governo, que publicamos abaixo:

CARTA ABERTA AO FREI BETTO
Brasília, 9 de julho de 2003

Prezado Frei Betto

Saudações.

Acredito que, como orientador espiritual da Presidência, o senhor poderia lembrar ao Presidente, à sua consorte, aos ministros e assessores em geral, que a vaidade é um dos pecados capitais, que o poder é passageiro, e que somos todos mortais.

O Cristianismo foi (também) ato de resistência contra o Império Romano.
Vivia nas catacumbas, não nas delícias palacianas.
A futilidade, a vontade de aparecer/ter, e não de SER- a soberba- tem sido um pecado constante deste e dos outros governos.
Eu sei, Frei Betto: como o senhor disse, não foi feita uma revolução; ocorreu apenas uma eleição, mas isso não pode ser álibi para a negação de princípios e de valores.

Pelo menos, poderia ocorrer uma faxina íntima ou interior nos integrantes do governo. Há alguma diferença em relação ao anterior?
O deslumbramento em relação ao Poder e a volúpia por pompas causa consternação.
Detectamos uma valorização da aparência e não da essência.
Parece importar mais o parecer que o ser: é o império dos marqueteiros em detrimento da verdade.
E percebemos um pacto não formal com a mídia (que não tem cumprido um papel republicano e civilizatório): ela adula o Governo e este evita a sua quebradeira.

O senhor lembra que esta grande rede de informação (?), que agrada intensamente o Lula, é a mesma que o satanizou em 1989?
As pesquisas não convencem. Eu não vivo em palácios e na rua, a amargura é grande.
Que decepção: só há o desejo de manutenção do Poder.
Estão formando novos maquiáveis no Cerrado.
O PT, na prática, é igual a qualquer partido.
Por favor: não subestimem a nossa inteligência!
Ele sempre acreditou ser detentor do monopólio da virtude e da verdade.
Se tinha estas qualidades, elas desapareceram.
A retórica pode ser diferente: a prática não.
É fácil ser forte com os fracos.
Quero ver o PT ter coragem para enfrentar os banqueiros e seus interesses.
E querem punir grevistas com ânimo inquisitorial. Que feio, Frei Betto!
O ânimo que vigora não é o da compaixão, mas o do fantasma de Stalin (que deve ter muitos admirados no Palácio), associado ao de Maquiavel: manter o Poder a qualquer custo.

Falo com jovens e sinto uma enorme decepção.
Já não sentem Lula como um “deles“, mas como qualquer pequeno-burguês, deslumbrado por estar nas altas rodas e viver cercado por vis aduladores e seguranças truculentos.

Estão jogando na lata de lixo sonhos de várias gerações.
Fale com jovens de 17 anos (não filhos de congressistas…)!
Vaidosos como José Genoíno, Tarso Genro( o que pediu uma moratória na utopia…), Cristovam Buarque e outras tristes figuras só querem aparecer na TV e agradar os colunistas chapas-brancas.

Não importa, o Poder é passageiro. O Presidente, quando diz que “fez um filho na primeira noite“, lembra o Collor (parece mentira!), que garantiu que “tinha aquilo roxo“.

Vaidoso auto-indulgente, proferindo uma série de platitudes, renegando o passado (o Presidente gosta de ler?), Lula se transforma em mais uma esperança perdida.
Banqueiros de todo mundo, uni-vos!
O Planalto está com vocês!

A visão obtusa de segmentos do PT parece querer nivelar tudo por baixo.
Afora o senhor, tem alguém no Palácio que leia algo além de jornais e revistas de Direita?

A vida continua. Ela, valor maior, Frei Betto, nos dará forças para a jornada.
Por sua tradição humanista, creio que o senhor, mesmo que sofra reprimendas, deveria (não?) advertir os “palacianos“ a respeito da fugacidade do Poder. ELE PASSA!

Parece que estou pregando no deserto. Não importa. A dor pode ser a parteira do que temos de melhor. O espírito sopra onde quer (como está em São João Batista e em Hegel).

Ficaria feliz com um retorno, ESCRITO PELO SENHOR.
Aspirava uma mensagem não meramente protocolar ou burocrática, com sua carga de inverdades e lugares-comuns, não redigida por assessores, que só dizem amém e estão deslumbrados com suas gratificações, seus celulares de última geração, seus ternos italianos, suas secretárias informes e impassíveis.
Eles (pobre gente!) acreditam que seu mísero poder tem alguma relevância.
Espero que o senhor, como cristão combativo – que também sofreu na carne pelos seus ideais- respeite as opiniões divergentes.
A democracia é um valor universal.
Ou deixou de ser para quem está no Poder?
Ou nos mandarão novamente para o exílio?
Perderam a compaixão? Um dia prestaremos conta de todos os nossos atos.

Com sincera fraternidade,
Emanuel Medeiros Vieira


O PT PERDEU A SUA ALMA?

(Em memória de Luiz Travassos)

Emanuel Medeiros Vieira (*)

Perdeu?

Meu pai dizia: “ se queres conhecer alguém, dá para ele uma mesa grande.”
“Mesa grande” no sentido de chefia, de poder.
Faltaria sincera convicção no discurso dos ex-oposicionistas.
Quando contraditam algumas posições que condenam o atual exercício do Poder, exercem uma espécie de marketing profissional compulsório, em vez de afirmarem uma verdade interna. (na qual sinceramente acreditariam).
O atual governo não está fundamente convencido do que diz, nem do que faz?
A desqualificação das críticas (“bravatas”, senhor Lula?) são elaboradas através de lugares-comuns, frases feitas e platitudes.
Os donos do (atual) Poder indagam com ferocidade aos opositores de esquerda, propondo uma espécie de expurgo stalinista: “Qual a alternativa que vocês propõem?”
E a gente poderia dizer, de maneira até acaciana: na campanha eleitoral, o PT (ele próprio!) não se propunha a ser uma alternativa?
De maneira cândida, pode-se contrapor: se era para manter tudo como está., por que não deixar os tucanos nos palácios, já que são aves que sempre amaram mais Nova Iorque que o Brasil profundo?
O PT perdeu a sua alma?
Sabe-se que qualquer mensagem publicitária pode ser desmontada, quando lida com rigor.
É óbvio que ela não visa o desenvolvimento do espírito humano, mas só almeja gerar lucros. Nesse sentido, o presidente parece estar sendo vendido como um sabonete pelos marqueteiros de plantão.
Um produto e não um ser humano?
Não há preocupação com a essência, mas com a forma: o cenário, a cor da gravata, a chamada “simplicidade fica parecendo algo altamente afetado, artificial, e a dicção do presidente edifica-se através de um discurso piegas, simulando um empatia com o “povo humilde”.
Pior que isso é o DESLUMBRAMENTO.
Quem vive em Brasília (com olhos críticos e não estatutários, e habita a cidade real, não a dos palácios) percebe, de maneira mais intensa que os outros brasileiros, que o Poder é altamente passageiro (sei, não escapei de uma obviedade…).

Os atuais governantes estão satisfeitíssimos internamente com o exercício do poder e do mando, com um fascínio pelas delícias palacianas que não honra a oposição combativa, nem a memória dos que morreram na câmaras de tortura da ditadura militar.
O PT perdeu sua alma?

Mas, matéria para Freud, a obsessão por reuniões, assembléias, fóruns, grupos, é mais assombrosa do que se imaginava.

Tal “psicoterapia permanente”, lembra contos de Borges: um espelho que revela outro espelho, que por sua vez chega a outro espelho, e mais outro, tudo terminando num labirinto.

Tenta-se acomodar e pacificar (como?) qualquer dissenso, qualquer área de conflito, qualquer discórdia (inerentes à condição humana), com mais reuniões, mais plenárias, mais assembléias, mas fóruns.
E as decisões são postergadas: sempre.

E ninguém quer ficar sozinho para ler, para amadurecer, para estudar, para pensar de modo próprio sem o álibi confortador do grupo, como se a presença do outro oferecesse legitimidade para as próprias dúvidas internas.
Quando poderiam ler um pouco, preferem peladas e churrascos, como num grande colégio interno que dá folga aos domingos.

Seria o PT um enorme Peter Pan que se recusa abandonar a adolescência? Que não deseja crescer (que fatalidade!), pois o rito de passagem o obrigaria a deixar o assembleísmo do movimento estudantil?
O PT perdeu a sua alma?

Nesse processo de intensa e acelerada “direitização”, temo que a leitura de Marx possa ser proibida pela Executiva do Partido.
Como na Inquisição, vão impor um silêncio obsequioso aos opositores?
Membros do PT serão expulsos por ousarem dizer que Sarney é representante da oligarquia nordestina?

Não, não me chamo Babá , estou perto dos 60 anos, fui da AP, amigo de Luiz Travassos, passei temporadas em “pensões do Estado” (DOPS paulista: 59 dias), e atravessei uma estação no Inferno, minha sexta-feira santa interior: Operação Bandeirantes (de 9 a 19 de dezembro de 1970).

O “barbudo humorista alemão do século XIX” não dizia que ser radical é buscar as coisas pela raiz?
Sectário é outra coisa…

A Executiva do PT parece estar mais preocupada em agradar a mídia hegemônica, ao deus mercado, numa postura altamente subserviente aos organismos internacionais, do que ser fiel aos generosos valores que fundaram o Partido.
É como uma criança que precisa de legitimidade através da autoridade de um pai despótico: FMI, economistas renomados, etc.

Que os dirigentes do PT não se esqueçam: é muito fácil ser forte com os fracos (como ocorreu no reinado tucano e em toda a História do Brasil).
Gostaríamos que essa postura tão rigorosa em relação aos humildes e pequenos fosse dirigida aos banqueiros, especuladores e às grandes redes de comunicação.
O ministro Tarso Genro teria reivindicado uma “moratória da utopia”.
Não se preocupe, senhor ministro: ela já foi decretada.
(Os mais pessimistas estão convictos que o PT e o PSDB são faces da mesma moeda: partidos criados para manter a hegemonia paulista e o poder do capital financeiro no núcleo do Poder brasileiro, formando uma espécie de “nova Direita brasileira”, mais sofisticada, mais civilizada (sem choques elétricos ou pau-de-arara), mas sempre conservadora, sempre Direita. Delírio?)
Não, eles não nos mandarão novamente para o exílio.
Não?

O núcleo hegemônico do PT, em vez de reuniões infinitas, deveria ler “As Ilusões Perdidas”, de Balzac, e “O Leopardo”, de Lampedusa.

Repito o mestre Machado de Assis, “alter-ego” do tempo presente, mantendo gramscianamente o pessimismo da inteligência e o otimismo da vontade: alguma coisa escapa ao naufrágio das ilusões.
Escapa?
(Depois da Operação Bandeirantes, estou preparado para receber insultos e mísseis verbais…)
Termino, lembrando um provérbio chinês: “Podemos escolher o que semear, mas somos obrigados a colher aquilo que plantamos.”
O PT perdeu a sua alma?

(*) Emanuel Medeiros Vieira, 58 anos, escritor e jornalista, autor de 16 livros.

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