Aline Costa, de Salvador (BA)

“Cobradores terão de buscar outra atividade!” A frase poderia ser um dos memes de chacota com os servidores públicos que a nova gestão do Executivo municipal de Porto Alegre (RS) adora lançar nas redes sociais diariamente. Mas não é! A afirmação saiu da boca do prefeito Nelson Marchezan Júnior (PSDB) em entrevista a uma rádio da cidade. Foi uma resposta ao questionamento do repórter sobre o projeto enviado pela administração à Câmara de Vereadores da capital, contendo, dentre várias medidas que retiram direitos dos trabalhadores rodoviários e dos usuários do transporte público, o fim do emprego de cobrador.

Como se não bastasse o nível de estresse em que vivem os motoristas e cobradores, expostos a todo tipo de insegurança e a mercê das doenças psicológicas geradas por isso, agora também estão ameaçados pelo desemprego. O que Marchezan chama de modernização da profissão, vai tirar de circulação cerca de 3.700 pessoas que hoje ocupam o posto de cobrador no sistema de transporte do município. Muitos têm nessa profissão sua única fonte de renda para sustento de suas famílias. Portanto, a medida terá uma consequência drástica não só na vida de cada um deles. É desde já uma sentença anunciada pelo prefeito que condena esses trabalhadores a viver uma vida mais indigna do que já viviam.

A máfia dos transportes age igual em todo o país. No último mês, veio à tona a roubalheira do transporte público do Rio de Janeiro que resultou na prisão do empresário de ônibus, Jacob Barata Filho, conhecido como o “Rei do Ônibus”. Com o investimento astronômico nas campanhas dos políticos, depois de eleitos, esses dão acesso e influência direta aos empresários nas ações das prefeituras. É o velho toma lá, dá cá. Desde as jornadas de junho de 2013, exigimos a abertura dos caixas do transporte público para que venha à tona a verdade sobre as receitas das empresas de transporte.

Em Porto Alegre, queremos saber para onde está indo o pagamento dos mais de 250 mil passageiros que só a Companhia Carris transporta, diariamente, sem gratuidade. Marchezan tem se preocupado apenas em formas de aumentar o lucro dos empresários. Uma delas é a política de sucateamento da Carris para entregar essa empresa pública na mão dos setores privados e, dessa maneira, ao mesmo tempo, acabar com a estabilidade e atuação dos funcionários votados (CIPA, Comissão de Funcionários e Delegados Sindicais) para defender os interesses dos trabalhadores. Para isso, passa a imagem de que a Carris tem um profundo déficit, que não dá lucros, e assim entrega de bandeja uma empresa centenária e que já foi referência no transporte nacional nas mãos dos empresários, e com a suposta permissão da população.

Ida Cristina, cobradora de ônibus da Carris

Ida Cristina tem 47 anos, é cobradora da Carris há sete anos e ganha R$ 1.600 por mês. Ela tem dois filhos adolescentes, mora numa casa alugada na Zona Norte de Porto Alegre, e sua única fonte de renda é o emprego que tem. Em entrevista ao Opinião Socialista, a cobradora relatou a situação cada vez mais degradante que os rodoviários de Porto Alegre têm vivido.

OS – COMO TEM SIDO TRABALHAR NA CARRIS?
Ida –
Eu estou vendo uma decadência muito grande, não só no trato com o funcionário, mas no geral, de toda a operação, na manutenção. Nós, eles estão penalizando bastante. Quase escravizando até. Há sete anos, era outra coisa. Eles ouviam o funcionário. Agora eles não querem nem a reunião da comissão de funcionários mais. Estão tentando burlar a comissão, fazendo reuniões paralelas para os colegas irem lá dar a sua opinião como se fossem eles tratando diretamente com o funcionário, excluindo a comissão, passando por cima de uma organização de funcionários reconhecida pelo Ministério do Trabalho.

SOBRE AS MEDIDAS DE MARCHEZAN ENVIADAS À CÂMARA DE VEREADORES, SÃO MUITOS ATAQUES. DENTRE ELES, ESTÁ A INTENÇÃO DE ELIMINAR A FUNÇÃO DE COBRADOR. COMO VOCÊ RECEBE ESSA NOTÍCIA?
Ida – 
Eles já estão falando, na verdade, há muito tempo nisso, de terminar com os cobradores. Só que eu acho que estão querendo colocar em prática agora. E aí vai desempregar um monte de pais e mães de família que tiram o sustento dali. Além do mais, tem muitos atritos, durante o dia, dos passageiros com os motoristas e os cobradores. Não estamos só expostos aos assaltos. A sociedade põe a culpa em nós porque o ar condicionado está quebrado, porque a campainha não funciona, porque o banco está solto e qualquer outro problema relacionado ao carro. Sempre tem alguém que reclama se damos carona [a cobradora se refere aqui às pessoas que não têm dinheiro para pagar passagem] e reclamam também se não damos. Se com dois na tripulação já é difícil, imagina se o motorista trabalhar sozinho. Essa semana, uma colega cobradora sofreu fratura exposta no braço e teve de fazer cirurgia por causa da agressão de um passageiro. Desse jeito, a insegurança vai ser maior. Passageiro e motorista juntos conseguem coibir bastante coisas, não só assalto. Eu acho que esse prefeito é bem tendencioso. Ele quer colocar a sociedade contra nós para poder privatizar a Carris com o apoio da população.

PARA PRIVATIZAR ELE PRECISA CONVENCER A POPULAÇÃO DESSA NECESSIDADE. COMO ELE VAI FAZER ISSO?
Ida – 
Eu acho que ele está maquiando tudo. Na greve geral do dia 28 de abril, ele falou que nosso dia parado custou à Carris um prejuízo de R$ 500 mil. Bom, se o lucro diário da Carris é esse, então porque não tem peça para repor? Para onde está indo esse dinheiro? Então, se a gente analisar, é uma má gestão como todas as outras, só que agora está pior. Ele coloca a população contra nós como se fôssemos os culpados pela Carris estar nessa condição de sucateamento. A forma dele de privatizar com o apoio da população é fazendo isso: colocando ela contra nós. E aí surge, durante o nosso horário de trabalho inclusive, uma série de atritos, como a da colega cobradora que eu relatei, como um outro colega nosso que teve de brigar com um passageiro para não apanhar, tentando se defender. Então a gente está assim, num alto nível de estresse e sem apoio psicológico, pois a empresa nos retirou até esse direito. Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT) é só para assalto. Nesse caso sim, eles encaminham para a psicóloga. Mas tem um monte de coisas que eles mandam a gente reivindicar na Justiça.

O QUE VOCÊ ACHA QUE É NECESSÁRIO FAZER PARA BARRAR ESSES ATAQUES DO PREFEITO AOS RODOVIÁRIOS, À POPULAÇÃO E À EMPRESA PÚBLICA DE TRANSPORTE CARRIS?
Ida – 
Primeiro, eu acho que a gente tem que alertar a população sobre os exemplos de privatização de linhas que já ocorreram e que foi uma decadência até em matéria de horário, e que quem vai pagar por isso são os próprios usuários do transporte. Eu acho que a população ainda não se deu conta do perigo que nos ronda e de que tanto Temer, quanto Sartori e Marchezan são da elite e, portanto, vão sempre puxar a sardinha para o lado deles e beneficiar os grandes empresários. Na Carris, estamos todos indignados, pois uma das promessas de campanha do prefeito era de que ele ia recuperar a Carris, por ser uma empresa pública com quase 150 anos de história, a mais antiga do Brasil. Mas o que ele está fazendo é justamente o contrário. E nós não podemos sequer reclamar, pois há uma verdadeira perseguição a quem reclama por direitos, com ameaças e até demissões por justa causa. Eles estão tocando o terror para cima da gente. Qualquer coisa é motivo. Até se esquecer o crachá tem que ir lá dar satisfação e assinar uma sanção. Qualquer coisa que a gente fizer eles vêm para cima. O que eles querem mesmo é pôr todo mundo para fora sem precisar pagar indenização e vender a Carris. Daí, quem comprar que assuma a bronca. Se ao menos a gente tivesse o apoio do sindicato… mas nosso sindicato não funciona. Nosso sindicato é do patrão. Na hora do vamos ver, nós não podemos contar com eles. Então a gente luta por nós e estamos sempre lutando. É um leão por dia que a gente mata para poder conseguir sobreviver.