Você liga a televisão ou abre os jornais e a conversa é sempre a mesma. O Brasil está em crise, pois o governo “gastou demais”, descontrolou as contas públicas, trouxe “incerteza” aos “agentes econômicos” que, sem um quadro mais claro sobre o futuro, pararam de investir. É um discurso que sai da boca tanto do PSDB, quanto do próprio governo do PT, através de um mea culpa. É uma análise que domina as colunas dos jornais e os comentaristas de economia das mais diferentes matizes.

Isso tudo serve para criar uma ambiente favorável ao ajuste fiscal e às reformas, como a reforma da Previdência e trabalhista. Alguém que acompanhe minimamente a crise pela grande imprensa pode ter a ideia de que o ajuste e as reformas são ruins, mas necessárias. Não é o que todos dizem? Estamos assistindo a uma verdadeira campanha para empurrar goela abaixo dos trabalhadores e da população um conjunto de medidas que ataca direitos históricos. Algo como ocorreu na década de 1990 em relação às privatizações realizadas por FHC.

Nesse contexto, defende-se a tal da responsabilidade fiscal, o ajuste das contas públicas, o fim do que seria um excessivo intervencionismo estatal e todo o corolário de eufemismos do neoliberalismo bastante conhecido por quem viveu a década de 1990 e que, embora tivesse saído de moda nos últimos anos, nunca deixou de ser praticado pelos governos do PT. A chamada Lei de Responsabilidade Fiscal faz parte disso. Reivindicado tanto pelo PSDB quanto pelo governo do PT, essa lei é considerada um “avanço institucional” do país rumo a uma suposta estabilidade econômica legada por FHC. Mas qual o real sentido dessa lei?

Uma lei encomendada pelo FMI
A chamada Lei de Responsabilidade Fiscal, ou Lei Complementar nº 101, foi sancionada pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) em maio de 2000. Sob o argumento de “disciplinar” as contas públicas, ela, na verdade, servia para um único objetivo: dar prioridade absoluta ao pagamento da dívida pública, tanto para a União, como para estados ou municípios. Foi uma lei cujo rascunho nasceu nos escritórios do FMI.

Ela obriga a definição de metas fiscais anuais e a indicação da fonte de receita para cada despesa permanente.  Além disso, uma das principais medidas da LRF é a fixação de limites para gastos com pessoal: 50% da receita para a União, e 60% para estados e municípios. A punição para quem infringir a lei é dura. “Expedir ato que provoque aumento da despesa total com pessoal em desacordo com a lei” pode dar de 1 a 4 anos de prisão. É uma pena comparável, por exemplo, ao crime de sequestro.  Também impõe a figura do contingenciamento dos gastos públicos, que é tão simplesmente o corte de verbas que estamos tão acostumados a ver no início de cada ano.

Além dessa camisa de força na definição dos gastos, a LRF estabelece um princípio que parece ter certa lógica. Você não pode criar novos gastos se não apontar a fonte de receita. Parece justo, não? O problema é que a lei visa impedir, por exemplo, novos gastos sociais como na saúde, educação, na contratação de servidores públicos ou no reajuste de aposentadorias, mas nada diz sobre o aumento dos gastos com a dívida pública provocado pela extorsiva taxa de juros com a qual convivemos há tantos anos. Nada diz por que é justamente para isso que foi feita: redirecionar os recursos do Orçamento para os banqueiros. Um duto que suga as riquezas produzidas pelos trabalhadores para o mercado financeiro internacional.

A prova mais contundente disso é que, 15 anos após a aprovação da LRF, temos os serviços públicos precarizados e os gastos represados, mas a dívida, por outro lado, cresceu exponencialmente. De R$ 563 bilhões em 2000, ano em que entrou em vigor, subiu vertiginosamente, ultrapassando R$ 1 trilhão em 2005, em pleno governo Lula, e está atualmente em algo como R$ 1,6 trilhão.

Fernando Henrique deixou o Planalto com a dívida batendo os 60% do PIB.  Os governos Lula e Dilma, mantendo de fundo essa mesma política econômica, mas surfando numa conjuntura de crescimento internacional e alta nos preços das commodities, chegaram a reduzir essa relação, mas hoje ela já chega a 67%, e o próprio Banco Central projeta que 2015 feche com uma dívida do tamanho de quase 70% do PIB brasileiro.

Esse é o resultado de todo o “esforço” de 15 anos de Lei de Responsabilidade Fiscal: uma dívida triplicada que não para de crescer e que leva todos os anos quase metade do Orçamento. Já os gastos com pessoal e encargos sociais, pelo contrário, diminuíram em proporção ao PIB, passando de 4,6% em 2000 para 4,2% em 2014.


A LRF veio para coroar o aprofundamento das políticas neoliberais implementado por FHC (junto com a abertura desenfreada da economia, privatizações, etc.), criando todo um arcabouço jurídico e constitucional para impedir ou dificultar que um novo governo aplique uma outra política econômica. Mas o governo Lula não só não se opôs a isso, como abraçou de bom grado, com o então ministro da Fazenda, Antônio Palocci, fazendo uma autocrítica pública pelo PT não ter apoiado a lei em 2000.

Ajuste fiscal nos estados
A Lei de Responsabilidade Fiscal e a lógica de privilegiar o pagamento da dívida pública aos banqueiros não apenas é responsável pelo desvio de recursos públicos da União, mas se reproduz também nos estados e municípios.

Em tempos de crise, isso se traduz num duro ajuste fiscal que causa, por exemplo, a grave crise da saúde no Rio de Janeiro. O projeto de “reorganização” escolar de Alckmin em São Paulo, que previa o fechamento de 91 escolas também faz parte disso. O governador do estado, aliás, junto com o prefeito da capital, Fernando Haddad (PT), anunciou o aumento da tarifa do transporte público.


Polícia de Beto Richa reprime professores no Paraná

 Também faz parte desse ajuste o pacotaço de Beto Richa (PSDB) contra os servidores no Paraná no início do ano. E no último dia 29 de dezembro, a Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul aprovou projeto do governador Ivo Sartori (PMDB) impondo uma Lei de Responsabilidade Fiscal específica no estado. O alvo é claro: os servidores gaúchos.

Parar de pagar a dívida! Ajuste nos banqueiros
Todo o discurso do governo do PT, de Aécio ou do PMDB, e repetido à exaustão pela imprensa burguesa, busca naturalizar uma situação absurda em que os trabalhadores e a população sustentam os lucros trilionários de meia dúzia de banqueiros. E que, durante a crise, precisam trabalhar ainda mais para isso, além de arcarem com demissões e perda de direitos.

Os gastos com o pagamento da dívida, o custo bilionário de uma política de isenções e subsídios a grandes multdinacionais não aparecem no “rombo” do governo. Apenas os aposentados ou o reajuste irrisório do salário mínimo.

Enquanto você lê este texto, Dilma está reunida com seus ministros em Brasília preparando a reforma da Previdência, a “desvinculação” constitucional das verbas da Saúde e Educação, entre outros ataques. A única saída, para os trabalhadores, é derrotar este governo e esse ajuste, parar de pagar a dívida aos banqueiros e investir em saúde, educação, salários e na geração de empregos. Fora disso, é tudo conversa fiada.