Os crimes contra os povos indígenas não ficaram apenas no nosso passado. Infelizmente, são ainda parte do presente. Durante os meses de abril e maio diversos povos indígenas começaram lutas país afora. Lutavam em defesa de suas terras, ameaçadas pelo avanço dos fazendeiros do agronegócio, e contra o descaso dos governos.

No centro dessas lutas está a reserva indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima. A reserva é motivo de disputa entre índios e fazendeiros, que desejam se apossar das terras e suas riquezas. Apesar do grande extermínio indígena ocorrido durante o povoamento, Roraima ainda conta com a maior população de índios no Brasil. Também possui grandes riquezas minerais em seu subsolo como ouro, diamantes, cassiterita, bauxita, cobre, argila e granito. Na região sul, o solo é rico para agricultura.
Atualmente, 88% das terras do Estado pertencem à União. Destas, 57% são terras indígenas que entram em conflito com os interesses dos grandes proprietários de terra, principalmente grandes latifundiários, fazendeiros de gado e os arrozeiros, que ocupam ilegalmente parte das reservas.

Na Raposa Serra do Sol, existem 170 comunidades indígenas com aproximadamente 15 mil índios. Depois de mais de 30 anos de debate, a reserva finalmente foi homologada pelo governo federal em 2005. O que representou a vitória de uma luta marcada por humilhações, violência, atentados e mortes de mais de 20 lideranças indígenas.

No entanto, os invasores da área nunca aceitaram a homologação. Convencidos de que “índio atrapalha o progresso”, reagiram com violência. No dia 5 de maio, dez índios foram feridos por um ataque a tiros de espingardas promovido por pistoleiros encapuzados do prefeito de Pacaraima, Paulo César Quartieiro. O político tem uma propriedade ilegal no meio da reserva. Apesar da covardia da ação criminosa, a grande imprensa tratou o episódio como se fosse um confronto entre indígenas e seguranças do prefeito invasor. O governador do Estado, José de Anchieta Júnior, chegou a definir como ato “terrorista” a entrada de índios na fazenda de Quartieiro.

Os índios e o engenheiro
Há algumas semanas, uma manifestação dos povos indígenas do Xingu, realizada em Altamira (PA), contra a construção da hidrelétrica de Belo Monte, serviu como pretexto para a grande imprensa apresentá-los como “representantes do atraso e da barbárie”.

Na ocasião, um engenheiro da Eletronorte participava de um encontro para discutir a construção da usina hidroelétrica. Ele defendeu a construção e disse que não adiantariam os protestos, pois a hidrelétrica seria construída de qualquer maneira. Os índios se irritaram e cercaram o engenheiro, que acabou sendo ferido pelos índios caiapós. O episódio foi um prato cheio para a grande imprensa reacionária. Os caiapós foram tratados pelos jornais como “selvagens” e não faltaram exigências para que os índios fossem punidos exemplarmente pela Justiça. Algo com que nem o próprio engenheiro concordou.

Polêmica histórica
Há décadas, os governos desejam construir a nova hidroelétrica no rio Xingu. Mas o projeto é recheado de polêmicas quanto ao impacto ambiental e para as comunidades indígenas. Especialistas alegam que o Xingu é um rio sazonal, que tem o seu volume de água extremamente reduzido em boa parte do ano. Diversos engenheiros alertam que a construção da hidrelétrica pode matar o rio. Mesmo assim, o governo argumenta que a usina terá capacidade para gerar 11 mil megawatts.

Mas o governo parece não estar incomodado com os alertas. O ministro das Minas e Energia, Edison Lobão, já confirmou a realização de um leilão da usina hidrelétrica para 2009, mesmo não existindo qualquer licenciamento ambiental para a obra.

Por outro lado, os conflitos da Raposa Serra do Sol possuem relação direta com os protestos em Altamira. A construção de hidroelétricas pretende utilizar as águas dos rios da Amazônia para produzir energia hidráulica que dará suporte aos grandes negócios do agronegócio, de extração de minérios e das transnacionais. Para isso, é necessário se livrar dos problemas legais, jurídicos, ambientais e indígenas. Em outras palavras, é preciso remover os “penduricalhos”, como já disse o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

A política indígena do governo
Aliado do agronegócio, o governo federal abraça uma política indígena semelhante à da ditadura militar. Naqueles tempos, os generais pretendiam colocar os índios na sociedade capitalista como mão-de-obra barata e suas terras estariam disponíveis para serem exploradas. Esse plano foi interrompido pela Constituição de 1988. No entanto, os governos ignoraram os direitos constitucionais dos povos indígenas, como direito à saúde, à demarcação e à proteção de seus territórios.

Para aumentar as exportações agrícolas e realizar as obras do PAC, o governo Lula e seus aliados do agronegócio querem passar por cima de direitos constitucionais. Um dos aliados de Lula, o governador de Mato Grosso, Blairo Maggi, quer construir cinco hidroelétricas em seu Estado. As obras irão afetar o regime de águas de reservas indígenas. Mas serão extremamente lucrativas para ele. Isso porque serão construídas pela Maggi Energia, um dos braços empresariais do governador, que faturou US$ 1 bilhão no ano passado.

Por outro lado, o governo Lula diminuiu as verbas de programas como “atenção à saúde dos povos indígenas”, que sofreu um corte orçamentário de R$ 65,1 milhões, em 2008; programa de “promoção, vigilância, proteção e recuperação da saúde indígena”, que teve redução de R$ 53,4 milhões. Outros programas importantes também sofreram drásticos cortes, como o de demarcações de terras indígenas, reduzido em R$ 5,3 milhões.

Como se não bastasse, a impunidade é uma marca desse governo também na questão indígena. O Conselho Missionário Indigenista (Cimi) denuncia que, no ano passado, 92 lideranças indígenas foram assassinadas. Não há notícias sobre punições.

A formação histórica do Brasil foi marcada pelo assassinato de índios e pela barbárie da escravidão do povo negro. Em nome do “progresso”, os povos indígenas foram riscados do mapa. Hoje uma verdadeira “caça às bruxas”, que em nada deve aos tempos do Brasil colônia, é promovida pelos aliados dos governo federal.

Como no passado, seu objetivo é tratar os índios como criminosos, porque estes não abandonaram suas terras nem sua cultura. Um “crime” que o capitalismo não perdoa.

Post author
Publication Date