Na noite de sexta-feira, 9 de setembro, a multidão que protestava na praça Tahrir, centro do Cairo, dirigiu-se ao edifício da embaixada israelense. A tática não era desconhecida, a ponto do governo militar, no poder desde que a revolução popular derrubou Mubarak, ter erigido um muro em torno da embaixada. Porém, isso apenas indignou os egípcios, que saíram de suas casas com martelos e varas. Quando conseguiram, escalaram o edifício e entraram por uma janela no terceiro andar.

A ação seguia o rastro da mobilização que permitiu, algumas semanas antes, a Ahmed al-Shahat escalar o prédio e arrancar a bandeira israelense, deixando em seu lugar a egípcia. Mesmo alçado à fama e tido como um herói do povo, o “Homem-Aranha” chegou a ser preso pela junta, que já detém mais de 12 mil ativistas em suas prisões militares sem direito a advogado e habeas corpus. Temerosos com a reação popular, acabaram liberando Shahat. Um governador de província lhe concedeu uma casa e um emprego no seu estado natal.

Na madrugada do dia 10, no entanto, os revoltosos fizeram muito mais: começaram a retirar documentos e jogá-los para os que ficaram embaixo. O embaixador israelense e os funcionários, que não estavam no local, embarcaram às pressas em um voo para Israel, tendo antes pedido a interferência direta do presidente norte-americano Barack Obama. A junta militar, cuja ordem até então era evacuar as forças militares do centro para não provocar choques com os protestos, fez valer todo seu autoritarismo no resgate aos seis agentes do serviço secreto israelense que se encontravam dentro do edifício. A repressão causou mais de mil feridos e matou três, em uma furiosa batalha campal que durou até o raiar do dia.

Campanha de distorção em favor de Israel
O governo israelense acusou o ocorrido como uma “grave violação” das normas diplomáticas e um “golpe contra a paz”. O tom do governo norte-americano, ao qual Israel recorreu, não foi diferente. No entanto, foi a grande mídia que mais atacou o governo egípcio e os protestos.

O viés estava em retratar o evento como uma reação alucinada das massas, com alusões racistas ao extremismo árabe. Ainda que alguns jornalistas creditassem a raiva dos egípcios ao assassinato de cinco policiais egípcios por Israel, em represália aos ônibus explodidos em Eilat, cidade ao sul deste país, diversos meios de comunicação acrescentaram a palavra “por engano” a essas mortes.

A mídia não deu nenhuma atenção ao conteúdo dos documentos da embaixada revelados pelos ativistas. Neles, pode-se vislumbrar um pouco da ação do Estado sionista em território egípcio, que viola a soberania do país e corrompe seus representantes. Há, ali, cartas sobre as boas relações e gracejos financeiros com inúmeros empresários e políticos egípcios, pedidos autorizados de porte especial de armamento pesado, ordens de pagamentos a jornalistas detentores de posições de mando na mídia egípcia, RGs egípcios para agentes do serviço secreto israelense e contracheques de cidadãos egípcios sem nomeação.

Revoluções árabes colocam o sionismo em xeque
É um momento muito delicado para a articulação realizada pelos EUA em torno de Israel, que contava com Turquia, Egito e Jordânia, e hoje está sustentada apenas pelo último – e de forma precária, pois a embaixada israelense em Amã também virou alvo dos protestos populares. A Jordânia tem mais de 60% de sua população de refugiados palestinos.

O momento é ainda mais tenso para Israel, pois tem se mostrado um tiro pela culatra a resposta do governo linha-dura de Netanyahu ao plano da Autoridade Nacional Palestina (ANP) de obter reconhecimento formal na próxima Assembleia Geral da ONU. Preocupados em não ceder um milímetro em diplomacia sem que os palestinos ofereçam mais e mais recuo nas negociações, Israel concatenou um esforço global para deter o autodeclarado primeiro-ministro palestino, Mahmoud Abbas, levando os EUA a prometer aplicar seu direito de veto no Conselho de Segurança contra o reconhecimento da Palestina nas míseras terras da Cisjordânia e Gaza. Ora, o que era uma aposta diplomática oficial da ANP, derrotista ao aceitar menos de 10% da Palestina histórica, cresceu em proporção e virou uma novela pública que promete deslegitimar não só Israel, mas a própria ONU que já havia deliberado por um Estado palestino no seu próprio plano de partilha da Palestina, de 1947, que deu as terras árabes ao sionismo.

Abbas vem demonstrando que a tática de ir para a ONU, na verdade, serve para arrancar negociações de Israel, pois o veto dos EUA no Conselho de Segurança é certo. A intenção de Abbas parece ser conseguir um compromisso de Israel quanto aos assentamentos sionistas em Jerusalém Oriental e Cisjordânia – o total de colonos israelenses ilegais nas terras da Cisjordânia já ultrapassa 500 mil pessoas, segundo algumas estimativas; apenas 150 mil são admitidos pelo governo israelense, que repetidamente autoriza ordens de despejo dos árabes e expansão dos assentamentos. Trata-se de um projeto limitado de Abbas, que, junto com seu ministro de Finanças Salaam Fayyad, está preocupado apenas em deter a ganância de Israel nas poucas terras em que é a ANP recolhe seus lucros, além de jogar a polícia contra o povo palestino.

Nesse esforço, Abbas, Erdogan, presidente turco e o egípcio Tantawi parecem se mover pela mesma necessidade: apresentar-se como combativos na esfera diplomática para canalizar e esvaziar o ímpeto popular que cresce na ação direta. Pegos no contrapé em uma situação revolucionária que só se aprofunda no continente, precisam se legitimar e evitar que as demandas dos revolucionários se aprofundem a ponto de questionar os lucros e acordos que estas lideranças têm e tiveram com o Estado de Israel.
Post author Luis Gustavo Porfírio, de São Paulo (SP)
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